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Opinião

Absolutamente relativo

05 out, 2015 - 00:15 • J.A. Azeredo Lopes

O futuro primeiro-ministro tem perante si uma escolha: esticar a corda, uma tentação diabólica, ou negociar.

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Para que não haja dúvidas, pede-se ao escriba que, logo a começar, apresente a sua lista de vencedores e derrotados. Assim, e pela ordem, ganharam as empresas de sondagens. Depois, a coligação PàF ganhou, evidentemente. O PS perdeu, evidentemente. O Bloco ganhou, evidentemente. A CDU, nem vale a pena perguntar, porque ganha sempre, e ganhava até mesmo que tivesse votos negativos. Podia, ainda, falar em Marinho Pinto, que se espatifou no acto eleitoral que o próprio teria gostado que fosse o seu Rubicão. Mas não falarei, por decoro.

Falarei, isso sim, de uma convicção profunda, que afirmo e reafirmo publicamente: o povo tem sempre razão, qualquer que seja o sentido por que se incline, e mesmo que esse sentido possa parecer, inicialmente, difícil de compreender. Assim sendo, nesta vitória do PàF, mérito dos vencedores, de certeza, demérito dos vencidos, de certeza. É que, ou acreditamos na democracia sempre, ou, acreditando apenas quando ganhamos, não acreditamos em coisa nenhuma.

Voltemos ao que interessa, nesta avaliação de conjuntura, feita numa noite de eleições e com o risco do leve ou do apenas circunstancial. A coligação no poder vai continuar no poder, e essa, hoje e desde há umas semanas, não é uma surpresa. Mas é objectivamente uma enorme surpresa olhando a um tempo de quatro anos. Por isso, muito vai depender, no imediato estado de graça que se pode antever para o novo e futuro Governo, daquilo que prevalecer no espírito das pessoas. O que vai contar mais, com efeito? A onda eufórica desta maioria que ontem se formou, ou uma onda só “contentinha” que percebe que a maioria absoluta se foi? Deste dilema vai depender a saúde, logo a começar, do novo poder.

É que, não se duvide, o desconforto pela ausência da maioria parlamentar nem sequer foi escondido por Passos Coelho no seu discurso. O que, note-se, nem é aqui apresentado como crítica, antes pelo contrário.

Como segunda nota de relevo, António Costa não se demite, como tanto queriam Passos Coelho e Paulo Portas, como aliás, ainda com mais fervor, os chamados “seguristas”. Estes até faziam pena na noite eleitoral, cheios de vontade de soltar o que lhes ia na alma mas a fingirem – é o diabo das convenções sociais – que estavam todos a remar para o mesmo lado.

O discurso de Costa não foi, a partir de certa altura, dos mais claros e eficazes. Mas, na fase das perguntas, Costa libertou-se, mostrou sentido de humor, revelou fair play e deixou claro ao inimigo interno que a sua pele é mais difícil de esfolar do que à primeira vista poderia parecer aos menos avisados ou aos mais precipitados. Costa está e Costa fica, é esta, uma das notícias da noite.

Em terceiro lugar, e tendo Costa rejeitado a hipótese (que seria algo grotesca) de uma coligação negativa, o futuro primeiro-ministro tem perante si – devidamente acolitado por um Paulo Portas em forma sublime – uma escolha. Chegada a altura do Orçamento, pode ceder à tentação diabólica de esticar a corda, recusar negociar e provocar eleições, esperando que dali saia a lotaria (a maioria absoluta). Ou, então, negociando, garante alguma estabilidade mas, da mesma sorte, reforça a autoridade de Costa (a não ser que se verifique uma hecatombe no PS e surja outro à mesa das negociações).

E os outros? Da CDU, não se espera nada, ou espera-se o mesmo que se deve esperar de um partido que mais recorda a grafonola de que falava Eça de Queiroz. O Bloco, esse, tem perante si uma escolha fascinante: quer, pela primeira vez, encarar a hipótese (não agora, claro) de poder participar num Governo?

É duvidoso, para dizer o menos. Estas eleições mataram de vez a ideia de “esquerda unitária” (como unidade realizável) que, como mito, é acenada desde o 25 de Abril. E matar um mito é sempre uma coisa positiva, até porque ninguém tem já paciência para as declarações muito pomposas com pouco sumo.

E deixem-me fazer uma provocação final e sem maldade. Viram, com olhos de ver, o mapa eleitoral e aqueles dois Portugal, um a Norte e outro a Sul? Somos tão iguais, como é que conseguimos parecer tão diferentes?

P.S. Bons tempos, bons augúrios para os constitucionalistas. Um Governo minoritário é sempre ocasião para minudências e dúvidas constitucionais e excelentes casos práticos nas Faculdades de Direito.

Comentários
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  • victor
    06 out, 2015 lx 18:03
    Meu caro analista de serviço, o mapa do país é só, para si, uma direita (toda no mesmo saco), e uma esquerda que é só PS...,a Direita pode coligar-se, a Esquerda não... assim manda o Império Alemão da zona Euro...
  • Mais um
    05 out, 2015 pt 16:55
    Excelente artigo! Obrigado.

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