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Entrevista

"Os portugueses em França ainda sofrem com os seus estereótipos

13 out, 2015 - 19:56 • José Pedro Frazão

Joana Carvalho Fernandes entrevistou portugueses que fazem de França uma segunda pátria. Desse trabalho nasceu um livro: "A Porteira, a Madame e outras Histórias de Portugueses em França".

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A jornalista Joana Carvalho Fernandes entrevistou portugueses e pesquisou a história dos compatriotas que fazem de França uma segunda pátria. Um pequeno Portugal de quase um milhão de pessoas, incluindo luso-descendentes, onde há histórias de todos os géneros.

O livro chama-se "A Porteira, a Madame e outras Histórias de Portugueses em França" e é editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

A entrevista foi para o ar na Edição da Noite da Renascença de segunda-feira.

A ideia que tinha dos portugueses em França era radicalmente diferente daquela que acabou por encontrar?

Um misto dos dois. Há alguns estereótipos muito presentes aqui. A ideia de que há muitas porteiras e operários da construção civil corresponde a estereótipos que se confirmaram. A primeira pessoa que tocou à porta do meu apartamento em Paris era uma porteira portuguesa. Mas também trouxe de Paris muitas surpresas. Descobri que os portugueses tiveram uma progressão social incrível em França, que teria sido difícil em Portugal. Muitos deles são empresários, alguns enriqueceram. Outros são políticos de destaque. Desse ponto de vista foi uma surpresa.

Os novos emigrantes estão em minoria no livro. Por serem recentes ou porque a história deles está ainda a começar?

Um pouco das duas coisas. Eu tinha limitações de espaço. Embora não pudesse deixar de falar dos novos emigrantes, acho que esse é um tema mais recorrente aqui. Com este livro, o meu objectivo foi contar algumas coisas que me tinham surpreendido quando fui para lá viver. É o caso do champanhe que tem o nome “De Sousa", o único no mundo com nome português, herdeiro da Primeira Guerra Mundial. Tentei que o livro representasse mais as surpresas que tive que as histórias que mais ou menos já conhecia. Há histórias de novos emigrantes mas isso não ocupa assim tanto espaço no livro como os emigrantes "históricos" porque eram histórias mais conhecidas.

Encontrou paralelismos, no plano da necessidade financeira, entre a emigração dos anos 60 e esta recente? Esta ideia é forçada?

São coisas muito diferentes. Em termos numéricos, o fluxo é semelhante. Em termos de contexto, estamos a falar de coisas muito diferentes. Nos anos 50 e 60, as pessoas saíam sem saber ler nem escrever. Enviavam cartas à família com muita contenção, era muito caro. Falavam ao telefone às vezes no Natal, quando tinham dinheiro para isso. As condições em que foram, para bairros de lata, eram muito diferentes. Agora as pessoas emigram com a internet, são alfabetizadas. Mesmo nos casos mais difíceis, em que não dominam a língua francesa, e isso é um problema, é menos duro que nos anos 50. As histórias que escolhi para essa última parte do livro não o foram por acaso. Ainda assim, os novos emigrantes em França não são todos formados e doutores. Também foi isso que eu quis dizer.

Os novos emigrantes têm algum contacto com os velhos emigrantes? Vivem vidas muito distantes?

A comunidade portuguesa continua a viver um bocadinho numa bolha. Todas essas pessoas com quem conversei para o último capítulo do livro trabalham com portugueses. Trabalham e vivem num ambiente que é muito mais português do que francês.

Isso desafia um pouco a ideia da integração da primeira geração que foi para França.

Não é que eles não estejam integrados, eles estão. Mas há um espaço que permanece da comunidade dos portugueses de França. Eles próprios relatam essa divisão. Aqui são sempre tratados como emigrantes e lá são sempre tratados como portugueses. Há o jornal e a rádio da comunidade. Nesse sentido, comportam-se como uma comunidade. Há muitos jantares, muitos eventos dos portugueses que vivem em França. É nesse sentido que falo numa bolha.

Há cada vez mais portugueses reformados em França?

A Santa Casa da Misericórdia de Paris fez um estudo que mostra que a comunidade portuguesa em França está a envelhecer. Isso coloca várias questões. Alguns emigrantes gostavam de voltar para Portugal como projectaram. Construíram casas, pensaram a sua vida no regresso e concluem que não o conseguem fazer completamente porque têm laços familiares e de amizade muito fortes.

Há no livro testemunhos de alguns que já não querem voltar.

Não voltam porque têm lá netos, porque confiam mais naquele sistema de saúde. Não voltam porque saíram de um sítio do interior de Portugal e mudaram-se para uma capital. Basta pensar que se uma pessoa não souber conduzir tem mobilidade em Paris, se for para Vouzela não a tem. Mas há outros que não voltam porque têm vergonha. Há um número significativo de portugueses em França que nem sequer reclamou as reformas a que tem direito na Segurança Social francesa. E há outros que vivem no limiar da pobreza. Não regressam porque têm vergonha de contrariar o mito do emigrante bem-sucedido.

Que ligações tem a segunda geração de portugueses? No livro apresenta um caso de um humorista de sucesso em França...

Dentro da segunda geração, as relações são sempre muito fortes. Essas pessoas gostam tanto de Portugal como os pais delas. Algumas já não falam muito bem português, mas têm uma relação muito próxima com Portugal. Agosto é o mês do ano para Portugal. Há um entrevistado no livro, Carlos da Silva, número dois do primeiro-ministro francês Manuel Valls, que até aos 18 anos nunca foi de férias para outro país que não Portugal. Diz que sabia de cor o nome de todas as estações de serviço de França a Portugal. Há essa cultura do amor a Portugal. Nesse caso dos humoristas, são pessoas que usam o estereótipo para fazer piadas. Já gozam com o tio que tem bigode, que fala com sotaque muito cerrado ou com a vizinha que era porteira.

Gozam para valorizar ?

Gozam para dizer "não somos só isto". Já têm distanciamento em relação a um estereótipo com os quais os portugueses sofreram e ainda sofrem. Senti muitas vezes que as pessoas estranhavam que eu fosse portuguesa e jornalista. Aconteceu-me muitas vezes.

Curiosamente esse humorista, Rudolfo Rebelo, faz uma dupla com um franco-argelino. De que forma os portugueses se relacionam com outros emigrantes em França?

Os portugueses e os argelinos emigraram mais ou menos na mesma altura. Têm uma relação culturalmente muito próxima. Eles são amicíssimos. O franco-argelino não sabe falar português, mas sabe dizer asneiras em português...

As últimas gerações em Portugal não foram propriamente "formatadas" para falar francês. Isso sente-se na forma como França é escolhida para lugar de emigração?

Em muitos casos, emigraram porque tinham um familiar lá, apesar de não saberem a língua. A relação familiar foi valorizada em detrimento do conhecimento da língua.

E a geografia da presença portuguesa em França alterou-se? Paris continua a ser o grande foco?

Continua a ser, mas há dados que apontam para alguma presença portuguesa nalgumas zonas de maior turismo, por exemplo no sul de França. São zonas de maior emprego na hotelaria.

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