03 nov, 2015 - 17:51 • Filipe d'Avillez
Como bispo de Zaria, uma diocese na proximidade de Kaduna, no noroeste da Nigéria, George Dodo sempre soube que era um alvo a abater.
Em 2012, os terroristas tentaram finalmente atingir a catedral de Zaria. “Estava a celebrar a segunda missa do dia. Começámos às 8h00 e por volta das 8h30 ouvimos um som inesperado e toda a Igreja ficou escura. À nossa volta caíam as instalações eléctricas do tecto”, recorda à Renascença.
Mais tarde, percebeu-se o que se tinha passado. Um homem tinha-se aproximado da entrada da catedral, onde foi parado por jovens cristãos que estavam a proteger o local de culto, perante a ameaça constante de atentados.
Há vários anos que o grupo terrorista islâmico Boko Haram, aliado do Estado Islâmico, causa devastação e caos no norte da Nigéria, atacando funcionários estatais, polícias, militares e civis. Neste conflito os cristãos, minoritários nesta parte do país, estão numa posição particularmente vulnerável.
Retomemos o relato de George Dodo, que esteve recentemente em Portugal. “Eles queriam inspeccionar o carro, mas o homem disse que não porque tinha uma mensagem urgente para entregar ao padre na catedral. Eles disseram ‘tudo bem’, mas que ninguém entrava sem ser revistado.”
Nessa altura, o bombista fingiu que ia recuar, mas logo acelerou a fundo e tentou deitar abaixo o portão. “Teve azar, porque o portão era sólido e o pilar que o sustentava também. Por isso, quando acertou no pilar, os explosivos deflagraram imediatamente.”
Morreu o bombista e morreram vários dos jovens cristãos que estavam perto do local. O edifício foi gravemente danificado e começaram a circular notícias de que George Dodo estava morto também. “Contaram-me que nalgumas partes da cidade os apoiantes dos terroristas começaram a celebrar porque tinham conseguido reduzir os nossos números, incluindo o principal deles, que estava dentro da Igreja”.
O ataque em Zaria não foi um acto isolado. “No espaço de cinco minutos, atacaram também uma igreja protestante perto de onde eu vivia e outra, pentecostal, em Kaduna.”
Entre os cristãos falava-se de vingança: “Quando os jovens souberam do que se tinha passado, com a informação de que eu tinha sido morto, amotinaram-se.”
As represálias não são inéditas na Nigéria depois deste género de atentados, mas a Igreja tem sido incansável nos apelos à calma. “Tentamos ensinar os nossos fiéis que não se devem vingar. Acreditamos que a vida é sagrada, custe o que custar.”
Neste caso, porém, o bispo não se limitou às palavras. “Quando cheguei a casa tinha a batina ensopada em sangue. Um jovem muçulmano apareceu ao pé da Igreja, não sei de onde veio, e quando as pessoas o viram atacaram-no logo. Eu disse que não, que no máximo deviam entregá-lo às autoridades e então abracei-o e protegi-o, mas por causa das agressões e pedradas que [o muçulmano] já tinha levado, estava a sangrar. Foi assim que fiquei com a batina cheia de sangue.”
O rapaz salvou-se. Outros não tiveram essa sorte. “Mais tarde, percebi que havia outros que tinham vindo com explosivos, mas infelizmente para eles foram identificados. O que lhes aconteceu pode ser deixado à imaginação – nestas situações, as emoções substituem-se à razão.”
Boko Haram já não é invisível
A Nigéria é o maior país de África, em termos demográficos, mas vive um delicado equilíbrio entre o Norte maioritariamente muçulmano e o Sul maioritariamente cristão.
Um dos grandes sucessos do Boko Haram tem sido conseguir semear a desconfiança entre as duas comunidades. “Por causa da frequência da violência, no Norte da Nigéria o sentido de confiança mútua entre cristãos e muçulmanos, que tínhamos quando estávamos a crescer, tem sido mais ou menos destruído”, lamenta o bispo.
Agora, contudo, um esforço concertado entre a Nigéria e vários países vizinhos está finalmente a colocar o Boko Haram na defensiva. Mas, mais do que os recuos no terreno e as perdas humanas, há outro factor que indica o avanço do Governo.
“Penso que o Governo está de parabéns, até certo ponto, porque conseguiu desmistificar a forma de pensar dos elementos do Boko Haram. No início, era como se eles fossem pessoas invisíveis. Foi só quando os esforços concertados começaram a dar frutos que se conseguiu começar a deter algumas pessoas, que sob interrogação revelaram mais informação aos agentes de segurança.”
Agora, nem nas florestas os terroristas estão em segurança, garante o bispo. “Agora, o actual Governo até consegue entrar nas florestas, que têm sido os seus redutos, onde descansam e planeiam antes de ir executar os seus ataques. Entram nas florestas e matam alguns deles, os outros fogem. Assim, conseguiu-se recuperar muitas das vilas e das áreas suburbanas que tinham sob seu controlo”, explica o bispo.
Perdoar terroristas?
Recentemente, outro bispo nigeriano recomendou que se propusesse uma amnistia aos militantes do Boko Haram para convencer os mais moderados a abandonar a luta armada e assim enfraquecer o grupo.
George Dodo aceita a ideia em princípio, mas levanta uma dificuldade. “O perdão é uma graça de Deus e adequa-se especialmente aos que percebem que os seus actos estão errados e se arrependem do que fizeram no passado. Sempre que se encontrar alguém assim, não diria que não.”
“Mas para haver amnistia as pessoas têm de ser identificáveis. Assim sabemos com quem estamos a falar. Mas se não conhecemos a cara do nosso inimigo, como é que se pode falar de amnistia? É quando se vê a cara, quando se consegue conversar face a face, que se consegue ver, na linguagem corporal, nos movimentos, nos gestos, se esta pessoa merece ou não a amnistia de que se fala”, conclui.
George Dodo esteve em Portugal a convite da fundação Ajuda à Igreja que Sofre, no âmbito das comemorações do XX aniversário da instituição no país.