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Rui Tavares. “Três acordos à esquerda é pior do que haver só um"

11 nov, 2015 - 12:22 • João Carlos Malta

O Livre apresentou-se às eleições com o propósito de a esquerda poder-se entender com o PS. Teve menos de 1% nas urnas. Perdeu, mas ganhou. Passados 40 anos, a esquerda estará unida no Parlamento como o Livre defendeu. O acordo tripartido, os mercados, os sindicatos, a UE e o futuro do Livre como Rui Tavares os vê.

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Três é pior do que um, mas melhor do que nada. É assim que o líder do Livre, Rui Tavares vê os acordos de incidência parlamentar assinados entre o PS e o PEV, o PCP e o BE.

Em entrevista à Renascença, o principal rosto do Livre - Tempo de Avançar defende que a esquerda mudou muito, nas últimas semanas, mas não tudo o que deve mudar. E diz não entender porque é que um milhão de eleitores não têm representação no Governo.

O Livre quer que as coisas corram bem ao governo de esquerda, porque abre campo a que, no futuro, o voto “não seja útil, mas livre”. O muro construindo nos entendimentos à esquerda foi derrubado.

Ao confirmar-se o acordo dos partidos à esquerda para a formação de um Governo, sente que teve razão antes do tempo?

Não se trata disso. O sistema partidário português estava desequilibrado, e ainda o está num certo sentido. A direita entendia-se com facilidade e à esquerda restava ser governada. Quando se trata da vida das pessoas e de uma legislatura, como a que passamos, em que ficou mais fácil despedir pessoas, os salários foram cortados e os serviços públicos estão mais deteriorados, estamos a falar de perder um país que quisemos construir com o Estado Social. Isso começava a estar em risco e não entendia como é que partidos que defendiam a Constituição não eram capazes de se sentar à mesa.

Muitas vezes, disse que esse entendimento não ocorria, sobretudo, pela lógica das lideranças partidárias. O que é que mudou sendo que os líderes são os mesmos?

As lideranças partidárias reagem tacticamente aos acontecimentos. Até agora, acharam que as conveniências tácticas estavam mais em demonstrar inimizade e desunião do que trabalhar em conjunto. Isso passava pelo PCP e o Bloco acusarem o PS de que não era suficientemente de esquerda e pelo PS achar que estes partidos levariam a direita ao poder.

A esquerda está pela primeira vez a ser pragmática e não ideológica?

Creio que a esquerda sempre foi táctica. As decisões tomadas por direcções partidárias reagem mais à agenda mediática do que correspondem a uma estratégia. Enquanto acharam que dava votos não trabalharem em conjunto, fizeram-no. Os resultados de dia 4 de Outubro foram tais que forçaram a outra leitura táctica. E as direcções partidárias mudaram muito rapidamente. A falta de diálogo provou-se que era mais táctica do que ideológica. Caso contrário, não mudaria tão rapidamente.

Faz sentido haver três acordos separados num processo que ocorre pela primeira vez e que, portanto, traz muita incerteza, ou isso é uma fragilidade?

Fico contente com o progresso, mesmo que ele seja gradual. Aparentemente, foi o que foi possível. Aquilo que nós defendemos, nos últimos meses, foi a assinatura de uma agenda que já tinha muitas das medidas que são agora propostas. O que queríamos era que os partidos de esquerda assinassem esse compromisso antes das eleições.

Isso não dá armas às reservas da direita e do Presidente da República?

Não é tão bom quanto podia ser. É preciso ter a honestidade de o afirmar. Um acordo global seria mais sólido. Antes das eleições, seria à prova de ataques da direita e do Presidente da República. A história avançou muito rapidamente nas últimas semanas, mas ainda não avançou tudo o que havia para avançar. Esperemos que alguns tabus tenham sido desfeitos e que deixe de haver desculpas para não assinar acordos em conjunto. Espero também que, no futuro, se quebre o tabu de que o PCP e o Bloco não podem participar no governo.

Percebe porque que é que um governo de esquerda não terá ministros do Bloco e do PCP? Isso não é querer estar de fora estando dentro?

Creio que a pergunta se responde a si mesma. Grande parte dos portugueses já não entende isso. Já estamos num ponto em que as pessoas acreditam que estar no governo é uma actividade politica tão legitima como estar na oposição. Esperemos que, um dia, possamos ver governos em que participam os partidos de todo o arco parlamentar e que o conceito anacrónico e antidemocrático do arco da governação seja rejeitado. Há um milhão de portugueses que votaram no PCP e no Bloco de Esquerda e seria saudável que tivessem uma quota parte de governantes na próxima legislatura.

O Bloco e PCP têm uma tradição de combate na rua. Como é que a vão compatibilizar com as responsabilidades que terão na estabilidade governativa?

Creio que é uma compatibilização muito natural. Em todos os países do mundo desenvolvido, os partidos que estão no Parlamento têm as suas forças sociais e elas não gostam de tudo na acção governativa. É claro que isso gera uma aparente contradição, mas é apenas aparente. Durante quatro anos, os sindicatos que são próximos de partidos terão reivindicações a fazer. Pode haver momentos em que o acordo não seja fácil, mas isso faz parte da pluralidade, contradições e das tensões de uma sociedade democrática.

Não será uma arma da direita?

O que se passa é que à esquerda as coisas são mais transparentes e mais assumidas. Não pode deixar de ser, porque se trata da acção sindical. No caso da direita, que tem as bases sociais de apoio no alto empresariado ou em determinadas classes proprietárias industriais e dos serviços, essa contradição política também ocorre mas é feita debaixo do pano. Faço parte de uma geração que trabalha a recibo verde e sem um contrato de trabalho, que pode ser despedida por SMS de um momento para o outro. É claro que esta geração pretende que haja uma luta prática do próximo governo para erradicar esta praga. Se isso não acontecer, essa frustração vai-se revelar em público. Isso é positivo porque obrigará o governo a encarar as suas promessas.

Qual será o papel da CGTP durante a vigência de um governo de esquerda?

Não sei dizer. Também ao nível sindical, a política é feita de forma muito dirigista.

Fica com a acção tolhida...

Não sei se fica. Se o próximo governo se preocupar com que todos possam ter trabalho com dignidade e com direitos....

Acha que, por parte da CGTP, haverá uma troca simbólica do poder que tem na rua por um maior poder na concertação social onde as políticas se definem?

Espero que não seja uma troca táctica. Espero que na concertação social se possa dar passos efectivos na melhoria das condições de trabalho de milhões de portugueses e que sejam suficientemente forte para que possam ser assinados acordos de concertação social pelas duas principais centrais sindicais. O Estado precisa de começar a dar bons exemplos nas práticas laborais, uma vez que uma boa parte dos recibos verdes de que falava trabalham para o Estado.

Os mercados e os credores começam já a dar sinais de tensão. Os investidores serão uma oposição a um governo de esquerda?

Não creio. Há que ter algum cuidado em afirmá-lo. Os juros aumentaram para toda a Europa, porque o banco central norte-americano, o Fed, deu sinais de que aumentará os juros. E, quando falamos da maior economia do mundo, isso é seguido pelos investidores de todo o lado. Eles seguem muito mais aquilo que Fed decide, em termos de politica de juros, do que um acordo entre três partidos de esquerda em Portugal.

Não se poderão constituir os mercados como uma força de bloqueio?

Não creio que essa vá ser uma força de bloqueio. Temos de manter a tranquilidade. Há um ponto de equilíbrio que é necessário encontrar entre as políticas antiausteridade e não dar possibilidade a que ocorram derrapagens orçamentais que coloquem em perigo a relação com a UE e o BCE.

O que espera do Governo de esquerda?

Creio que será um governo que terá uma transição no seio do Eurogrupo que é preciso fazer com cuidado. Quando um governo de um Estado-membro muda de orientação política, isso significa que, nos primeiros tempos dessa relação com a UE, tem que ser muito bem preparado. Uma parte do que correu mal entre o Eurogrupo e a Grécia está no inicio do diálogo que não aconteceu. Houve um colapso de confiança e, aí, Portugal não pode pôr-se nessa posição.

Falou da Grécia e do Eurogrupo, O que é que fará com que este governo de esquerda tenha um destino diferente do grego, se se assumir frontalmente antiausteritário? Porque é que será tratado de forma diferente?

É uma especulação que se faz muito, se sobre um governo à esquerda começam logo a haver pressões por parte do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia para dificultar a vida desse governo. Creio que um governo novo nunca tem a vida facilitada, mas não devemos exagerar nas pressões que podem ocorrer. Não acho que a UE possa, e há instrumentos para responder a isso, tratar de forma diferente estados membros.

Mas isso é a teoria, não é prática...

Não. Na prática, há instrumentos para o fazer. O Tribunal de Justiça da União Europeia garante que assim é. No diálogo com a UE, há formas de garantir que o tratamento é equitativo. Mas, aí, peço à direita que não entre por uma táctica que é de competição para ver se as coisas se deterioram ao nível europeu e mundial, para depois dizer: "Vocês viram, é o governo à esquerda que está a fazer isto".

Não há melhor forma de um país ser respeitado na União Europeia do que marcar a agenda da UE. Muita gente disse, e eu também, que Portugal quando se remete a uma lógica de bom aluno é prejudicado. Portugal tem de ter uma visão do que a UE deve ser.

Já disse que o Bloco ocupou o espaço político do Livre ao mostrar disponibilidade de alianças com o PS. O Livre não perdeu a razão mais forte para existir?

Não foi isso que disse e também não é essa a conclusão que se pode tirar. O Livre ainda está a construir o um espaço político. O que disse é que uma bandeira do Livre era a convergência para a governação. Não tivemos acesso, como outros, à campanha, através da televisão. A partir de o momento em que o Bloco disse estar disponível para entendimentos, isso mudou a campanha. Mas não tenho amargura em relação a isso. Ainda bem que o Bloco o fez.

Mas em que é que o Livre se torna diferente do Bloco?

Não há ainda na esquerda um partido libertário, em que a acção partidária seja mais livre do que é. Continua muito centrada nas eleições. Nós temos primárias abertas e uma forma de funcionamento diferente. Nisso continuamos a ser únicos.

Não há uma voz autónoma para ecologia em Portugal. Na Europa há partidos "verdes" que desempenham a sua acção de uma forma autónoma. Isso em Portugal não existe e faz falta.

Em relação à Europa e à globalização, a esquerda tradicional entende mal estas dinâmicas e é fechada em relação a elas. Acham que não devemos participar mais, devemo-nos retrair e não participar na discussão. Falta uma esquerda do século XXI.

A globalização tem de ser mais justa e a construção europeia mais democrática. É uma transformação que falta fazer. Somos o partido que é capaz de responder a estas questões.

Então, o Livre apresentar-se-á a eleições nos próximos actos eleitorais? Houve quem dissesse, dentro do movimento, que o resultado de Outubro comprometeria o futuro...

Somos uma candidatura cidadã e, por isso, há muita gente que está fora do partido e que se pronuncia, como o caso do nosso mandatário por Coimbra, Boaventura Sousa Santos, que disse isso. Ouvimos essa opinião e a abertura que tivemos é para levar a sério antes e depois das eleições.

O sentimento do partido é de uma enorme vontade de continuar, mas sabemos que o caminho é muito trabalhoso. Temos de construir uma base social e vamos fazê-lo com os poucos recursos que temos.

Mas, se isto correr bem ao governo de esquerda, correrá mal ao Livre....

Não, nós queremos o bem do nosso país. Portugal precisa desesperadamente de ter alguma justiça social. Se passar a haver uma esquerda mais distendida, isso significará uma diminuição da pressão do voto útil. Penso que isso fará com que as pessoas, em próximas eleições, possam escolher os partidos em que mais se revêem. A partir do momento em que o entendimento à esquerda passa a ser possível, o voto passa a ser mais livre. Creio que ganharemos espaço político com isso. Nestas eleições, só 7% dos portugueses conheciam o Livre. Temos de nos dar a conhecer os outros mais de 90%. Não temos a mesma história de outros partidos com 90, 40 ou 20 anos.

Comentários
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  • Lopo Pegado
    11 nov, 2015 Massamá 17:54
    Este rapaz anda perdido! Tanto mudou de partido que agora anda aos bonés!....
  • CAMINHANTE
    11 nov, 2015 LISBOA 17:51
    Este senhor, não ganhou nada e quase nada representa. Porque é que a imprensa lhe dá tanto tempo de "antena" ???
  • Paulo Silva
    11 nov, 2015 Lisboa 17:40
    Pergunta: Um Senhor que diz " No caso da direita, que tem as bases sociais de apoio no alto empresariado ou em determinadas classes proprietárias industriais e dos serviços, essa contradição política também ocorre mas é feita debaixo do pano". Tem alguma Credibilidade????? Será que 2,5mio de portugueses são empresários ricos e proprietários?!!! ++Tenham piedade de mim.
  • Alma Penada
    11 nov, 2015 Lx 17:20
    Será que este Tavares ainda vai a tempo de assinar mais um acordo com o PS? Se ainda for também quero assinar um acordo com o PS mas sem a Catarina, sem o Tavares, sem A Apolónia e sem o camarada Jerónimo.Hilariante estes 3 textos de uma mão cheia de nada...de uma pobreza franciscana....Faria eu melhor para concorrer ao meu clube de bairro.Que estadistas são estes que transmitem sinais negativos aos portugueses?
  • F. SILVA
    11 nov, 2015 Tomar 16:48
    O Livre teve ( e terá ) um papel positivo, no sentido de libertar a representação dos cidadãos, dos espartilhos do sectarismo partidário na Esquerda. Essa atitude tem um muito elevado, como será comprovado nos próximos tempos.
  • 11 nov, 2015 Lisboa 16:33
    AINDA BEM QUE ESTES FICARAM FORA DA CARROÇA, SE NÃO TINHAMOS OS AMIGOS DO RUI TAVARES DA COVA DA MOURA EM PESO NO GOVERNO MAIS O GAJOS DE APOIO AOS CHAMADOS REFUGIADOS, QUE ESTE GAJO NUNCA ENTRE PORQUE NÃO FAZ FALTA NENHUMA DESTAS MENTALIDADES NA VIDA PORTUGUESA, QUEM DESTRUA A NOSSA CULTURA COM 900 ANOS DE HISTÓRIA HÁ MUITO INFELIZMENTE!
  • Ernesto
    11 nov, 2015 esmoriz 16:02
    Isto vai dar barraca.,espero estar enganado para bem de todos mas as medidas assustam me pois não à dinheiro
  • Carlos Reis
    11 nov, 2015 Coimbra 16:01
    Este rapazinho anda à procura de "tacho" e como não conseguiu nada agora diz mal de toda a gente. A propósito, já pagou a quem deve pela brincadeira que esteve a brincar mais os seus amigos ?.
  • Petervlg
    11 nov, 2015 Valongo 13:37
    Rui, como agora vale tudo, até quem perde vai governar, faz coligação com o PDR ou PCTP/MRPP ou outros partidos e já ficas a frente do PAM e vais para a assembleia

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