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Associação de Cuidados Paliativos repudia manifesto pela despenalização da eutanásia

15 fev, 2016 - 11:05 • João Cunha

APCP critica autoridades de saúde pelo silêncio relativo à falta de acesso a estes cuidados e lembra que a questão não apareceu em “nenhum programa eleitoral de nenhum partido”.

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A Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos (APCP) manifesta repúdio ao manifesto pela despenalização da morte assistida e defende, em contrapartida, a prestação de cuidados paliativos, lembrando que são mais de 80 mil doentes que não conseguem aceder a este tipo de apoio clínico.

A Lei de Bases dos Cuidados Paliativos, de 2012, previa o apoio a estes doentes, mas ainda não foi aplicada na prática.

“Só cerca de sete a oito mil doentes são cuidados nas equipas de cuidados paliativos e há zonas do país onde estes doentes não têm acesso. Não havendo acesso, é natural que o doente - mais do que pedir que o matem - pede que o deixem morrer”, aponta Manuel Capelas, presidente da APCP.

Outra questão diz respeito ao papel dos profissionais que estão a acompanhar estes doentes, pois se lhes indicarem, em tempo útil, o caminho dos cuidados paliativos como a melhor resposta para a sua situação. Sabe-se que a grande maioria dos doentes “não está referenciada, porque se nota uma prática de obstinação e futilidade terapêutica por desconhecimento dos próprios profissionais”, critica a associação.

Os doentes, quando acedem aos serviços de cuidados paliativos, mesmo tendo manifestado antecipadamente algum desejo de acabar com a sua vida, acabam por renegar esse desejo e continuar a viver com as limitações que têm.

“A questão fulcral de todo o processo é que os doentes percebem que estão numa fase final da vida, mantida artificialmente através de tentativas de recuperação, e ficam saturados”.

Quando percebem que estão a caminhar para o final da vida, ”gostariam de o passar de uma forma mais descansada, junto dos seus - embora com os seus problemas, devidamente controlados”, considera Manuel Capelas.

Há doentes terminais com 15 dias de vida a quem não é dada a possibilidade de receber cuidados paliativos e terminar os seus dias de outra forma que não a do prolongamento dessa mesma vida através da medicina, com todo o sofrimento que isso pode implicar.

Falta promover o debate público

A APCP lembra relatórios de há três anos, da Entidade Reguladora da Saúde e do Observatório dos Sistemas de Saúde, para dizer que não entende a posição assumida por altos quadros do sector da saúde, que assinaram o manifesto “Morrer com Dignidade”, divulgado há uma semana pelo semanário “Expresso”.

O documento em causa indicava que 90% dos doentes que necessitavam de cuidados paliativos não tinham acesso a estes cuidados e mais de 50% morriam à espera deles e que era importante alterar essa situação. “Nunca se ouviu uma tomada de posição pública do Director Geral de Saúde ou da Bastonária da Ordem dos Enfermeiros - a que pertenço - que dissesse que era importante resolver o problema destes doentes”, critica.

As críticas de Manuel Capelas vão também para a classe política. “Falta promover o debate público numa matéria onde parece existir uma alegada pressa em legislar.”

“Não vi em nenhum programa eleitoral de nenhum partido a discussão deste problema. Apesar de a Assembleia da República ser mandatada pelos cidadãos, não me parece que seja correto que seja ela a decidir isto, quando não pôs previamente esta questão a nenhum cidadão.”

O que a Associação Portuguesa de Cuidados Paliativos defende é um debate claro, com zelo e rigor, que elucide as pessoas, mesmo que nunca a questão venha a ser objecto de um referendo.

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  • João Martins Vieira
    16 fev, 2016 Lisboa 10:06
    O valor em causa é a vida que tem um início e um fim e é igual entre esses dois momentos. Ninguém tem o direito de definir quando eles devem ocorrer. Nem o próprio e, muito menos, outros, sejam lá quem eles forem.
  • João Lopes
    15 fev, 2016 Viseu 21:51
    Mais e melhores cuidados paliativos! Porque, «reivindicar o direito ao aborto, ao infanticídio, à eutanásia, e reconhecê-lo legalmente, equivale a atribuir à liberdade humana um significado perverso e iníquo: o significado de um poder absoluto sobre os outros e contra os outros. Mas isto é a morte da verdadeira liberdade»: palavras perenes e sábias de João Paulo II.
  • Cândida Sá Dantas
    15 fev, 2016 Porto, Portugal 13:35
    Cuidados paliativos pressupõem uma determinada etape na vida de sofrimento. Não quero dizer que não necessários. Mas nada têm a ver com a eutanásia que será numa fase de tal maneira avançada na dor que se prefere a morte a continuar em sofrimento sem qualquer alívio até que surja a morte ebençoada. Por que não hei-de ter, no pleno uso das minhas faculdades mentais, o direito de pedir uma morte clemente? Tenho 75 anos. Fiz testamento vital . E sou a favor da eutanásia, porque o sofrimento sem perspectiva de alívio/cura é ignóbil. E eu quero ter o direito de dizer basta. Ninguém tem o direito de decidir por mim Ninguém, mas NINGUÉM, tem o direito de impor as suas ideias e/ou sua ideologia aos outros, como eu não pretendo que todos assumam a eutanásia. Liberdade sim arrogância ideológica não.

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