24 set, 2015 - 09:03 • Joana Bourgard e Dora Pires
O presidente do CDS-PP visitou na quarta-feira os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. Em mais uma acção de campanha da coligação PSD/PP, Paulo Portas considerou a empresa um exemplo de "gestão privada mais eficiente" e de "economia do século XXI", após a privatização.
Há 12 anos como hoje, em campanha eleitoral, Portas anunciava-se como salvador da empresa. Em 2003, como salvador da empresa pública, em 2015 por ter conseguido evitar a falência ao entregá-la à gestão privada.
Mas o processo ainda tem pontas soltas: falta por exemplo extinguir a empresa pública Estaleiros Navais de Viana do Castelo.
A extinção foi anunciada em Janeiro do ano passado, mas só há três meses foi nomeada a comissão liquidatária. O prazo para a liquidação terminou em Agosto passado.
Em 2004, como ministro da Defesa de Durão Barroso, Paulo Portas anunciava um contrato de 400 milhões de euros. A verba seria a salvação dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e pagaria a construção de vários navios para a Marinha Portuguesa. O mesmo contrato veio a ser cancelado em 2011, agora com Paulo Portas num governo de coligação com Passos Coelho.
Eram os tempos da troika em Portugal, foi o argumento. Os estaleiros entraram em agonia. Durante três anos, os trabalhadores receberam para não fazer nada e protestaram, protestaram muito, entre Viana e Lisboa.
A troika foi de novo o argumento para o passo seguinte: os estaleiros de Viana do Castelo foram privatizados até 2031, sob a forma de subconcessão à West Sea, subsidiária da portuguesa - e endividada - Martifer.
Ainda a troika mal fechara a porta de saída e já o mesmo Governo, agora com Paulo Portas feito vice-primeiro-ministro, anunciava uma reviravolta, "por urgência imperiosa".
Afinal, a construção de dois navios para a Marinha voltava a ser adjudicada, mas agora directamente à Martifer, sem concurso público. A nova dona dos estaleiros não teve assim que se esforçar muito para assegurar trabalho. Paga uma renda de 415 mil euros por ano ao Estado até 2031, o que dá 12,5 milhões de euros, e só com esta encomenda recebe 77 milhões em quatro anos. Dinheiro que poderia ter salvado a empresa pública se tivesse chegado antes?
Depois de meses de contestação nas ruas, tanto em Viana como em Lisboa, um imenso manto de silêncio caiu sobre o assunto.
Os estaleiros passaram para a esfera privada e deixaram de ser notícia. Na transição, jogou-se a vida de 609 trabalhadores. Nesta altura, há 150 contratados pela Martifer. Cerca de duzentos emigraram, encontraram outros trabalhos ou vivem do fundo de desemprego. Os restantes também são responsabilidade do Estado, passaram ou vão passar brevemente à reforma.
Revolta é também o que se nota na voz do José Maria Costa. O presidente socialista da Câmara de Viana do Castelo esteve sempre ao lado dos trabalhadores e dos sindicatos nos dias de protesto. Hoje está calado, mas não conformado.
O autarca critica a solução do Governo e o caso do navio Atlântida como um exemplo de negócios mal explicados em todo o processo. O Atlântida foi um dos dois navios encomendados pelo governo dos Açores que foi rejeitado depois de pronto por alegadas falhas de construção.
A história do Atlântida dava um filme. Foi um dos dois navios encomendados pelo governo socialista dos Açores. Pronto em 2009, nem chegou a estrear o mar das ilhas - foi recusado por falhas técnicas.
O dinheiro da encomenda, 40 milhões de euros, saiu dos cofres da Estaleiros Navais de Viana do Castelo e foi devolvido ao cliente. Os anos foram passando... e o Atlântida sem rumo. Acabou na doca do Alfeite, em Lisboa.
Em 2013, uma empresa do Taiti ofereceu 28 milhões de euros. Muito pouco, respondeu a administração pública dos estaleiros (apesar de ter nas contas que o Atlântida perdera valor parado e, em vez de 50 milhões, valeria agora 30). Foi então aberto um concurso público internacional. Venceu um armador grego. Só que tão depressa ganhou como desapareceu sem dar sinal dos 13 milhões que oferecia. O segundo colocado, a Douro Azul, acabou então por ficar com Atlântida por 8,7 milhões.
Mário Ferreira, da Douro Azul, anunciou desde logo investimento de 8 milhões para adaptar o Atlântida de forma a fazer cruzeiros de luxo, na Amazónia.
De madrugada, veio do Alfeite para Viana do Castelo, mas ainda não seria desta. Três meses depois de comprar o navio, em Dezembro de 2014, Mário Ferreira anunciou ter tantas e tão tentadoras propostas de compra que afinal nunca chegaria ao Brasil.
Desta vez, é uma empresa da Noruega, a Hurtigruten, a anunciar cruzeiros nos mares do norte e na Antárctida, em 2016, a bordo do seu novo navio: o Norway Express. Nada mais nada menos que o português Atlântida, rebaptizado.