10 out, 2015 - 01:28
A crise na Síria e o combate ao autoproclamado Estado Islâmico não têm uma solução meramente militar. A tese é do antigo ministro da Defesa António Vitorino, que argumenta que um processo negocial é inevitável.
“Alguma solução política vai ter que ser encontrada. As operações militares visam criar reforço de posições para depois chegar à mesa das negociações. Se a expectativa americana era de que era possível enfraquecer o regime de Bashar Al-Assad, os russos intervieram precisamente para reforçar a posição negocial de Assad”, sustenta o antigo comissário europeu no programa “Fora da Caixa”, da Renascença.
Vitorino considera que, “mais cedo ao mais tarde”, todos estes actores vão ter que se sentar numa mesa de negociações. A questão que divide russos e norte-americanos passa pelo papel do Presidente da Síria nesse processo político, acrescenta o comentador socialista.
“Os russos propuseram aos americanos uma solução política que passava por manter ou pelo menos não punir o senhor Bashar Al-Assad. E os americanos não aceitaram. A partir desse momento não tinham grande margem para dizer aos russos “não façam nada”. Mesmo sem o consentimento americano, é para mim óbvio que os russos avisaram previamente os americanos que iam atacar o Estado Islâmico. O problema é que alguns dos alvos foram também a chamada oposição moderada, por acaso apoiada pelos EUA. Mas na Síria tudo é assim…”, afirma António Vitorino, para quem os americanos vão ter que considerar a possibilidade de um processo de transição “que não signifique desligar imediatamente o ‘fusível’ de Assad”.
Putin, o xadrezista
Pedro Santana Lopes afirma que os norte-americanos não foram surpreendidos pelas movimentações russas.
“Há uma informação regular por parte da Rússia, com uma periodicidade marcada sobre os movimentos que são feitos. Diria que não é preciso sequer a informação. Os EUA vão acompanhando com os ‘parcos’ instrumentos tecnológicos de que dispõem”, diz o antigo líder do PSD que classifica Putin como alguém “sábio ” e que “joga bem xadrez”.
Santana diz que o Presidente russo está a ter sucesso na sua estratégia em várias frentes na cena internacional. “Em certa medida, as coisas correram-lhe de feição no que respeita á secundarização da questão ucraniana e outras”, afirma o antigo primeiro-ministro no programa que vai para o ar à sexta-feira na “Edição da Noite”, da Renascença.
Que transição na Síria?
O caso do Iraque, pós-intervenção militar americana, não fornece aos americanos os modelos de uma transição bem sucedida após uma mudança de regime no Médio Oriente e no Norte de África. Mas há outros desastres do passado a ensombrar um possível futuro, diz Vitorino.
“Os americanos não sabem fazer transições, mas os europeus não são melhores. O caso da Líbia é sobretudo de responsabilidade europeia. Os europeus gostavam de criticar os americanos por não terem previsto que a queda de Saddam Hussein iria dar origem ao caos. E fizeram exactamente a mesma coisa no caso da Líbia”, diz o antigo comissário europeu no debate de temas europeus da Renascença.
Para Pedro Santana Lopes, a estratégia de imposição da democracia ocidental por todo o mundo está a regredir. Isso pode ser bom e mau ao mesmo tempo, conclui o antigo líder do PSD.
“Está a ganhar outra vez terreno a teoria do respeito pelas fórmulas políticas de organização dos estados no respeito pela sua soberania. É um retrocesso na nossa concepção dos direitos e liberdades do ser humano [mas] será um avanço, nas circunstâncias actuais, como um contributo para a paz”, remata Santana Lopes.
O “Fora da Caixa” é um programa da Renascença em colaboração com a Euranet.