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Entrevista

Bruno Vieira Amaral: “A ficção não se pode limitar a ser cópia da realidade”

20 out, 2015 - 15:18 • Maria João Costa

“A ficção pode inspirar-se na realidade”, deve transformá-la, diz o escritor vencedor do Prémio José Saramago em entrevista à Renascença.

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Bruno Vieira Amaral. Prémio Saramago "aumentará a expectativa dos leitores"
Bruno Vieira Amaral. Prémio Saramago "aumentará a expectativa dos leitores"

Em dois anos, é o quarto prémio atribuído ao livro “As Primeiras Coisas”, o primeiro romance de Bruno Vieira Amaral. A obra venceu o Prémio José Saramago, depois dos prémios Fernando Namora, PEN Narrativa e Livro do Ano da revista Time Out.

Natural do Barreiro, o escritor, agora editor-adjunto da Revista LER, recebeu esta terça-feira, na Fundação José Saramago, em Lisboa, o galardão no valor de 25 mil euros.

“O que o escritor faz”, diz em entrevista, é pegar na realidade “e torná-la literatura”.

É uma responsabilidade para um jovem escritor carregar na sua carreira prémios com nomes maiores da literatura, como José Saramago e Fernando Namora?

É uma grande alegria, um orgulho e uma satisfação enorme ver o meu nome associado a nomes tão importantes e ter o reconhecimento do júri pela qualidade e interesse do livro. Se aumenta a responsabilidade? Eu creio que altera mais a expectativa dos leitores e do público. Quem nunca ouviu falar do livro vai ouvir agora. Quem já o leu vai ficar com mais expectativa em relação ao próximo. O livro que estou a escrever agora comecei antes de este ser publicado, por isso tento alhear-me um pouco disso. Tenho a noção de que isto altera a percepção pública daquilo que escrevo

“As Primeiras Coisas” é um livro que apresenta um fresco de um país?

Diria que é um fresco miniatural. É um fresco que parte de um ângulo subjectivo de um narrador que está a atravessar uma crise pessoal e que regressa ao bairro onde cresceu e vê-se confrontado com o universo que deixou para trás. Ele vive um processo de reconciliação com esse seu passado e com ele mesmo. Ele reconcilia-se, virando-se para fora, para os habitantes daquele bairro. É aí que oferece essa multidão de personagens. Não tem aquela respiração do grande romance, digamos que mistura a autoficção com o olhar para fora. De certa forma, o narrador pacifica-se com esse olhar para os outros.

Ao receber o prémio, dedicou-o aos seus vizinhos de um bairro na margem Sul do Tejo. Até que ponto o mundo onde o escritor habita é o que mais o inspira?

Depende do que escreve. Para mim, neste livro foi fundamental, mesmo que as pessoas não estejam retratadas de forma exaustiva. Peguei em algumas características dessas pessoas que conheci para formar e construir as minhas personagens. Há colagens de pessoas da minha família.

Sendo este livro sobre “As Primeiras Coisas”, peguei em muitas das minhas memórias para construir as personagens e as situações.

Respeito sempre a autonomia da literatura e da ficção. A ficção pode inspirar-se na realidade. Em certos casos é necessário que reflicta sobre a realidade, mas também para que a recrie e transforme. Não se pode limitar a ser uma transcrição ou cópia, que será sempre mais pálida do que o original. O que o escritor faz é pegar nessa matéria-prima e torná-la literatura. Mas o mais importante são as personagens e as pessoas.

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