27 nov, 2015 - 20:06 • João Carlos Malta
Ana Sofia Antunes (da secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência) é amblíope. Francisca Van Dunem (ministra da Justiça) negra. Carlos Miguel é cigano (secretário de Estado das Autarquias Locais). Em comum têm uma ligação, vão pertencer ao XXI Governo. Todos abrem portas até agora fechadas às minorias étnicas e às pessoas com deficiência. A comunicação social desatou a destacar estes factos e houve títulos a “incendiar” as redes sociais.
O Alto Comissário Adjunto para a Imigração e Minorias Étnicas, Rui Marques, e a presidente da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), Ana Luísa Sesudo, concordam que depois do primeiro impacto destas novidades está na altura de recentrar o debate. “O que interessa é a competência profissional”.
“Além da dimensão simbólica evidente, o que importa sublinhar é que os diferentes membros dos governos pertencentes a minorias étnicas são profissionais competentes e com provas dadas e, por isso, elegíveis para o cargo que ocupam. Foram escolhidos pelo primeiro-ministro pelas competências específicas”, garante Rui Marques.
Ana Luísa Sesudo não evita soltar a exclamação. “Já não era sem tempo!”. “Estamos em pleno século XXI e ainda não havia no Governo alguém com deficiência”, defende a líder da APD.
Sesudo pensa que, infelizmente, esta marca política ainda não tem paralelo na sociedade. “Não há abertura a empregar pessoas com deficiência. Portugal ainda não dá as mesmas oportunidades. O acesso ao mercado de trabalho é muito difícil”, lamenta. “Continuamos a achar que uma situação destas [a nomeação de uma pessoa com deficiência para o Governo] é extraordinária”.
Rui Marques acredita que este foi um passo importante para que o exercício do poder não se seleccione “a partir desta ou daquela característica mas também não exclua”. E conclui: “Isto não é artificial. As três pessoas são competentes, têm provas dadas e experiência na área. Têm um currículo que fala por ele próprio”, sublinha.
Os media sabem tratar estes casos?
O destaque dado pelos meios de comunicação às características distintivas destes novos governantes, que puseram a cor da pele, a etnia ou a deficiência em destaque, gera a repreensão de Rui Marques e Ana Luísa Sesudo.
Rui Marques questionado sobre se a utilização do termo cega, cigano e negra o choca, respondeu: "Tento sempre fugir aos julgamentos porque é fácil e perigoso. Mas é evidente que quando lemos algumas notícias nos sentimos chocados como elas estão estruturadas e o que está subjacente à utilização das palavras e do tom”.
Ana Luísa Sesudo também lamenta a forma como determinados jornais trataram esta questão. “Achamos que em pleno seculo XXI entrar em considerações em relação às pessoas tendo em conta a sua situação física, etnia ou religião é absurdo e sintoma de que a nossa sociedade precisa de evoluir muito”, menciona.
Tendência ou epifenómeno?
Mas chegados a dia 26 de Novembro de 2015, a nomeação do novo Governo fez do XXI pioneiro em muitas questões na área das minorias e da inclusão. Pelo menos do ponto de vista formal. Mas esta é uma tendência que tem estrutura para se manter no futuro. Ou apenas um caso que acontece e não se repete?
Sesudo crê que se têm de dar mais passos. Espera que no futuro se dê outras pastas governativas a deficientes que não tenham exclusivamente a ver com a sua condição.
“As pessoas com deficiência podem exercer funções em qualquer área”, enfatiza.