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Incêndios. O que acontece se as pessoas se recusarem a sair de casa?

08 ago, 2018 - 18:45 • João Carlos Malta

Saiba o que prevê a lei no caso de evacuação de uma povoação, e em que casos é que as autoridades podem obrigar as pessoas a abandonar a habitação.

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Mesmo com as chamas quase à porta, os moradores de Casais, na serra de Monchique, resistiram a sair das casas, apesar da insistência das autoridades. Argumentavam que queriam defender “o trabalho de uma vida”. Mas podem fazê-lo? Legalmente, não, mas acontece, por vezes.

Nos casos de evacuação, há direitos e interesses em conflito, mas, como explica o advogado Ricardo Serrano Vieira, o direito à vida “é inviolável e não é negociável”.

“Mesmo que o particular não queira sair do local, as autoridades estão devidamente autorizadas, sem que com isso estejam a praticar o que podia ser visto como um ato ilícito”, avança o causídico.

“A atuação policial está legitimada no Código Penal. Queremos salvaguardar a vida e a ordem está legitimada quando há o perigo concreto que pode lesar o bem jurídico que é a vida. Os agentes da autoridade têm de agir em conformidade”, acrescenta.

Casais foi uma situação, mas tem havido outros casos em Silves. Segundo o advogado, os moradores que se recusem sair podem ser abordados, detidos e conduzido para fora do local contra a sua vontade.

Costa fala de irresponsabilidade

Já esta quarta-feira, em conferência de imprensa, o primeiro-ministro António Costa apelou às populações para respeitarem as indicações dos bombeiros e das forças de segurança no terreno, numa altura em que a prioridade é salvar vidas humanas.

"As autoridades quando apelam à evacuação não estão a violar a constituição nem a lei, estão a assegurar o bem mais precioso, que é a vida humana", declarou o chefe do Governo.

"É absolutamente irresponsável qualquer apelo para que as populações não sigam as recomendações das autoridades", frisou

Costa agradeceu "o enorme civismo com que, perante situações de tragédia, as populações têm seguido as indicações das autoridades, designadamente nas situações de evacuação preventiva".

No entanto, por vezes, os populares que não acatam as ordens das autoridades atingem os seus intentos. Isso apenas ocorre quando “os agentes da autoridade se conformarem com essa posição”. O advogado esclarece que, nesse caso, estamos no domínio da ilegalidade, e os militares “podem ser responsabilizados”.

Omissão

Existindo uma ordem expressa que não é cumprida e que dela resultem, posteriormente, danos para as pessoas, os militares podem ser acusados de omissão.

“Imagine uma população em risco por causa de um fogo, imagine que há uma ordem emanada superiormente, imagine que há militares a exigir que os populares abandonem as casas porque há uma ameaça iminente. Se ficar demonstrado que eles falaram com os particulares e que se conformaram com essa recusa, se posteriormente acontecer alguma coisa a essas pessoas podem ser julgados por omissão, por não cumprirem uma ordem que é legitima”, enquadra.

Segundo o advogado, há ainda duas consequências que podem decorrer de uma evacuação. Há casos em que os cidadãos resistem às autoridades e em causa está o crime de desobediência. Noutras situações, Ricardo Serrano Vieira afirma que podem ser os populares a avançar com processos criminais contra o agente de autoridade porque não se conformaram com a ordem.

O causídico diz que a primeira situação é muito mais comum do que a segunda.

Certificado anti-burlas

Salvaguardando a importância de cumprir as ordens das autoridades, Ricardo Serrano Vieira alerta os particulares para terem muita atenção na verificação de quem são os elementos que estão a comunicar que têm de abandonar as casas.

“Sabemos de casos de burlas de pessoas que aproveitam para se fazerem passar por agentes de autoridade para depois praticarem ilícitos criminais. As pessoas devem pedir a identificação quando não conhecem os elementos das forças de segurança e evitar o extravasar de emoções que levem a situações de resistência e coação”, ilustra.

O que justifica que as pessoas sejam retiradas

Ricardo Ribeiro, presidente da Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Proteção Civil, esclarece que há três casos em que o comandante de operações e socorro no terreno pode decretar a necessidade de uma evacuação.

A emergência é a primeira. Normalmente é uma situação em que claramente as pessoas estão em perigo quando o fogo começa a circundar as casas, e em que as circunstâncias impõem uma saída rápida, apoiada e protegida pelos meios operacionais no terreno.

Depois quando há possibilidade e previsibilidade no contexto da progressão do incêndio de este “interagir com a população, bens, casas e armazéns”.

Por fim, quando a comandante de operações de socorro faz o plano estratégico de ação e percebe que o vento pode em qualquer momento alterar a sua direção.

“Esta última é muitas vezes mal-entendida pela população, porque se o vento não muda de sentido, não percebem porque é que têm de sair das suas casas, mas têm de o fazer”, sublinha o especialista.

A confiança da população nas autoridades

O presidente da Associação Portuguesa de Técnicos de Segurança e Proteção Civil compreende que é compreensível que as pessoas queiram proteger o trabalho de uma vida, mas é necessário explicar à população que não tem toda a informação, e que o comandante de operações a tem. Ele possui a previsão da meteorologia, da humidade, do sentido e da velocidade do vento, e sabe qual é a quantidade e a qualidade dos meios no terreno.

Todavia, Ricardo Ribeiro reconhece que uma coisa “é a técnica”, e outra a prática. “A verdade é que estamos a pedir as pessoas para abandonarem as suas vidas, dezenas de anos de trabalho e o seu sustento”. “Isto é muito inglório para quem toma esta decisão e para quem tem de acatá-la”, conclui.

Por fim, este especialista reconhece que os fogos de Pedrogão Grande e da Pampilhosa, no ano passado, abalaram a relação entre as pessoas e as autoridades. “Não vale a pena escamoteá-lo, mas há que entender a excecionalidade do que aconteceu, e o que já se evoluiu. Não há alternativa senão confiar”, remata.

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  • Piedade
    09 ago, 2018 Almada 17:53
    Infelizmente, ainda há gente muito estúpida. Claro que custa muito perder a casa, com tudo o que ela representa de uma vida, mas essa perda tem solução. O que não tem solução é a morte. Uma casa pode-se reconstruir, voltar a mobilar, muitas vezes de forma mais modesta, é certo, mas a vida continua. Agora se perdermos a vida, de que serve salvar a casa? Nem os exemplos do ano passado serviram para mudar mentalidades? Gente, a vida é o nosso maior bem. Quando as autoridades mandarem evacuar as vossas casas, obedeçam. Se houver tempo para isso, levem convosco aquilo que não se pode recuperar: fotografias, aquela recordação especial, algo que pertence a um passado distante e que se pode perder para sempre, mas OBEDEÇAM. Acreditem que é para o vosso bem.
  • fanã
    09 ago, 2018 aveiro 15:35
    Cada um deve ser responsável por si mesmo, obrigar a abandono da sua habitação "manu militari", nestas situações tem um sabor de autoridade excessiva para não dizer "fascista", enquanto os verdadeiros incendiários andam a solta, não são perseguidos ou perdoados em Tribunal ! Este País está de rastos , entregue a incompetentes no que é imprescindível e muito competentes quando se trata de NEGOCIATAS !........Pobre Povo e Povo Pobre !
  • Palhares
    09 ago, 2018 lisboa 14:11
    Onde está o respeito pelo direito á vida agora invocado quando parlamento legalizou aborto e tentou eutanásia?A isto chama-se esquizofrenia interpretativa.Ou seja as diferentes formas de dar palha aos burros.

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