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Quanto vale a carne de porco que comemos?

12 jan, 2016 - 07:01 • André Rodrigues , Marília Freitas

Numa altura em que o sector atravessa uma das maiores crises de sempre, a Renascença foi perceber como trabalha a indústria. Conclusão: o preço pago por um porco nem sequer chega para pagar a ração que come.

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Quanto vale a carne de porco que comemos?

Há um ano, os suinicultores sentiam os primeiros efeitos da crise mas sempre acreditaram que o sector daria a volta. “Iríamos aumentar o nosso efectivo reprodutivo, contratar mais funcionários e construir um novo pavilhão”, começa Manuel Pereira, engenheiro agro-pecuário numa empresa de produção, abate e transformação sedeada na Trofa.

Um ano depois, tudo na mesma. E nos últimos meses o quadro degradou-se de forma significativa. "Tínhamos tudo aprovado, orçamentos, projectos… tudo”.

Mas o retorno pela carne vendida em Portugal é fixado semanalmente de acordo com uma cotação indexada ao desempenho do sector em Espanha, onde os custos de produção são substancialmente mais reduzidos. Com o valor da carne de porco a cair a pique no mercado espanhol, a receita dos produtores portugueses regista subtracções recorde.

E em face disso, o investimento de 600 mil euros pensado há um ano fica na gaveta à espera de dias melhores.

7.000 euros de prejuízo por semana

Neste momento, o custo de produção por animal inteiro é de 118 euros. A receita, cerca de 84. Prejuízo: 34 euros.

Considerando que esta empresa da Trofa abate uma média de 200 animais por semana, Manuel Carneiro, sócio-gerente, tem a noção de que está a perder “7.000 euros em média todas as semanas”.

Além disso, aquilo que o animal rende ao produtor “não chega para pagar as rações”, precisa o engenheiro Manuel Pereira. “Se o ganho é de 84 euros por porco, só as rações custam 87”. Fora outros custos associados.

Desde logo, com o pessoal. Manuel Carneiro já teve a seu cargo 70 funcionários. A crise levou ao despedimento de 10. E não terão sido os últimos.

Apreensivo, Manuel Carneiro desabafa que um quadro destes não lhe agrada, “porque sei que tenho famílias cuja sobrevivência depende do emprego aqui”. Mas o patrão diz que “não é possível aguentar mais um ano assim”.

Depois, somam-se as facturas da água, luz, combustíveis, recolha de resíduos, medicação. Uma parcela que algumas explorações já excluíram da estrutura de custos.

Américo Martins Oliveira, veterinário, diz ter conhecimento de suiniculturas “que deixaram de vacinar os animais”. As consequências são “as doenças que poderão surgir mais à frente”, adverte.

Grandes superfícies estão a dizimar o sector

São resultados de uma crise atribuída também em grande medida à política de promoções praticada pelas grandes cadeias de distribuição. “50%, 30%, 40%. E eu não sei como eles conseguem isso”, desabafa Manuel Carneiro que lamenta o facto de os prejuízos “serem sistematicamente imputados aos produtores”.

A conjuntura internacional também não ajuda. O embargo russo aos produtos europeus, em resposta às sanções por causa da guerra na Ucrânia, está a reter “milhares de toneladas de carne de porco nas arcas frigoríficas”. Um problema que se estende a toda a Europa.

Num mercado global, a carne estrangeira entra nas grandes superfícies a preço muito mais baixo. Vendida como produto nacional. É outro dos motivos para o descontentamento dos suinicultores, que reivindicam uma fiscalização mais apertada e novas regras para a rotulagem da carne. “O que acontece é que algumas destas empresas andam a comprar alguma carne nacional, exigem os rótulos aos matadouros e depois colam-nos em qualquer cuvete de carne”, que pode ser espanhola, francesa ou de outra origem qualquer.

Manuel Carneiro reconhece que “o consumidor acaba por ser enganado”. É o poder da publicidade “que faz com que as pessoas vão atrás das promoções sem pensarem que, ao fim e ao cabo, a carne até sai mais cara”.

Para trás, ficam os talhos tradicionais. Muitos despedem. Outros já fecharam. Outros ainda, sobrevivem enquanto podem. “Porque não podem fazer as promoções que os hiper e supermercados fazem”.

As grandes superfícies esmagam-nos. Sem gravarem declarações, alguns talhantes contactados pela Renascença admitem que as grandes superfícies estão a matar o negócio.

E num país forçado a importar metade da carne de porco que consome, Manuel Carneiro diz não ter dúvidas: “vamos passar a depender dos espanhóis e de outros países da União Europeia… vamos morrer pobres… na miséria”.

Comentários
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  • JOS Figueiredo
    11 mar, 2016 Coimbra 23:28
    Pela qualidade,ainda é bastante cara,os porcos são criados com produtos imprestáveis,rações que deveria ser retiradas do mercado e os proprietários das fábricas;deveriam prestar contas,mas os serviços sanitários nada fazem.Bruxelas também só sabe ver o pequeno desfavorecido os grandes 'MANITUS' esses passam ao lado.
  • apoiszé
    11 mar, 2016 Porcalhota 18:53
    O problema é da ração, eletricidade, água e impostos..este pais sou carrega em cima de quem trabalha e produz, aos Boyz olham para o lado.
  • Alvim
    11 mar, 2016 centro 18:16
    Somos o que comemos, não abusem na carne de porco porque depois começa-se a notar, olhem para os alemães!
  • ...
    13 jan, 2016 Braga 14:48
    Sabe a quantas pessoas dá emprego apenas a suinicultura? Pense se as quer todas no desemprego, alguém lhes terá que pagar os subsídios de desemprego / rendimento de inserção, etc,.. Porque é que espanha tem custos de produção mais baixos? Não ouviram falar nos custos da alimentação? Vão ver a dimensão de espanha, dos hectares de produção de cereais e depois venham falar. Puxem pelo nosso país, deitar abaixo não resolverá nada, NUNCA!
  • oraaíestá!
    12 jan, 2016 é isto aí 13:11
    Pelos vistos há muita gente que comenta porque se mata os animais para consumo, ou porque as pessoas se deveriam virar para os vegetais, mas é a lei da natureza, e os animais não se matam uns aos outros?! E até há quem filme e se ponha a ver o espetáculo, os leões matam os búfalos , as hienas comem os animais ainda vivos, as cobras matam outras cobras e engolem outro animais vivos, os peixes a mesma coisa. Por essa ordem de ideias deixamos de comer animais e os peixes, para os animais os comerem. Vivemos nesta infeliz natureza, o que fazer? Se assim não fossem, qualquer dia não podiamos passar na rua com tantos porcos, sem estes também não terem nada para comer. Se a questão for matar os animais para que eles sofrem o menos possível, aí já é outra coisa....Mas mudando de assunto, não foi para isto que quiseram a u,europeia, pois pelos vistos o que se vê pelo resultado é um país cada vez mais na miséria......
  • Rui
    12 jan, 2016 Viseu 12:33
    Parece que as pessoas não param para raciocinar. Nós temos custos de produção superiores a Espanha, explorações mais pequenas e ainda perguntam porque é que os espanhóis têem preços mais baixos? "Vamos comprar tudo ao estrangeiro, que é mais barato"..... nem sei que vos diga! Imaginamos que no limite compramos tudo aos Chineses, já que é tudo mais barato...... depois vão lá pedir-lhes emprego, já que os exploradores dos patrões portugueses não sabem vender os produtos mais baratos!!!!! Mandem os currículos para a China, Espanha, etc...... Ou façam melhor, abram vocês mesmo um negócio e depois sentem na pele o que é ter prejuízo!!!
  • JoseGomesL
    12 jan, 2016 Lisboa 11:52
    E no entanto ele vivem... o costa comunista que lhes dê um subsídio dos nossos impostos.
  • Dani Silva
    12 jan, 2016 Lx 11:32
    Pena que os Porcos não possam participar nas manifestações... São animais inteligentes e sentientes, mas são tratados como lixo... Um dia, a Natureza envia-nos a factura para pagarmos todos os danos que lhe temos feito...
  • Tiago
    12 jan, 2016 Lisboa 11:15
    Isto é um negócio como outro qualquer, se não está a dar ou assume os custos ou muda de ramo. O futuro é o vegetarianismo, porque não apostar nesse mercado e virar para a agricultura em vez da pecuária.
  • Justo
    12 jan, 2016 Leiria 11:15
    È triste é cada vez comemos, porco e outros criados com carradas de quimicos. È para dizer onde pára a DECO, ASAE e analises aquilo que nos solicitam a comer.

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