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Prospeção de petróleo é "má onda" ou "não tem impacto no ambiente"?

06 jul, 2018 - 15:50 • João Carlos Malta

Este sábado, 24 praias de todo o país acolhem um protesto contra a prospeção de hidrocarbonetos em Aljezur, no Algarve. Ambientalistas, autarcas e empresários do Turismo são muito críticos da exploração de combustíveis fósseis. Na academia, contudo, há quem defenda que os riscos são diminutos e que não há impacto ambiental direto.

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Margarida Mendes considera que pesquisar e explorar hidrocarbonetos é uma coisa do séc. XIX e que, em pleno séc. XXI, as sociedades têm tecnologias e conhecimento que o podem evitar. Não quis ficar de mãos cruzadas e é por isso que, este sábado às 15h00, promove uma acção de protesto em 24 praias de Norte a Sul do país, juntando pescadores, nadadores e surfistas, sob o lema “Petróleo é má onda”. Quer alertar a população para os riscos dos cinco contratos de concessão de pesquisa e exploração de petróleo atualmente em curso em Portugal.

O tema voltou a entrar na discussão pública recentemente. E se, nas associações ambientalistas, nas autarquias e nas regiões em que se farão os furos, o objetivo é travar o processo a todo o custo, há quem defenda nas universidades que os riscos são mínimos e que não é porque o país não produz energia a partir de combustíveis fósseis que Portugal vai rumar à descarbonização.

O ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, numa audição parlamentar no fim do mês de junho, defendeu que a decisão de avançar com o furo de Aljezur é técnica e que se baseia na conclusão de "várias" entidades que chegaram à conclusão de que não existe impacto ambiental. Mais à frente disse aos deputados que o risco de haver um acidente neste processo é de 0,035%, lembrando que “não há nenhuma atividade humana sem riscos”.

Margarida não podia estar em maior desacordo. Para a ativista, é óbvio que “se fizermos furos de exploração já estamos a atingir várias camadas de biodiversidade” e que, “se um dia mais tarde houver derrames, haverá sempre microfugas e uma contaminação do ecossistema”.

A sua missão com o protesto "Petróleo é Má Onda" passa por reclamar o mar como um espaço público comum. “Não podemos dividir as coisas por áreas sem pensar no ecossistema global”, argumenta.

Para isso, Margarida convoca todos os que residem em Portugal a juntarem-se ao protesto contra a exploração petrolífera com uma cruz desenhada na cara, numa ação simbólica que, esta semana, recebeu uma boa notícia da Justiça. A providência cautelar interposta pela Plataforma Algarve Livre de Petróleo (PALP) para travar a prospeção de hidrocarbonetos ao largo de Aljezur, no Algarve, foi aceite pelo Tribunal e Administrativo de Faro.

Medo do desconhecido?

Aos olhos do geólogo e professor da Faculdade de Ciências da Universidade Lisboa (FCUL), Nuno Pimentel, manifestações como estas decorrem da “diabolização e um certo medo pelo desconhecido”.

“São receios desproporcionados baseados no desconhecimento que as pessoas têm destes procedimentos e deste tipo de atividade, porque em Portugal não há tradição nem indústria petrolífera. Não há essa cultura.”

O doutorado em Geologia cita países como a Noruega, a Inglaterra, o Canadá ou a Holanda, em que esta atividade decorre há décadas e onde “não há este movimento da opinião pública tão forte e tão em pânico”. Aqui, contrapõe, "as pessoas, por um natural medo e por reserva, colocam-se numa postura de ‘não, não quero’, ‘não, não gosto’, é o fim do mundo, é o holocausto”, ilustra.

Já o investigador em alterações climáticas, João Camargo, que dirige a associação ambiental Climáximo, acredita que as recentes decisões judiciais põem a nu “todas as trapalhadas que estão a ser feitas por este Governo nesta área”.

Camargo desmonta aquilo que apelida de tentativa governativa de invocar o interesse nacional através de declarações públicas dos Ministérios do Ambiente e dos Negócios Estrangeiros a favor da indústria petrolífera, num processo em que, argumenta, ainda estão por avaliar os verdadeiros impactos. “Daí a decisão de não fazer um estudo de impacto ambiental a mais de mil metros de profundidade”, reforça.

Riscos ambientais vs. impacto no ambiente?

Para fazer uma comparação, o professor Nuno Pimentel separa o que são “riscos ambientais” e o que é “impacto ambiental”. “Ao contrário de um aeroporto que, além de ter riscos ambientais, tem implicações ambientais, a exploração petrolífera tem riscos, mas não tem impacto”, ressalta.

A evolução técnica, segundo este especialista, leva ainda a que os riscos sejam minimizados “com controlo e regras de segurança muito apertadas”. Os riscos de acidente são comparáveis aos que existem na construção de uma fábrica ou de uma estrada, aponta. "Mínimos face aos benefícios de se encontrar e utilizar petróleo."

João Camargo, também dirigente do Bloco de Esquerda, rebate o argumento: “Os acidentes são sempre possíveis e temos ainda os impactos certos na exploração petrolífera que têm sempre descargas operacionais e poluição associada.”

Pimentel contrapõe que “só no caso de se encontrarem reservas é que haveria a hipótese de haver um derrame" e que "mesmo esse também é diminuído pelas empresas, porque a última coisa que querem é encontrar petróleo e perdê-lo”. Refere ainda que “é mais perigoso ter uma refinaria em Sines, com dezenas de petroleiros a atracar todos os dias, do que fazer um furo”.

O Estado ganha, o Estado não ganha

Em relação aos contratos assinados com as petrolíferas e aos benefícios para os portugueses, João Camargo refere que “são da pior qualidade possível”, “sem nenhum benefício nem para as comunidades locais nem para o Estado sobre eventuais ganhos” e salienta que o impacto no custo de combustíveis ou independência energética será muito reduzido.

Luís Guerreiro, administrador da Partex, empresa de exploração petrolífera que esteve inicialmente presente em dois consórcios dos cinco contratos assinados pelo Estado, discorda. Diz que a importação de combustíveis representa 4% do PIB, “o que é uma enormidade”. “Isto tem um peso significativo no nosso país. Se o pudermos fazer cá, sairemos beneficiados”, sublinha.

O gestor afirma que as empresas que exploram petróleo, mesmo sem terem iniciado a pesquisa no subsolo, já gastaram mais de mil milhões. Por isso, e porque em Portugal não foi ainda descoberta nenhuma reserva, nem “onshore” nem “offshore”, o risco dos privados é maior. Guerreiro argumenta que é a soma desses fatores que faz com que, nestes contratos, o Estado fique, para já, com 5 a 10% dos lucros.

“São percentagens que refletem o risco que há para a indústria”, explica antes de ressaltar que as probabilidades de fazer um furo e não haver reservas de petróleo são enormes.

A isto o professor da FCUL acrescenta um alerta: o de que a exploração de petróleo “não é um El Dourado” nem vai resolver todos os problemas económicos e energéticos de Portugal. “Não ficaremos um país rico, mas também não tem um impacto nulo", sublinha Nuno Pimentel. "Para que haja empresas internacionais que venham a Portugal gastar milhões de euros há que dar contrapartidas que sejam atrativas.”

O impacto no Turismo

O setor do Turismo, especialmente através dos empresários do Algarve, tem assumido um papel preponderante contra o início desta atividade em Portugal, contra o que o administrador da Partex considera ser uma falsa questão. “Em primeiro lugar", aponta, "não há impacto visual para os turistas. A pesquisa é feita a 40 quilómetros da costa. Era impossível ver uma plataforma da praia”.

O representante da indústria petrolífera dá como exemplos o Brasil, os EUA, a Grécia ou Itália, onde a exploração tem peso e não afeta o setor do Turismo. "Olhando para outros exemplos no mundo, vemos que é possível a indústria petrolífera ser compatível com o Turismo. Tem de haver um respeito de ambas as partes.”

A esse facto o líder da associação ambientalista Climáximo responde com outro, o facto de Portugal ser um dos signatários do Acordo de Paris, que visa descarbonizar as economias. Esta iniciativa, refere, vai no sentido contrário aos compromissos assumidos pelo país.

João Camargo fala de incoerência, em primeiro lugar, e quando confrontado com as palavras de João Matos Fernandes, que afirmou que “carbono zero não quer dizer petróleo zero”, responde que lhe apetece dizer que o ministro do Ambiente está a ser “ignorante”. Não chega a fazê-lo porque, a seu ver, “não é ignorância, é propaganda”.

O geólogo Nuno Pimentel acredita que não é por não existir exploração de combustíveis fósseis no país que a economia se torna mais descarbonizada.

“Se Portugal quer limitar as emissões de CO2, o que deve fazer é diminuir o consumo de petróleo. Não é por produzir aqui que queimamos mais ou menos petróleo. Vamos continuar a fazê-lo, porque a nossa sociedade não consegue viver sem petróleo, e temos de escolher: queremos importar da Nigéria, da Rússia ou do Canadá ou usar o que há no nosso território?”

Sem estudo

O Governo decidiu não avançar para uma avaliação de impacto ambiental, numa decisão que teve por base a não identificação de “impactos negativos significativos”. Matos Fernandes afirmou estar “confortável” com a “decisão técnica” da Agência Portuguesa do Ambiente, reiterando tratar-se de uma “decisão administrativa”.

A celeuma foi imediata, algo que o professor da FCUL Nuno Pimentel não entende, porque as empresas fizeram estudos de impacto ambiental e não encontraram problemas que fossem relevantes.

Apesar disso, o especialista entende que a população tenha dúvidas em relação ao que os consórcios apresentam sobre o tema, porque são partes interessadas. E defende que deveria ser o Estado a intervir na discussão e a liderá-la para melhor esclarecer a opinião pública.

Um mundo melhor

Luís Guerreiro, da Partex, afirma que não há ninguém que não seja favorável à descarbonização. “Todos somos a favor de um mundo melhor e queremos deixar um mundo melhor aos meus filhos”, diz. Ainda assim, acredita que a mudança tem de ser “gradual”.

"Não nos deitamos hoje com as energias fósseis e não acordamos amanhã com as renováveis. Essa transição será feita de forma a que não haja uma disrupção que leve ao colapso. Estamos a diabolizar uma forma de energia que nos levou ao que somos hoje", algo que classifica como "espantoso”.

Sem embalar no "jogo das petrolíferas", o investigador de alterações climáticas João Camargo lembra que os argumentos económicos e financeiros ignoram a realidade climática do planeta. "Dizer que daqui a 50 anos vamos continuar a explorar petróleo é fazer o jogo das petrolíferas", remata. "Todos sabemos que não podemos fazê-lo."

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  • Bruno
    25 jul, 2018 Luanda 22:41
    “Se Portugal quer limitar as emissões de CO2, o que deve fazer é diminuir o consumo de petróleo. Não é por produzir aqui que queimamos mais ou menos petróleo. Vamos continuar a fazê-lo, porque a nossa sociedade não consegue viver sem petróleo, e temos de escolher: queremos importar da Nigéria, da Rússia ou do Canadá ou usar o que há no nosso território?” DISCORDO PLENAMENTE! - A nossa sociedade necessita cada vez mais energia, mas essa energia tem que ser cada vez menos proveniente de combustíveis fósseis. Todos os milhões que se gastam em fomentar o desenvolvimento destes recursos são passos para trás na humanidade e quem ainda sustém este tipo de pensamento retrógrado viverá com esse peso na consciência. Viverá com vergonha do que defendeu no passado e verá condenados por crimes contra a humanidade as empresas e entidades que que perpetraram estes mesmos crimes. Milhares morrerão, vítimas do aquecimento global nas próximas décadas. A justiça e a História repartirão o seu sangue pelos cobardes e oportunistas dos nossos dias.

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