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Reportagem

2 licenciaturas + 1 mestrado + 1 MBA = desempregado de longa duração

30 set, 2015 - 12:43 • Joana Bourgard Dora Pires

Por trilhos e atalhos, as jornalistas Dora Pires e Joana Bourgard percorrem o país à procura das histórias que não cabem nas caravanas dos partidos. Descobriram histórias que passam pela porta de um centro de emprego.

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desempregado_joao
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João já perdeu o subsídio. Com duas licenciaturas, um mestrado, um MBA (formação académica dirigida a administradores e executivos) e alguns cargos de chefia no currículo, está prestes a entrar na lista dos desempregados de longa duração.

João é um nome falso. Não que tenha vergonha de se identificar como desempregado, mas tem receio. Há três anos que tenta descobrir o que é que lhe falta mais para conseguir um trabalho. Enquanto não resolver o mistério, "é melhor não arriscar".

Por estes dias, João aguarda resposta a uma candidatura a um lugar de técnico na função pública. Se conseguir, vai ganhar "mais 25 euros do que o que recebia do fundo de desemprego". Ainda não chega para atingir o número mágico dos mil euros por mês, mas quem está ou já esteve desempregado perceberá João: faz toda a diferença viver do trabalho ou de um cheque da Segurança Social.

Nessa outra vida ganhava bem – tinha um bom cargo num banco privado. O processo de reestruturação mudou tudo: "Sempre fiz trabalho social, nunca achei que poderia chegar a este ponto, numa situação pior do que muitas das que conheci".

Só para a administração pública – presidente, vogal, director, vice-presidente – João já concorreu "para aí mais de dez vezes". Tantas que nem se lembra ao certo quantas foram.

Conhece e é conhecido entre os membros permanentes da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública), um organismo criado pelo actual Governo para acabar com as nomeações de cariz partidário para altos cargos do Estado. Aplica-se, estuda tudo. Chegou várias vezes ao lote final, foi um dos três candidatos que vão a escrutínio pelo membro do governo responsável pelo concurso. Nunca passou. "A decisão acaba por ser sempre política", diz. Mas também não desiste.

Já concorreu a lugares bem abaixo das suas habilitações, mas por mais que vá desnatando o currículo "acham sempre" que tem "habilitações a mais". "Também ninguém quer alguém que já foi chefe, como seu subordinado", acrescenta. O passo seguinte seria mentir. Ainda não o quer dar.

Depois dos 50 anos, foi difícil voltar a viver com os pais. Tem pena de não poder jantar fora, ir de férias ou comprar livros. Mas custou-lhe especialmente a apresentação na Junta de Freguesia, de 15 em 15 dias, "como se faz com os criminosos, que têm de se apresentar na GNR ou na PSP".

centro_emprego
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Uma alemã em Portugal

Quem passa pelas portas do Centro de Emprego do Saldanha, em Lisboa, sabe bem o que é isso da "apresentação periódica".

Daisy está cá hoje só para se voltar a inscrever. "Ao fim de dois anos à espera, chamaram-me para três entrevistas, em locais diferentes, à mesma hora." Não conseguiu ir a todas e o sistema apagou-a. Cortou-lhe o subsídio.

Há novos, velhos, desesperados, alienados, pais de família, analfabetos e licenciados. Até há uma rapariga alemã. "O Inverno na Alemanha é terrível. Gosto mais deste país. Quero estudar Psicologia, aceito qualquer trabalho, estou bem."

Esta cidadã da Baviera pode continuar a receber o subsídio de desemprego do seu país, desde que esteja inscrita no centro de emprego, em Portugal.

Poucos serão tão convictos como Belchior Ernesto: "Não! Não estou para trabalhar de borla numa empresa privada. Com o Estado a pagar-me para trabalhar para uma empresa privada. Já trabalhei, não preciso de estágios para nada. Não aceito que me usem para fazer baixar as estatísticas do desemprego em Portugal!"

Cremilde não se importava de ser chamada para um desses estágios. "Já me inscrevi duas vezes, nunca me chamaram. Com 55 anos é muito difícil, sou sempre velha demais, se calhar também para os estágios." Se a idade fosse a explicação, a filha de Cremilde não estaria também desempregada.

"Sou electricista, não preciso de formação em computadores"

Paulo Faustino entra e sai, impaciente, como quem tem mais que fazer. "Venho aqui entregar os papéis da baixa média. Para não me chamarem. Aquilo é um atraso de vida, uma pessoa vai para aqueles cursos, perde um dia e recebe aí uns três euros. Sou electricista, não preciso de formação em computadores."

O que vale é a filha, emigrada na Suíça. É ela que paga as contas de Faustino. Aos 64 anos ficou sem trabalho, mas a empresa nunca "lhe passou os papéis para o desemprego".

Maria tem uma senha na mão, como os outros. Tinha o número 30, mas alguém percebeu que, em vez de procurar, Maria vem oferecer um emprego. A sua senha passou do número 30 para o número 4: "Estamos à procura de uma secretária. A vantagem de recrutar um desempregado é que não pagamos os descontos para a Segurança Social." Já a chamam. "Isto foi rápido."

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  • sdd
    26 mar, 2017 sdsd 20:58
    portugal da miseria Estado=funcioanrios publicos=criminosos e parasitas de uma naçao

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