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Évora. Bolsa de Voluntariado "pioneira" chega aos cuidados continuados

03 jul, 2018 - 20:13 • Rosário Silva

Dez voluntários vão trabalhar com a Equipa de Cuidados Continuados Integrados 24, um projeto-piloto no concelho de Évora que junta as dimensões relacional e afetiva à dimensão técnica.

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Educadora de infância, no desemprego, Cristina Malarranha é uma das voluntárias que passa a integrar uma bolsa de voluntariado criada para amparar o projeto piloto, de âmbito nacional, a funcionar no concelho de Évora, denominado Equipa de Cuidados Continuados Integrados 24 (ECCI24).

“Como não estou a desempenhar a minha profissão, achei que podia ser útil e prestar um serviço à comunidade”, explica à Renascença esta voluntária de 45 anos.

A Fundação Eugénio de Almeida (FEA) e a Administração Regional de Saúde do Alentejo (ARS Alentejo), uniram-se e assinaram um protocolo de colaboração para a constituição da denominada Bolsa Dedicada de Voluntariado para prestação de apoio aos utentes, familiares e cuidadores da ECCI24.

“Gosto de trabalhar com idosos e estou muito motivada para abraçar este projeto para o qual recebemos formação. É um desafio”, refere Cristina Malarranha, já com outras experiências de voluntariado.

A FEA, compôs o programa de formação que foi concluído por 10 voluntários. Daniela Carrasco terminou a licenciatura em Sociologia, e decidiu inscrever-se.

“Queria sustentar as minhas bases na intervenção social, além de que sempre me interessei pelas questões da sociedade e por ajudar o próximo”, conta-nos a jovem de 21 anos.

“Estou muito motivada, é um enorme desafio para mim”, diz-nos Daniela Carrasco. “Vamos dar apoio emocional ao doente, não intervimos a nível da saúde e dos tratamentos”, esclarece a voluntária.

Para a secretária geral da FEA, Maria do Céu Ramos, esta é “uma resposta de inovação social para uma problemática de fundo” ao qual a instituição se associa “com trabalho de voluntariado”, contribuindo com “o seu know how e certificação de excelência no campo da formação dos voluntários”.

Também José Robalo, presidente da ARS Alentejo destaca a importância dos voluntários neste projeto pioneiro a nível nacional que leva os cuidados continuados a casa das pessoas, em permanência.

“Os voluntários são pessoas que tem uma diferenciação grande em termos de critérios humanos, de proximidade, de afeto, mas também tem formação especifica para o efeito e é uma mais-valia para a nossa equipa técnica e, sobretudo para a população mais vulnerável”, acentua o responsável.

Cuidados Continuados ao domicílio com atendimento 24 horas

O projeto da Equipa de Cuidados Continuados Integrados (ECCI) foi lançado no final de 2016. Uma equipa alargada, com profissionais de diferentes áreas, começou a funcionar no concelho de Évora, numa experiência-piloto no país para prestação de serviços domiciliários, com atendimento 24 horas, a doentes referenciados.

Mais de uma dezena de profissionais, desde médicos a enfermeiros, passando por psicólogos e técnicos de saúde em diversas áreas, prestam cuidados a cerca de 20 doentes e garantem o funcionamento da ECCI, todos os dias do ano, em horário presencial das 8 às 20 horas e em regime de chamada/prevenção das 20 às 8 horas.

O objetivo é prestar serviços domiciliários, decorrentes da avaliação integral, de cuidados médicos, de enfermagem, de reabilitação e de apoio social, entre outros, a pessoas em dependência funcional, doença terminal ou em processo de convalescença, com rede de suporte social, cuja situação não requer internamento, mas que não se podem deslocar de forma autónoma.

A Bolsa Dedicada de Voluntariado é acolhida com muita satisfação pela ECCI24. “Estes voluntários chegam com algo que nós temos pouco, o tempo e esse é um tempo para estar de uma forma disponível e descomprometida com a execução de tarefas técnicas o que, acreditamos, vai dar qualidade de vida ao utente e ao próprio cuidador que tem um trabalho a tempo inteiro muito desgastante”, revela à Renascença, Ana Carla Coelho, enfermeira responsável pela equipa de saúde.

Os voluntários que integram esta área surgem, ainda, como um complemento à resposta técnica que é dada pelos profissionais de saúde.

“Nós temos um utente que está a iniciar um treino de marcha e, para além da visita da nossa fisioterapeuta, nós precisamos que ele execute, fora destas visitas, um passeio até ao jardim”, exemplifica Ana Carla Coelho, para concluir que “o voluntário pode completar a resposta de tratamento, sempre sob a orientação do técnico, com pequenas tarefas que concorrem para o resultado terapêutico da nossa intervenção”.

Um exemplo entre muitos outros que podem ir desde o “voltar a ler o jornal, conversar ou analisar um programa de televisão”, alude.

Uma dimensão relacional que acaba por ser um complemento à dimensão técnica. “Não é uma ida só porque sim, é uma ida integrando um plano de tratamento dos nossos doentes e cuidadores”, menciona, ainda, a enfermeira responsável da ECCI24.

“É preciso investir mais nos cuidados continuados”

Em declarações à Renascença, o coordenador da reforma dos Cuidados Continuados Integrados, Manuel Lopes, sublinha a importância deste projeto de voluntariado que, pelas suas características, é “inédito e pioneiro” no país.

“Neste caso, o grupo de voluntários não assume o papel dos profissionais, mas têm uma função que é supletiva à família no sentido de proporcionar aos utentes alguns momentos de alivio, e ajudando a que estas pessoas possam permanecer nas suas casas o maior tempo possível e com qualidade”, destaca Manuel Lopes.

A Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) foi criada em 2006 para dar resposta a um número crescente de pessoas em situação de dependência decorrente de doença ou simplesmente do processo de envelhecimento. O aumento do número de pessoas a necessitarem destes cuidados levou a que, dez anos depois, o Governo nomeasse um coordenador nacional para a reforma dos cuidados continuados. Um cargo que Manuel Lopes assume desde 2016.

“Sinto que tenho o apoio politico, mas não estou satisfeito enquanto houver uma pessoa que precise e não tenha resposta”, diz este responsável, admitindo que “precisamos de trabalhar muito mais, inovando nas respostas e na introdução de tecnologia que, infelizmente, ainda é muito pouca nos cuidados em casa”.

Em termos do número de camas, o coordenador para a reforma da RNCCI revela que “estamos muito longe dos objetivos, pois era suposto nesta altura termos à volta de 15 mil camas”, existindo apenas “8.500, aproximadamente”. Situação que muda de figura quando se adiciona a resposta que já é dada no domicílio, onde “existem cerca de seis mil camas”.

“Estamos em processo”, adianta Manuel Lopes, mas “é preciso investir muito mais para que a primeira opção seja a resposta em casa, e só depois se optará por respostas de internamento”.
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