18 ago, 2018 - 13:18 • José Bastos
A justiça espanhola já formalizou os passos iniciais da investigação ao acidente no "Marisquiño", um festival de música e desportos urbanos a marcar todos os anos o Verão galego e favorito de milhares de portugueses.
Uma magistrada do Tribunal de Instrução Criminal de Vigo tomou uma primeira decisão: ordenar a recolha de toda a documentação que antecedeu o festival para encontrar os responsáveis de um crime classificado, por agora, como causador de "lesões imprudentes".
Uma plataforma - de 40 metros - do passeio marítimo da cidade galega cedeu e centenas de pessoas, na maioria jovens e menores, deslizaram para o frio Atlântico. Na água, muitas vítimas não podiam nadar porque outras continuavam a cair-lhes em cima. Cenas de caos prolongaram-se madrugada dentro, com adolescentes angustiados e pais procurando desesperadamente os filhos.
Mais de 400 feridos depois - sete pessoas continuam ainda hospitalizadas, dos quais dois menores em estado grave - está em curso uma guerra de atribuição de competências para apurar responsabilidades entre vários actores e, não menos importante, determinar consequências políticas.
Elena Muñoz Fonteriz, líder do PP Vigo e dirigente nacional do partido, publicou, dias antes, nas redes sociais, uma denúncia clara sobre o mau estado do passeio marítimo - Paseo de las Avenidas -, alertando para o risco colocado pela realização do festival.
Em entrevista à Renascença, Elena Muñoz Fonteriz sustenta que o presidente da Câmara de Vigo foi advertido para o perigo e nada fez para evitar o acidente. O socialista Caballero deve apresentar a demissão e os tribunais definirem responsabilidades, defende Muñoz.
De forma quase premonitória denunciou o estado do molhe a seis dias do acidente. Que sinais precipitaram o alerta?
Há muitos anos que vinha reclamando a atenção para esse problema. Há anos vinha alertando o governo municipal de Vigo de que havia muitíssima deterioração do passeio marítimo e que era necessária uma intervenção. Mas, desgraçadamente, as autoridades municipais sempre se negaram a assumir a responsabilidade no arranjo do passeio.
A última vez que denunciei o problema foi, precisamente, a seis dias do evento em questão - "O Marisquiño" - em que disse, uma vez mais, esperar que nada de mau acontecesse e que tudo decorresse da melhor maneira, porque o passeio e a estrutura suspensa sob as águas continuava em péssimo estado.
E esse alerta não teve qualquer reacção das autoridades municipais?
Nem nessa denúncia nem em todas as outras que antes se fizeram. Agora, até se soube também que as autoridades portuárias - porto de Vigo - já haviam alertado a Câmara Municipal para esta situação e haviam, reiteradamente, pedido para que as necessárias obras fossem realizadas.
Igualmente, ficamos a conhecer decisões judiciais que remetiam a responsabilidade das obras precisamente para o município.
E que explicações tem para que uma denúncia tão objectiva e conhecida tenha sido, como diz, ignorada?
É uma prática habitual nesta administração de Vigo. Infelizmente mesmo desde o fim da maioria absoluta do PS no município, há três anos, o novo governo municipal entendeu que não deveria escutar nada nem ninguém neste ou em outros assuntos chave. Só se ouve a si mesmo e mais: faz do confronto com outras administrações a sua forma preferida de fazer política. É a forma habitual de actuar do PS. Acredito ser a pior maneira de actuar de um responsável político público porque, no fim, a factura é paga pelos eleitores, pela comunidade.
Com este pano de fundo, não resta alternativa que não seja a denúncia contínua, todos os dias, dos problemas e atitudes.
Mas, quando fez a denúncia no Twitter, receava mesmo um acidente ou era um gesto mais enquadrável na normal dialética política?
Não. Era porque se ia realizar um evento que ia trazer 100 mil pessoas a Vigo. Portanto, era um momento especialmente preocupante pelo estado deteriorado do passeio portuário e a oportunidade de chamar a atenção do poder municipal que teria de se dar conta da obrigatoriedade da tomada de medidas.
E denunciar publicamente numa rede social - e não ao MP ou outras instâncias - era suficiente?
Como já disse, essa não foi a primeira vez que o caso foi denunciado. Por exemplo, havia sido feito em Maio último e nas reuniões plenárias da Câmara Municipal o PP de Vigo fez repetidos alertas sobre a situação do estado do passeio marítimo e das avenidas circundantes. Até por escrito - está nas actas municipais - há pedidos em várias ocasiões para que as obras tivessem lugar. Não fomos ouvidos. Não tivemos qualquer êxito.
Quem então, objectivamente, fez caso omisso a essas advertências?
Claramente, foi o presidente da Câmara Municipal de Vigo, o alcaide de Vigo. Abel Caballero, claramente, não quis tomar conta do tema. Ele defendia que quem o tem de fazer é o porto de Vigo, apesar da existência de sentenças judiciais atestando que a entidade responsável pela manutenção em perfeitas condições do passeio marítimo é o município.
O PP pede a demissão do presidente do município?
Se persistir nesta linha política de não dar explicações, claro que tem de apresentar a sua demissão. Porque não era só o estado do passeio marítimo a não ser seguro: era ter conhecimento de que o estado de conservação era deficiente e, mesmo assim, autorizar a realização de um festival de música com milhares de espectadores a pressionar a plataforma do molhe.
O presidente da autarquia de Vigo só poderia ter dado essa autorização tendo em seu poder os pertinentes relatórios de segurança resultantes de inspecções feitas pelos técnicos validando a área e certificando o passeio marítimo.
Se o presidente da câmara não tem esses relatórios de segurança em seu poder, o que tem a fazer é deixar de ser alcaide e sair da liderança do município.
É que não se pode colocar em risco a vida das pessoas de forma politicamente inconsequente.Há analistas a sustentar que os media espanhóis abordam este acidente com menor severidade crítica por comparação com o caso Madrid Arena ou Prestige. Quando governa o PP são "graves erros" e quando é o PSOE são "infelizes acidentes"?
Realmente, parece que quando os responsáveis são do Partido Popular o grau de acusações é muito mais elevado do que quando governa o Partido Socialista. Parece que o PSOE nacional não quer saber deste tema de Vigo e, bem pior, não quer dar nenhum tipo de explicação. Evidentemente, trata-se de um comportamento político que não se pode admitir. Há que dar explicações e se há que assumir responsabilidades seja qual for o partido no governo.
Ainda estes dias se exigiram responsabilidades ao novo líder do PP porque, diziam, faltava um papel de um mestrado e, neste caso, exige-se conhecer um relatório para certificar a segurança dos cidadãos e parece que o caso não tem qualquer importância.
O PP tem má imprensa?
Não. São os políticos do Partido Socialista que exigem aos políticos do Partido Popular um comportamento muito diferente ao seu próprio no PSOE. Para os socialistas, o grau de obrigações não parece ser o mesmo.
Até onde deve ir este caso de Vigo?
Deve ir até aos tribunais. O Tribunal de Justiça está já a investigar tudo o que aconteceu e, sem dúvida, terão de ser os tribunais a determinar se existem responsabilidades judiciais e penais.
O processo que decorre em paralelo é o das responsabilidades políticas a serem assumidas pelos dirigentes políticos que por acção ou omissão não previram que esta desgraça poderia ocorrer.
Do sucedido em Vigo, na ponte Morandi em Genóva ou nos incêndios em Portugal que lições e exigências a classe política no poder deve receber do conjunto dos cidadãos?
Quando ocorrem tragédias, é difícil para as pessoas testemunharem que os políticos não assumem responsabilidades e, às vezes, discutem uns com os outros, num jogo de passa-culpas, não esclarecendo o que realmente ocorreu. Percebo perfeitamente essa visão dos cidadãos e, sinceramente, acho difícil de explicar a atitude dos políticos nestes casos. Mas também há que dizer aos cidadãos que o importante nestes cenários citados é o que digam os tribunais e o poder judicial que continua a investigar.
Mas não se rompe um elo de confiança entre os cidadãos e os políticos que os representam?
Pode acontecer que surja uma certa sensação "descorazonada", sensação de desilusão, desesperança com estes comportamentos dos políticos sobretudo quando há tragédias. Esse sentimento dos cidadãos é algo cuja existência, evidentemente, não se pode negar.