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Cédric Villani viveu com uma equação durante dez anos. E apaixonou-se

16 dez, 2015 - 08:00 • Paulo Ribeiro Pinto

Fala de matemática, equações, algoritmos e logaritmos com enorme paixão. A matemática é para o francês, “Nobel” da Matemática em 2010, território de mistério e de beleza.

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Cédric Villani não é um matemático qualquer. Brilhante, é certo. Mas o estereótipo acaba aqui.

Parece uma daquelas personagens que saltou directamente do século XIX para o século XXI. Fato de três peças, lenço de seda, um relógio de bolso e um enorme alfinete de peito em forma de aranha que parece a qualquer instante ganhar vida, trepar pela lapela do casaco e subir para a cabeça do seu dono. E consegue desviar o olhar do mais espartano dos entrevistadores.

Fala de matemática como respira. O encontro decorreu em Cascais num hotel à beira mar para onde Villani apontou duas ou três vezes, referindo a "beleza" do azul e da luz. A entrevista à Renascença ocorreu em Novembro, poucos minutos depois de ter recebido a notícia da nomeação para conselheiro da Comissão Europeia, ao lado da portuguesa Elvira Fortunato.

Como e quando descobriu esta faceta de comunicador da matemática?

Não foi uma decisão consciente. Foi a expectativa da sociedade que gerou essa decisão. Comecei a fazer isto de forma mais séria com a Medalha Fields [considerada o Nobel da Matemática. Villani recebeu-a em 2010]. A partir desse momento, os pedidos eram tantos que foi em crescendo. Percebi que faltava algo para falar de matemática a uma audiência mais vasta.

Recebo todos os anos cerca de 800 convites. Todos me convidam: escolas, partidos políticos, artistas, empresas, etc. Todos querem perceber como é o processo criativo para ter algum tipo de inspiração – os investigadores sempre foram vistos como aventureiros neste mundo, que dependem da sua criatividade, e muitas pessoas julgam que podem aprender estas capacidades ao observar e ouvir falar sobre estas coisas. Uma das razões para o sucesso do meu livro "Teorema Vivo" [editado em Portugal pela Gradiva] é que não explico teorias matemáticas, mas coisas do dia-a-dia.

Não representa o tradicional professor de matemática. Parece que saltou do século XIX directamente para o século XXI. Essa relação que constrói com o público está relacionada com essa espécie de personagem?

Penso que a forma como me visto conduz a essa aproximação com o público que quando me vê pensa logo "De onde vem este tipo. Veio do passado?". A forma original como me visto atraiu a atenção das pessoas. Não foi algo que tenha criado com o propósito de comunicar. Há 20 anos que uso o mesmo tipo de roupa. Quando era estudante decidi que precisava de encontrar a minha identidade, o meu visual. Esta ideia de fato de três peças, gravata de seda, o alfinete de peito ou o relógio de bolso surgiu há 20 anos. Foi uma forma de me encontrar. Mais tarde, acabou por revelar-se apelativo para muitas pessoas e leitores. Mas originalmente foi apenas para me sentir bem.

Passou dez anos a estudar uma equação. Como conseguiu estar tanto tempo a fazer esse trabalho?

Comecei o doutoramento por volta de 1994/95 e a verdade é que tinha sentimentos contraditórios sobre a especialização de um doutoramento, ficando agarrado a uma equação ao longo de anos a fio. A maior parte das pessoas nem sequer compreende como é possível estudar uma equação que já existe.

Foi uma surpresa ter-me apaixonado por uma equação! E conseguir escrever livros e artigos científicos. Não é algo que consiga explicar, excepto pelo facto de que quando se mergulha na equação se percebe que se trata de um vasto oceano e torna-se quase parte da família: vive-se com ela, pensa-se nela. Este profundo e sincero envolvimento na investigação é uma das características mais importantes da atitude de um cientista.

Fala de matemática, equações, algoritmos, logaritmos com enorme paixão. É assim que consegue transmitir o conhecimento ao público?

A paixão é um dos elementos fundamentais na minha forma de falar do meu trabalho, mas também algo com que os investigadores, e especialmente os matemáticos, têm de viver. Se ouvir uma conversa entre matemáticos vai ouvir coisas belas, horríveis, fascinantes, interessantes, surpreendentes, etc.. [O matemático está] Sempre maravilhado, em constante arrebatamento perante alguns dos mistérios. O sentido da beleza é uma das forças motrizes dos matemáticos.

Em Portugal, a maior parte dos estudantes odeia matemática. Como é que que podemos envolver mais os jovens com a matemática?

O problema dos jovens com a matemática não é exclusivo de Portugal ou de França, é assim quase em todo o lado. Recebo milhares de cartas e e-mails de pessoas que confessam nunca terem gostado de matemática, mas que descobrem mais tarde o fascínio e a beleza. Não sei se podemos fazer muitos mais, além de falar sobre o tema.

É um mito pensar que há um método pedagógico ou receita que pode converter todas as crianças e os jovens à matemática. É verdade que, por vezes, uma criança pode ter uma forte reacção com um determinado professor, para o bem e para o mal. Não é possível transmitir paixão se não a temos. Depois, é preciso encontrar a mistura certa entre a teoria e a prática, tendo em conta a cultura, trabalhando cada caso como um caso único.

Uma das razões que explicam a dificuldade no ensino da matemática é que a matemática tenta alcançar diferentes objectivos ao mesmo tempo. Um dos objectivos passa por fazer compreender o poder e a importância da matemática na cultura e na história; faz parte da história universal. Outro objectivo é treinar as crianças para as operações básicas, para que não cometam erros quando fazem os cálculos. Outra missão passa por treinar as crianças a pensar diferente daquilo a que estão habituadas. Ensiná-las a pensar de forma racional e dedutiva que tem de ser construída para a matemática. Muitas vezes chegar a uma solução requer muita imaginação. Além disso, é preciso ter em conta que as necessidades de uma criança que quer ser engenheiro ou cientista precisa de um sólido conhecimento de matemática. Mas também aqueles que querem ser investigadores precisam de um conhecimento sólido de filosofia e matemática.

Se agora lhe pedisse para explicar em poucos minutos o princípio da entropia para que todos percebessem, conseguiria fazê-lo?

A maior parte das pessoas está interessada em que eu explique a equação de Boltzman – objecto da minha investigação –, mas, neste caso concreto, você pergunta sobre a entropia e teria todo o gosto em falar sobre isso porque, de facto, amplifica todos os aspectos da equação.

O conceito de entropia está ligado à termodinâmica e mede a dispersão de um gás: se está num estado afastado ou próximo do equilíbrio. Trata-se da famosa segunda Lei Fundamental da Termodinâmica que foi descoberta no século XIX e que refere que espontaneamente o gás tem uma tendência para se tornar mais desordenado. Trata-se de uma das forças motrizes do mundo à nossa volta, o facto de o gás ter a tendência para se misturar e para ser afectado pela temperatura. É isso que explica por que razão uma parte da casa fica mais quente quando ligo o aquecimento. É uma lei muito importante para a indústria motorizada, para qualquer tipo de maquinaria. A entropia é um dos “heróis” da Revolução Industrial, em concreto em França e Inglaterra.

Mas, no final do século XIX, descobriu-se que a entropia também podia ser interpretada como um conceito estatístico, que nos podia ajudar a inferir algo sobre o desconhecido, sobre o invisível. O gás é constituído por muitas partículas e a forma como estas partículas são ou não previsíveis. Isto foi descoberto no final do século XIX ao mesmo tempo que se começava a perceber a natureza atómica do mundo.

Um dos heróis nesta investigação foi Ludwig Boltzman, o cientista austríaco que deu este conteúdo estatístico à entropia que antes era mais associada à física. A famosa equação Boltzman está aqui para nos lembrar que muitas das regras da natureza resultam do facto de sermos seres macroscópicos, num mundo que é feito de partículas minúsculas às quais nem sequer temos acesso. A entropia diz-nos que a incerteza está associada a esta noção do mundo. E uma das maiores coincidências da história da ciência é o facto de a equação de Boltzman ter sido redescoberta muitos anos depois por Claude Shannon, através da Teoria da Informação que usamos todos os dias para enviar mensagens por telefone e pelo computador.

Graças ao conceito da entropia, Shannon conseguiu responder a questões fundamentais como quanto podemos comprimir uma mensagem sem comprometer o seu conteúdo ou que quantidade de informação podemos enviar através do cabo. Em tudo isto, a entropia serve como medida da redundância de informação.

Não se apresenta como um típico professor de matemática que se esconde na biblioteca, nos livros e na investigação. Também tem uma actividade política. Que problemas e questões políticas actuais o preocupam?

Julgo que pertenço àquele grupo de pessoas que se envolve na política depois de ter viajado pelo mundo. Penso que a investigação científica é uma das forças motrizes do mundo actual. O meu trabalho permitiu-me conhecer tantas pessoas de diferentes países e quadrantes. Com isso também adquiri muita experiência. Por várias vezes já estive envolvido na política. Sou mais cauteloso com a política nacional em França e a minha paixão é a política internacional e especialmente a construção europeia.

Foi nesse contexto que conheci Paulo Branco, que organiza o Lisbon e Estoril Film Festival e me convidou para ser membro do júri. Fui nomeado conselheiro científico da Comissão Europeia para a Educação Superior e a Investigação. Espero poder ajudar e acredito que a construção europeia é, ao mesmo tempo, uma fascinante aventura, mas que está perante graves problemas: o desemprego, problemas relacionados com a vontade de mantermos o nosso nível de bem-estar e de progresso social, que é importante porque faz parte da nossa identidade europeia. Como fazer isso num mundo dividido e destruído pelas guerras? Acredito que temos um papel a desempenhar nas questões climáticas, porque também neste caso a Europa lidera, e nos direitos das mulheres e na tolerância. Claro que também temos um problema de confiança na ideia de Europa. Não tenho qualquer dúvida que o continente europeu é o melhor sítio para se viver. E em todos estes problemas eu tenho uma visão de cientista.

A investigação matemática e o cinema. Como é que liga as duas coisas?

Sou extremamente curioso. A música é a minha expressão artística preferida, mas também sou um amante do cinema e quando era estudante em Paris houve períodos em que ia ver filmes todos os dias. Conheço os clássicos. Quando se é um intelectual ou um criativo temos de estar abertos a todas as manifestações criativas.

Agora, para finalizar, as aranhas. Parece que a qualquer instante vai trepar pelo seu casaco. Qual é a história dos alfinetes de peito em forma de aranha?

Apesar de geralmente ser uma pessoa muito transparente e sincero em relação à minha história, mantenho o silêncio sobre a origem das aranhas. Comecei a usar as aranhas há cerca de 12 anos e aos poucos aumentei a minha colecção de alfinetes de peito em forma de aranha.

Quantas tem?

Talvez 30. Não é uma colecção muito grande. Mas cada uma tem uma história. Algumas são ofertas, outras foram especialmente feitas para mim. A que estou a usar hoje [uma aranha com duas pedras, uma vermelha e outra verde de diferentes dimensões] é uma aranha da Argentina que um colega me ofereceu e ontem estava a usar uma feita em Marrocos em homenagem a uma actriz marroquina que foi espancada por ter participado num filme sobre prostituição que vai ser exibido aqui no festival. Ninguém sabia desta relação entre a aranha e a actriz, mas eu sabia e era isso que interessava. Era uma forma de solidariedade.

Comentários
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  • Henrique Santos
    19 dez, 2015 Elizabeth, N.J. 09:20
    Sempre ouvi dizer que um " Zero " a' esquerda nao vale nada . Ex.mo Shr. Villani ja' estudou a " Equac,ao " Zero " para a esquerda ou so' estudou " Equac,ao " Zero " para a direita .
  • jose martins
    16 dez, 2015 paco de arcos - oeiras 12:38
    É extremamente simpático pensar assim na Matemática, na Má Temática e na Boa Temática. Para as crianças e adolescentes gostarem da Matemática, e nós, o quadro, o ecran, o que seja, tem de lhes ser apresentado como um ecran de cinema onde se vai passar uma história muito movimentada de "desenhos animados" e com muitas cores. Cada numero é um boneco bem animado com uma cor diferente imaginada; podem escrever-se com gis de cores diferentes. Os bonecos andam no ecran da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda, pulam, vestem-se de outras cores, transformam-se, fazem as suas travessuras (a que nós chamamos propriedades), mesmo nos 12ºs anos, e tal como as crianças e os jovens (e os adultos) fazem coisas inesperadas; sempre que se muda de capitulo,eles fazem coisas surpreendentes, são verdadeiras novidades. E há os bonecos grandinhos (os números naturais), há os micróbiozinhos (os números do intervalo infinito (0;1)), nem se imagina o que eles andam por aí a fazer. E pulam, e voam, (as variáveis com potencias) para a frente e para trás, etc.. A matéria tem de ser apresentada sempre com muita alegria. A partir desta ideia, é possível perceber como o Cédric Villani vê a Matemática. Muitas aranhas amigáveis, com muitas cores, rodam deslocam-se, interagem umas com as outras, tocam-se pelas pontas das patas,até chegarem a um estrutura estável, ele encontrar a solução. A cabeça dele funciona como um caleidoscópio de brinquedo,ele está sempre a divertir-se com os "números".
  • jose martins
    16 dez, 2015 paco de arcos - oeiras 11:42
    É extremamente simpático pensar assim na Matemática, na Má Temática e na Boa Temática. Para as crianças e adolescentes gostarem da Matemática, e nós, o quadro, o ecran, o que seja tem de lhes ser apresentado como um ecran de cinema onde se vai passar uma história muito movimentada de "desenhos animados" e com muitas cores. Cada numero é um boneco bem animado com uma cor diferente imaginada; podem escrever-se com gis de cores diferentes. Os bonecos andam no ecran da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda, pulam, vestem-se de outras cores, transformam-se, fazem as suas travessuras (a que nós chamamos propriedades), mesmo nos 12ºs anos, e tal como as crianças e os jovens (e os adultos) fazem coisas inesperadas; sempre que se muda de capitulo,eles fazem uma coisa que ninguém estava à espera, é uma verdadeira novidade. E se há bonecos grandinhos, os números naturais, há os micróbiozinhos, os números do intervalo infinito (0;1), nem se imagina o que eles andam por aí a fazer. E pulam, e voam, (as variaveis com potencias) para a frente e para trás, etc,. A matéria tem de ser apresentada sempre com muita alegria, mas para tal agora tem de ser como o Palhaço triste, as Professoras de Matemática (e as outras) não podem continuar tristes, como estão até hoje desde o tempo da Maria Lux Rodrigues.Tb são precisos Ministros da Educação mais alegres, este não sei. Esta é muito da cultura francesa, os alunos vão gostar,aprender e imaginar a Matemática, tal como ELE gosta e eu.
  • jose martins
    16 dez, 2015 paco de arcos - oeiras 11:40
    É extremamente simpático pensar assim na Matemática, na Má Temática e na Boa Temática. Para as crianças e adolescentes gostarem da Matemática, e nós, o quadro, o ecran, o que seja tem de lhes ser apresentado como um ecran de cinema onde se vai passar uma história muito movimentada de "desenhos animados" e com muitas cores. Cada numero é um boneco bem animado com uma cor diferente imaginada; podem escrever-se com gis de cores diferentes. Os bonecos andam no ecran da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda, pulam, vestem-se de outras cores, transformam-se, fazem as suas travessuras (a que nós chamamos propriedades), mesmo nos 12ºs anos, e tal como as crianças e os jovens (e os adultos) fazem coisas inesperadas; sempre que se muda de capitulo,eles fazem uma coisa que ninguém estava à espera, é uma verdadeira novidade. E se há bonecos grandinhos, os números naturais, há os micróbiozinhos, os números do intervalo infinito (0;1), nem se imagina o que eles andam por aí a fazer. E pulam, e voam, (as variaveis com potencias) para a frente e para trás, etc,. A matéria tem de ser apresentada sempre com muita alegria, mas para tal agora tem de ser como o Palhaço triste, as Professoras de Matemática (e as outras) não podem continuar tristes, como estão até hoje desde o tempo da Maria Lux Rodrigues.Tb são precisos Ministros da Educação mais alegres, este não sei. Esta é muito da cultura francesa, os alunos vão gostar,aprender e imaginar a Matemática, tal como ELE gosta e eu.
  • TAPados
    16 dez, 2015 Águeda 10:45
    Parece que temos aqui um certo estereotipo da postura do "cientista".
  • António Gonçalves
    16 dez, 2015 Pombal 09:10
    O matemático em causa não recebeu o prémio Nobel da Medicina em 2010, ao contrário do que é dito no início do artigo/ entrevista! O que recebeu, como é dito mais à frente, foi a medalha Fields, o equivalente ao prémio Nobel, mas para a Matemática!
  • VVAS
    16 dez, 2015 Algures 08:56
    Nobel da Medicina?

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