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Rejeição total da pena de morte? “Todo o homem é maior que o seu erro”

02 ago, 2018 - 14:53 • Filipe d'Avillez

O diretor executivo da Confiar, que trabalha com reclusos, saúda a decisão do Papa Francisco de alterar o Catecismo da Igreja para condenar absolutamente a pena de morte.

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“Todo o homem é maior que o seu erro”. É assim que Luís Gagliardini Graça expressa a sua concordância com a decisão do Papa Francisco, tornada pública esta quinta-feira, de condenar sem exceções a pena de morte no Catecismo da Igreja Católica.

Até agora, o Catecismo abria a possibilidade do uso legítimo da pena de morte, reconhecendo, todavia, que os casos em que esta possibilidade se aplicava seriam “muito raros, senão praticamente inexistentes”. Agora, lê-se que a pena de morte é “inadmissível” porque viola a dignidade da pessoa.

Para o diretor-executivo da Confiar, uma organização dedicada ao trabalho voluntário com reclusos e que está filiada na Prison Fellowship International, a maior rede de voluntariado prisional do mundo, este foi um passo certo.

“Na Confiar, acreditamos que todo o homem é maior do que o seu erro. Temos experiências em todo o mundo e, nomeadamente, no Brasil, que visitei o ano passado, durante um congresso, onde contactei com ex-reclusos que me disseram que perderam a conta à quantidade de crimes ou de pessoas a quem tinham ceifado a vida”, recorda Gagliardini Graça, concluindo que “aquelas prisões onde é tratada a dignidade da pessoa humana, onde são responsabilizados pelas suas tarefas, onde são tratados com amor, provocam verdadeiros milagres na sua reinserção e na sua redenção.”

“Portanto, esta tomada de decisão de Sua Santidade, para nós, encaixa-se na perfeição na evolução natural do Ser Humano.”

Um dos argumentos frequentemente usados na defesa da pena de morte é do efeito dissuasor do mesmo, mas, na perspectiva do diretor-executivo da Confiar, trata-se de um argumento falso. “Se nós estivermos mais preocupados na prevenção e, depois, na reinserção dos reclusos na sociedade, o crime baixa drasticamente. Acreditamos, claramente, que todo o homem consegue redimir-se e tornar-se um cidadão melhor”, diz, salvaguardando que a sociedade já tem formas de evitar que mesmos os criminosos mais obstinados continuem a representar uma ameaça à sociedade.

O passo seguinte, diz Gagliardini Graça, é os Estados seguirem o exemplo apontado pelo Papa e mudarem as suas leis no mesmo sentido, até porque pode haver vidas inocentes em jogo. “Há muitos casos de presos que foram mortos e que está agora provado que eram inocentes. Isto tem de acabar, é um logro.”

Alteração era previsível

Também o presidente da Comissão Nacional de Justiça e Paz, o juiz Pedro Vaz Patto, aplaude a medida do Papa anunciada esta quinta-feira.

Em declarações à Renascença, Vaz Patto diz que “era previsível esta alteração” que aproxima mais a posição da Igreja do Evangelho. “Um dos motivos pelos quais a pena de morte é para rejeitar, porque afasta em absoluto a possibilidade da regeneração da pessoa, e isso vai contra o Evangelho, que dá sempre essa possibilidade. Esta evolução da doutrina vai no sentido de uma maior fidelidade ao Evangelho.”

Há muitos anos que a Igreja se manifesta publicamente contra a aplicação da pena de morte, ainda que, em teoria, a anterior redação do Catecismo a aceitasse em casos extremos. Mesmo enquanto imperou essa redação, nunca houve um caso de um Papa ou um bispo manifestar-se publicamente a favor de uma execução judicial.

Na maior parte do mundo, a mudança promovida pelo Papa não deverá revelar-SE polémica, mas pode haver a exceção dos Estados Unidos, onde alguns setores da Igreja mais conservadores defendem a manutenção da legalidade da pena de morte. Era o caso do juiz do Supremo Tribunal Antonin Scalia, por exemplo, que morreu em 2016.

Pedro Vaz Patto reconhece que nos EUA o debate poderá ser mais aceso, mas recorda que os bispos daquele país nunca deixaram dúvidas sobre a sua posição. “Nos Estados Unidos da América, há um forte apoio público e entre os políticos, mas contra essa corrente têm-se manifestado, há anos, os bispos. Por isso, não será novidade, embora esta posição do Papa venha reforçar a posição contra a pena de morte, em que a Igreja se tem distinguido.”

São 53 os países do mundo que mantêm a pena de morte, incluindo os Estados Unidos, a Índia e o Japão. Na Europa, só a Bielorrússia e a Rússia mantêm a pena capital, embora a Rússia tenha aplicado uma moratória e não tenha executado ninguém nos últimos 19 anos.

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