16 ago, 2018 - 17:37
Donald Trump é o líder mundial que mais tentou debilitar a liberdade de imprensa à escala global. A avaliação é do Comité para a Protecção dos Jornalistas (CPJ), uma ONG com sede em Nova Iorque, que, no início do ano, elaborou uma lista elencando os governantes que se tenham destacado em acções contra jornalistas ou contra a liberdade de expressão. A lista pretendia ser uma resposta aos “prémios aos falsos media” anunciados por Trump na sua conta de Twitter.
O CPJ sustentou que, embora anteriores presidentes tenham criticado de diferentes formas a imprensa, Donald Trump supera todos os antecessores na cruzada anti-jornalistas. O Comité sublinha que “Trump tem minado de forma consistente o papel dos meios de comunicação e nega-se a elogiar a liberdade de imprensa” nos diálogos mantidos com outros líderes mundiais conhecidos por reprimir os direitos dos jornalistas como o seu homólogo chinês Xi Jiping ou o presidente turco Erdogan.
Mais ainda: o CPJ defende que, sob a administração Trump, o Departamento de Justiça não se comprometeu com a protecção das fontes jornalísticas e a uma agência estatal propôs cortar o apoio financeiro a organizações internacionais que promovam o reforço das normas internacionais de apoio à liberdade de expressão.
Trump era também o segundo classificado na categoria de “líder mais susceptível” face às notícias, um "ranking" encabeçado por Erdogan. Já as autoridades na China, Síria e Rússia adoptaram a expressão “fake news”, notícias falsas, de Trump.
Este quadro de tensão entre a Casa Branca e a imprensa aqui desenhado em Janeiro agravou-se no que vai de ano e desembocou no gesto simbólico desta quinta-feira. Mais de 300 jornais publicaram de forma concertada editoriais em que defendem a liberdade de imprensa e a importância de contar com um jornalismo independente. A resposta aos ataques que recebem do presidente Trump que, frequentemente, qualifica os jornalistas de “inimigos do povo”, é analisada por José Alberto Lemos, correspondente da Renascença nos Estados Unidos.
A campanha sob o lema “inimigo de ninguém” (enemy of none) foi promovida pelo diário The Boston Globe, que também agrega os diários participantes e os seus textos, a que se juntaram títulos importantes como o The New York Times além de dezenas de jornais estatais e locais.
O que escrevem os editoriais?
Importa sublinhar, antes ainda de tudo o mais, que se trata de uma iniciativa inédita na América. Mais: não é uma iniciativa corporativa individualizada. Os jornais não decidiram no mesmo dia publicar editoriais sobre a questão da liberdade de imprensa por motivações localizadas ou individualizadas. Nada disso. Trata-se de uma reacção ao clima de hostilidade gerado pela administração Trump contra a imprensa. E de uma forma genérica o que dizem estes editoriais? O The New York Times tem uma série de citações de jornais regionais - são às centenas nos Estados Unidos - de afirmações elementares, mas que nestes dias podem até assumir um carácter que parece extraordinário.
Por exemplo, ao recordar a primeira emenda da constituição justamente sobre a liberdade de expressão e sobre a liberdade de imprensa. Outros jornais recordam uma citação famosa de um dos pais fundadores Thomas Jefferson quando indicou que se tivesse de escolher entre ter governo e ter jornais escolheria ter jornais e não ter governo. Portanto, nos editoriais de hoje está o sublinhar destes princípios fundadores de uma sociedade livre e democrática - como é intrinsecamente a sociedade norte-americana - e o quão vital isso tem sido para os Estados Unidos. Porque é preciso dizer que o clima de hostilidade que Trump e a sua administração têm gerado contra a imprensa está a montante a gerar uma clima de quase violência.
Por exemplo, há cerca de um mês num comício de Donald Trump no Arizona o público presente verberou insistentemente os repórteres que lá estavam e, alguns deles, foram ameaçados de agressão. O repórter da CNN presente esteve próximo de ser atingido depois de enfrentar várias ameaças de agressão e se os jornalistas não estivessem num espaço vedado o cenário poderia ter sido bem pior.
É a este clima que os jornais reagiram?
Sim. Os jornais reagem a esse clima de hostilidade, sublinhando a importância de escrutinar os poderes, de vigiar os poderes e de não admitir que possa haver qualquer tipo de recuo nesta matéria.
É possível antecipar o efeito da iniciativa na opinião pública?
Essa é a questão que importa apurar. É o que falta saber. Mas para já posso olhar para um dado preocupante. É que 44% dos conservadores norte-americanos dizem já que admitiriam que o presidente tivesse poderes mais autocráticos, digamos assim, para encerrar jornais. Esta possibilidade de eleitores admitirem ver o presidente a fechar jornais é altamente preocupante.
A hipótese valida a possibilidade de que, na opinião pública, a ideia das fake-news - das notícias falsas - e de que, sobretudo, "os media são o inimigo do povo americano", frase que Trump já proferiu no próprio ano em que foi eleito, 2016, e tem feito o seu caminho na opinião pública, configura um quadro muito preocupante porque significa que que muita gente está a ter uma perspectiva muito negativa face à imprensa. Donde, a expectativa é de a que esta convergência de editoriais e de tomadas de posição possam realmente despertar muitos sectores da opinião pública para o que se está a passar.
Basta que nos possamos lembrar do que hoje ocorre em muitas democracias - e algumas de natureza iliberal - como a Hungria, a Polónia ou a Turquia e do que o poder nesses países está a fazer a jornalistas e à liberdade de imprensa. Países onde há jornalistas presos e perseguidos e jornais asfixiados, quer economicamente quer em tribunal, por publicar notícias que desagradaram ao poder. Ora a função da imprensa é justamente vigiar o poder e evitar actos de prepotência como em muitas democracias está a acontecer.