Tempo
|
A+ / A-

Mulheres reavivam a arte de construir e tocar pandeiro

17 jul, 2018 - 16:02 • Olímpia Mairos

Só as mulheres tocam o instrumento musical feito de pele de cordeiro com caixilho de madeira que, no interior, leva caricas de garrafas para enriquecer a sonoridade.

A+ / A-

É em Fornos, aldeia do concelho de Freixo de Espada à Cinta, que um grupo de mulheres se reúne semanalmente para tocar e cantar ao som do pandeiro, um instrumento de percussão feito de pele de cordeiro com caixilho de madeira.

O local de encontro é o Centro Social e Paroquial da localidade. Foi aqui que, em 2015, se recuperou uma tradição antiga que definhava por não haver quem lhe desse continuidade.

“Os pandeiros de Fornos surgiram da hora do conto. A partir daí, da recolha de músicas tradicionais, as senhoras que participavam falaram neste instrumento tradicional. E, então, surgiu a ideia de começarmos a aprender”, conta à Renascença a diretora técnica, Conceição Gaspar.

Primeiro, foi preciso fazer os instrumentos. E até não foi difícil, porque ainda havia e há na terra mulheres sabedoras da arte. Amélia Gabriel, de 70 anos, é uma das senhoras que, além de saber fazer, também sabe tocar e com mestria.

“O pandeiro é uma tradição muito antiga que temos cá em Fornos. É feito da pele dos borregos (cordeiros), daqueles já grandinhos. A pele tem de ficar de molho dois a três dias. Depois, com a unha, tem que se tirar o pêlo todo fora. A seguir lava-se bem lavadinha para eliminar o cheiro. Depois, como já temos os aros de madeira, coloca-se a pele bem esticada e segura-se com uns preguinhos miudinhos e depois colocam-se pioneses.”

Dentro, o pandeiro leva caricas de garrafas para enriquecer a sonoridade. Antigamente “levava feijões, mas como depois ganhavam bicho devido à humidade, resolvemos colocar estas 'latinhas' e resulta bem”, observa Amélia, destacando que, “nos quatro cantos, alguns pandeiros levam fitas coloridas”.

Ao lado de Amélia está Olinda Lucas, de 74 anos, outra tocadora exímia. Entra na conversa para dizer que já fez “cinco pandeiros” e que não demorou mais do que três dias. “É uma coisa que se faz rápido. Pelar a pele é que dá mais trabalho e há peles bem difíceis, mas depois uma pessoa a pegar, outra a estender e outra a pôr os preguinhos, é rápido que se faz”, partilha com orgulho.

Albertina Pereira, de 66 anos, conta que começou a fazer pandeiros aos 12 anos. O pai tinha um rebanho de gado e com uma vizinha, que agora é cunhada, começou a fazer os instrumentos musicais para tocar nos bailaricos da aldeia.

“Aos domingos era com o que nos entretínhamos, com os bailaricos, ao som dos pandeiros. Uns tocavam, outros cantavam e outros bailavam e assim se arranjavam uns namoricos”, recorda.

Atualmente, Albertina vive no Porto, mas sempre que vem à terra não perde a oportunidade de se juntar ao grupo para tocar. Por estes dias, o grupo de mulheres – “os homens têm vergonha em tocar este instrumento” - reúne para ensaiar e preparar o reportório para a festa do Senhor da Rua Nova, que acontece todos os anos no primeiro domingo de setembro.

“Há muita gente que vem cá só para nos ver tocar os pandeiros e nós queremos muito manter esta tradição, porque é muito bonita e é cá da gente”, afirma sorridente.

Como se toca o pandeiro de Fornos?

O instrumento musical é composto por duas membranas paralelas, mas apenas uma é usada para tocar. “É com as duas mãos e é conforme o jeito da canção”, atira Amélia Gabriel, exemplificando com a canção “Quando eu saí de Fornos”.

O pandeiro é segurado pelos polegares de ambas as mãos e pelo indicador da mão direita, deixando, deste modo, os outros dedos livres para percutir o instrumento. “Os dedos vão mexendo conforme o ritmo da canção. Às vezes é preciso repetir duas vezes os dedos e às vezes é só uma, que é quando se dá aquela pancada”, diz. E lá vai mais uma pancada.

“Ninguém me ensinou a tocar, eu aprendi com os mais velhos e há pessoas que querem tocar e não conseguem, porque é preciso dar um certo jeito aos dedos”, conta.

Olinda também trata o instrumento por ‘tu’, que é como quem diz ‘até o faz falar’, e realça a importância de se recuperar uma tradição que “ajuda a passar o tempo, à diversão e ao convívio”. “É pelo convívio e pelo amor ao que é nosso que nunca devemos deixar de tocar o pandeiro”, completa Albertina.

Conceição Gaspar, a diretora do Centro Social e Paroquial de Fornos, grande impulsionadora das ‘pandeiras de Fornos’ ainda não conseguiu aprender a tocar, porque, diz, “é difícil, é preciso ter o ritmo e aptidão para a música”. Mas a técnica promete aprender, pois considera que “é importante preservar uma tradição que só existe naquela localidade.

Tatiana Canhoto, de 12 anos, também quer aprender a tocar o instrumento típico da terra, embora, para já, só empreste a sua voz ao canto enquanto observa como fazem as tocadoras. “É difícil. Já tentei tocar, mas ainda não sou capaz e por isso só canto”, conta à Renascença, acrescentando que a dificuldade está “na aprendizagem dos ritmos, para poder tocar e cantar ao mesmo tempo”.

Como vontade é algo que não lhe falta, certamente será uma das próximas tocadoras de pandeiros de Fornos, no concelho de Freixo de Espada à Cinta. E até pode acontecer que na festa do Senhor da Rua Nova junte já à voz umas ´pancadinhas’ no pandeiro.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

  • Nuno Lima
    21 ago, 2018 Vila Nova de Gaia 22:24
    Fica o o meu testemunho que depois de muitos anos de ausência deste instrumento na aldeia de Fornos, foi com muito amor e carinho e também com alguma nostalgia de tempos passados que a Sra. Lurdes Caló teve o empreendedorismo sem fins lucrativos de tornar a dar à sua amada terra, os sons e cantares deste tradicional instrumento, construindo nestes últimos anos algumas dezenas de pandeiros e oferecendo a sua maioria à população de fornos (amigas e conhecidas) tendo a sua iniciativa de construção dos mesmos dado origem a que se voltasse a ouvir na festa popular de Nosso Senhor da Rua Nova e através de uma atuação em palco das suas gentes o tão famoso e agora célebre pandeiro. Saudações a todos os Forneiros.
  • Antonio Caló
    19 jul, 2018 Lisboa 13:11
    Fica a referência que aqui falta... é estranho que não tenham referido que foi a Sra Lurdes Caló que fez os pandeiros...ou tem feito uma grande quantidade deles, tendo sido a maioria, oferecidos, contribuindo para o resurgimento dos cantares em Fornos, por várias mulheres, amigas que se juntam.

Destaques V+