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Entrevista a Rinat Valiulin

“Putin quer usar Hollande para dividir o Ocidente"

26 nov, 2015 - 10:05 • André Rodrigues

Reunião entre o presidente russo e o francês acontece dois dias depois do abate de um avião militar russo por parte da força aérea turca. À Renascença, o jornalista da rádio “Eco de Moscovo” admite que o episódio pode dificultar a aproximação da Rússia ao esforço da coligação militar liderada pelos Estados Unidos.

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Na mais recente etapa da ronda de encontros que o presidente francês tem mantido com os principais líderes mundiais para discutir a luta contra o terrorismo, o presidente francês François Hollande vai esta quinta-feira a Moscovo encontrar-se com o seu homólogo russo, Vladimir Putin.

A reunião acontece dois dias depois do abate de um avião militar russo por parte da força aérea da Turquia. Em entrevista à Renascença, Rinat Valiulin, jornalista da rádio “Eco de Moscovo”, admite que este episódio pode dificultar a aproximação da Rússia ao esforço da coligação militar liderada pelos Estados Unidos.

Putin aproveita o encontro para associar Hollande à estratégia russa, isolando a Europa e os Estados Unidos, possivelmente obtendo garantias quanto a um eventual alívio das sanções ocidentais por causa da crise na Ucrânia.


François Hollande vai a Moscovo para mais um encontro com o objectivo de afinar a estratégia na luta contra os terroristas do Daesh, o auto-proclamado Estado Islâmico. Quais são as expectativas para este encontro, sobretudo considerando o peso do abate há dois dias de um avião militar russo por parte da força aérea da Turquia, um estado-membro da NATO?

Este encontro visa a regularização da cooperação entre a Rússia e a França na acção contra o Estado Islâmico e nas acções conjuntas contra o terrorismo na Síria e no Iraque. Claro que, no que diz respeito à política e às relações entre a Rússia e a França, as coisas podem ser um pouco mais complicadas. Creio que por parte de Putin serão feitas tentativas de provocar uma cisão nos contactos transatlânticos. Ou seja, Putin vai tentar usar o presidente Hollande para distanciá-lo tanto da NATO como dos contactos com os Estados Unidos. E nesse sentido, François Hollande vai ser uma figura bem importante nas relações entre a Rússia e a NATO, entre a Rússia e o Ocidente. No fundo, ele vai tentar associar o presidente francês à política russa para o Médio Oriente.

Do seu ponto de vista, a Rússia continuará a preferir ficar à margem da coligação militar internacional liderada pelos Estados Unidos que combate o Daesh, o autoproclamado Estado Islâmico?

A participação da Rússia nesta coligação depois do abate do avião russo sobre o território da Síria será mais difícil. Quer dizer, há uns dias atrás, era mais fácil atrair o presidente Putin para participar nesta coligação. Mas agora, ele vai querer ser uma espécie de jogador independente em todo este processo. Não quererá certamente submeter-se ao Ocidente.

Mas François Hollande disporá, certamente, de argumentos que possam convencer o presidente russo a aderir ao esforço internacional conjunto para combater os terroristas. Que argumentos poderão ser apresentados pelo presidente francês hoje no Kremlin?

Creio que o primeiro argumento é o avião russo que foi abatido na península do Sinai, em que morreram 224 pessoas. É o argumento mais forte que Hollande pode apresentar a Vladimir Putin. Contudo, julgo também que esse argumento sairia reforçado há alguns dias... ou seja antes do caça russo ser abatido na passada terça-feira pela força aérea turca. Agora, com as múltiplas declarações do lado de Moscovo a culpar a Turquia de cumplicidade com o Estado Islâmico isso fica difícil. Acredito sinceramente que Putin estava a caminho de se juntar a esta coligação, se não fosse este incidente. Agora ele vai tentar fazer chantagem em relação ao Ocidente para obter cedências quanto às sanções económicas impostas pela orientação de Moscovo quanto à questão ucraniana. Para isso, será lógico que Putin use o presidente Hollande para que lhe facilite o caminho.

Por outro lado, persiste entre os decisores políticos ocidentais uma desconfiança quanto às intenções dos bombardeamentos russos na Síria. Se por um lado abatem alvos do Daesh, por outro estão a ajudar o regime de Bashar al-Assad a ganhar terreno na guerra civil travada contra os rebeldes. E isso é algo que não agrada, nomeadamente aos Estados Unidos.

Claro. Basta ver até que o representante militar dos Estados Unidos na Síria já fez questão de sublinhar que a ofensiva da Rússia a alvos do Estado Islâmico são apenas 10% do total dos bombardeamentos efectuados em solo sírio. Ou seja, a Rússia está a atacar sobretudo as posições dos opositores do regime de Assad. As posições dos turcomanos sírios têm sido particularmente visadas pela força aérea russa. E este facto, aliado ao facto destes sírios de ascendência turca - que habitam na fronteira com a Turquia - serem aliados do regime de Ancara, explica a cisão diplomática entre a Rússia e a Turquia. De resto, no passado dia 20 de Novembro, o Ministro dos Negócios Estrangeiros turco convocou o embaixador russo em Ancara para lhe dizer que considera inadmissível o bombardeamento de aliados da Turquia em território sírio. Portanto, estas divergências entre a Turquia e a Rússia acabaram por provocar este abate do avião de guerra russo.

Vladimir Putin classificou este episódio como uma traição. Que consequências poderá ter, seja no plano económico, seja até no plano da segurança colectiva da Europa?

Para já, o governo russo fala de consequências essencialmente económicas nas relações entre a Rússia e a Turquia. Há várias parcerias entre os dois países que ficam, por agora, suspensas. Mas o Ministério da Defesa russo também ordenou a instalação de um sistema de defesa anti aérea na sua base aérea em Latakia, na Síria. Sabemos bem que o objectivo destes sistemas é o abate de aviões inimigos. E é de admitir que os aviões militares turcos possam estar na mira. Mas teremos de aguardar. Ainda é cedo para antecipar esse tipo de consequências.

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  • António Costa
    26 nov, 2015 Cacém 14:33
    (1º) A Guerra entre Sunitas e Xiitas no Iraque extravasou para a Síria. O Irão e o Hezbollah acorrem em auxilio de Assad. A Turquia serve de retaguarda e de santuário às forças sunitas ( do mesmo modo que o Paquistão aos Taliban ).(2º) Á semelhança do Afeganistão aparece um "estado sunita radical" na Síria e no Iraque "financiado" novamente pela Arábia Saudita. Os EUA hesitam (o 11 de Setembro?) e em Setembro passado Obama considera o apoio à "oposição moderada" um fiasco, acabava tudo no EI. (3º) A indefinição dos EUA, a extrema violência do EI e a possibilidade de Assad perder, leva a Rússia a intervir no terreno.(4º) Evidentemente que Putin tem a sua "própria" agenda e o objetivo é Assad. (5º) A Turquia é a retaguarda do EI e o exército turco, onde os ultranacionalistas turcos, "os lobos cinzentos" tem forte presença. (6º) Os russos "bombardeiam" as posições turcomanas, do lado da Síria, os seus aviões passam a rasar a fronteira....e os turcos "caem na armadilha Putin" (7º) Um avião russo cai em território Sírio aos gritos de "Alá é Grande". (8º) Ao "colar" a Turquia ao terrorismo islâmico a Rússia pretende apenas influenciar os republicanos dos EUA. IMPEDIR que uma próxima administração "republicana" venha bem socorro da Turquia e do EI contra o Irão e Assad.

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