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Esther Mucznik

"Papa Francisco coloca as relações com o judaísmo num nível especial”

17 jan, 2016 - 09:00 • Filipe d'Avillez

Judeus e católicos têm uma relação ancestral, marcada pelo Holocausto. O Papa visita este domingo a Sinagoga de Roma.

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O Papa Francisco visita este domingo a Sinagoga de Roma, um dos principais templos judaicos de Itália, repetindo um gesto que foi protagonizado pela primeira vez por João Paulo II e mais tarde por Bento XVI.

Esta não é uma sinagoga qualquer. Está carregada de simbolismo, diz o padre Peter Stilwell, actualmente reitor da Universidade de São José, em Macau.

“A grande carta de São Paulo aos Romanos, que foi logo nos primeiros anos do Cristianismo, foi escrita precisamente para a comunidade judaica em Roma, da qual fazia parte também um grupo de judeus que eram discípulos de Jesus Cristo.”

“Essa comunidade provavelmente foi visitada pelo próprio São Paulo e depois por São Pedro, e, infelizmente, ao longo dos séculos, sabemos que a relação entre a Igreja Católica e a comunidade judaica resfriou e tornou-se distante. A certa altura os Papas obrigaram os judeus a viver num gueto e é sobre as colinas desse gueto que se construiu a actual sinagoga de Roma.”

O mau tratamento dos judeus não se ficou apenas pelo gueto. Há uma longa tradição de perseguição na Europa cristã e não é preciso recuar muitas décadas para encontrar um tempo em que tal visita seria impensável. O que permitiu a mudança?

Esther Mucznik, dirigente da Comunidade Israelita de Lisboa, diz que terá sido uma das maiores tragédias humanitárias do século XX, o Holocausto, a que os judeus chamam Shoah.

“Acho que a dimensão, as características da tragédia do Holocausto, muito provavelmente provocaram um abalo nas consciências em geral, mas nomeadamente também na consciência da Cristandade. Penso que isso de facto teve um papel importante”, diz Esther Mucznik.

“Há um reconhecimento que esses dois milénios de perseguições contribuíram para criar uma mentalidade que de certa maneira considerasse de alguma normalidade a perseguição aos judeus, que tomou obviamente com o nazismo uma forma totalmente diferente, com características diferentes, mas que tinham esse fundo de antijudaísmo que existiu ao longo dos séculos.”

Um vírus

Peter Stilwell também não tem dúvidas sobre essa ligação. “É muito claramente isso. Basta ler documentos saídos da Igreja um pouco antes da II Guerra Mundial e outros depois da II Guerra Mundial e nota-se a diferença de tom.”

“É resultado de um choque espiritual e psicológico que a Igreja viveu ao dar-se conta do vírus que tinha alimentado no seu seio, que evoluiu para o nazismo – que não tem nada a ver com cristianismo, nem com a Igreja Católica – mas que nasce neste contexto da cultura ocidental em que a tradição de perseguir e maltratar os judeus era o habitual”, afirma o sacerdote, especialista em diálogo ecuménico e inter-religioso.

É para cimentar esta nova relação com os judeus, apelidados de “irmãos mais velhos” dos cristãos pelos mais recentes Papas, que Francisco visita domingo cerca das 15h00, hora de Lisboa, a sinagoga de Roma, onde recordará as vítimas do anti-semitismo em Itália.

Os gestos de Francisco

Esther Mucznik reconhece o papel de João Paulo II e de Bento XVI na melhoria das relações entre as duas religiões, mas acredita que com Francisco esta pode ser aprofundada.

“Tem havido uma série de gestos, que remontam ao período em que ele ainda não era Papa, que colocam as relações com o judaísmo num nível especial”, reconhece.

“Para nós, judeus, é extremamente importante, porque quando pensamos nos dois mil anos de ausência de diálogo, para não dizer mais, no quanto foi trágico para os judeus, penso que se deve valorizar muitíssimo esta nova situação que com o Papa Francisco se tem vindo a desenvolver e cimentar de uma forma muito especial”, explica.

João Paulo II visitou a sinagoga em 1986 e Bento XVI repetiu o gesto em 2010. Este domingo é a vez de Francisco.

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  • Vicente Francimar de
    30 jul, 2018 Fortaleza 21:52
    Fortaleza, 30 de julho de 2018. É incrível que um texto tão simpático, abordando o bom relacionamento entre católicos e judeus, e, acima de tudo, a intimidade doutrinária entre ambas as crenças; permaneça 2 anos e meio sem qualquer manifestação dos internautas. Pois bem. Como judeu que sou hoje, e ex-católico, venho manifestar minha satisfação pelos pronunciamentos dos últimos pontífices romanos a respeito das particularidades que nos unem, a nós católicos e judeus. Isto só fortalece o posicionamento dessas duas correntes espiritualistas, e certamente sinaliza para um longo e saudável convívio entre ambas as correntes espirituais. Judeus e Católicos somos irmãos, e o mundo viverá por muitíssimo tempo num convívio pacífico entre ambas as correntes religiosas.Vicente Francimar de Oliveira.

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