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Estudo. “As nossas crianças estão fechadas, amarradas, em casa, não têm liberdade de acção”

26 set, 2015 - 12:20

O fenómeno tem consequências graves para o aproveitamento escolar e, sobretudo, para a saúde pública.

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Um estudo sobre mobilidade infantil em 16 países concluiu que Portugal está na cauda da tabela, e isso tem consequências graves para o aproveitamento escolar e, sobretudo, para a saúde pública, alerta o coordenador do estudo português.

"Estamos numa situação caótica. As nossas crianças estão fechadas, amarradas, em casa, não têm liberdade de acção, não vão a pé para a escola, não brincam na rua. Estamos a viver uma situação insustentável, o que designo por sedentarismo infantil", disse à Lusa o coordenador do estudo português, Carlos Neto, professor catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa.

O estudo português -- Independência de Mobilidade das Crianças -- data de 2012, mas só em agosto foi publicado, integrado num estudo internacional pelo instituto britânico Policy Studies Institute, denominado Independent Mobility: An International Comparison (Mobilidade Independente: Uma Comparação Internacional).

O estudo português concluiu que há alterações necessárias de políticas públicas "mais ousadas", pensadas para as crianças para inverter a actual situação: políticas que permitam aos mais novos brincar e desfrutar do espaço exterior, que permitam uma maior harmonização entre a vida familiar, escolar e em comunidade, e políticas urbanas que incluam uma planificação "mais amiga" das crianças e as encare como parte integrante e participante da sociedade.

"[...] não temos cidades preparadas para as crianças. Não há qualquer convite à actividade física. [...] Temos as crianças muito sentadas e pouco activas. Precisamos de uma verdadeira revolução na forma como podemos tornar as crianças mais ativas e com mais saúde, física e mental", disse à Lusa Carlos Neto.

O coordenador do estudo defende que em Portugal as crianças têm cada vez menos liberdade para serem crianças e fazerem coisas necessárias ao seu crescimento como correr, nadar, dançar, subir às árvores. Afirma que se estão a criar crianças "imaturas e sedentárias" e que as consequências se vão pagar a médio e longo prazo.

As grandes consequências

"Não é só a obesidade, são também as doenças cardio-vasculares, as relacionadas com o foro emocional e afectivo, e, acima de tudo, com uma socialização difícil para as crianças do nosso país poderem fazer. Temos que mudar a escola, o estilo de vida das famílias. [...] Estamos convencidos que isto tem consequências no sucesso escolar e no grau de felicidade das crianças, porque vão ter dificuldades de adaptação na vida adulta", disse.

O professor da Faculdade de Motricidade Humana recordou que "estudos demonstram que crianças mais activas e com maior socialização no recreio aprendem mais dentro da sala de aula, têm mais sucesso escolar".

Um dos aspectos estudados neste trabalho, o trajecto casa-escola, mostra que apenas 35% das crianças com 8 ou 9 anos vão a pé para a escola e que nesta faixa etária nenhuma vai de bicicleta. As que são levadas de carro são a grande maioria (56%).

"Aqui vai tudo de carro para a escola. As crianças visualizam o espaço físico pelo vidro do automóvel. Estamos a criar uma situação desesperada. Valia a pena por isto em discussão em campanha eleitoral", defendeu Carlos Neto.


Só por volta dos 12 anos a grande maioria das crianças portugueses inquiridas neste estudo (80%) teve permissão para ir sozinha para a escola, ou atravessar sozinha estradas municipais. Só aos 15 anos a maior tem autorização para andar sozinha de transportes públicas ou para circular de bicicleta sem supervisão em estradas principais.

O estudo demonstra também que as diferenças entre litoral e interior são cada vez mais esbatidas e que ao nível do sedentarismo os comportamentos são os mesmos.

Os 16 países que integraram este estudo foram, e por ordem de classificação em termos de mobilidade independente das suas crianças, a Finlândia, a Alemanha, a Noruega, a Suécia, o Japão, a Dinamarca, a Inglaterra, França, Israel, Sri Lanka, Brasil, Irlanda, Austrália, Portugal e Itália (empatados em 14.º lugar) e África do Sul.

"O estudo português realizou-se em seis áreas diferentes de Portugal que se consideram ser representativas de cinco tipologias territoriais distintas: centro da cidade (centro de Lisboa); urbano (Matosinhos e Linda-a-Velha); suburbano (Brandoa), pequena cidade (Silves) e rural (Redondo). Nesta investigação participaram 16 escolas e 1099 crianças e respetivos encarregados de educação. [...] questionários foram aplicados a crianças e jovens do 3.º ao 10.º ano de escolaridade, com idades entre os 8 e os 15 anos", explica a ficha técnica do estudo.

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  • Maria Manuela Melo de Carvalho Pereira
    28 set, 2015 coimbra 19:34
    Este estudo é o espelho da sociedade em que nos movemos. As nossas crianças são o espelho das politícas deste país. Nos últimos anos, a situação agravou-se de tal maneira, que a fome passou a ter rosto. Crianças e velhos foram os mais atingidos. São raras as famílias em que não há, pelo menos, um dos seus elementos no desemprego. O trabalho, para além do mais, é estrurante. São os avós, os velhos que não produzem, que ainda foram invadidos pelos filhos e netos que custeiam as famílias com as parcas reformas que auferem. Alguns voltaram a trabalhar fora de casa, para fazerem face às despesas do dia a dia. Sim, porque essas são certas. Os que estão no activo, os que produzem saem cada vez mais tarde dos empregos e quando chegam a casa estão exaustos, sem paciência para atenderem aos filhos. As crianças ficam entregues a si próprias, à televisão e aos computadores. Entretanto, o medo de perderem os empregos está sempre presente. Há muitas mães a viverem sozinhas com os filhos porque os maridos tiveram que emigrar. Estas mulheres têm uma vida de escravatura. Não nos podemos esquecer que os professores têm sido muito maltratados e desrespeitados por este governo.É muito natural que este mau estar "passe" para as crianças.Ninguém é de ferro. Grande parte dos nossos melhores profissionais têm abandonado o país, muitas vezes a contra gosto. Os laços de vizinhança também se têm vindo a perder, as pessoas mal se conhecem, sobretudo nas cidades.

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