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Portugal-Marrocos. O embaixador que convoca um gato para ter sorte

19 jun, 2018 - 17:26 • João Carlos Malta

Há um mês em Portugal, o novo embaixador de Marrocos, Othame Bahnini, revela que a “batalha diplomática” já começou a ser jogada há 15 dias, quando foi apresentar-se a Marcelo Rebelo de Sousa.

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A racionalidade é, em tese, a prioridade dos diplomatas, mas o futebol tem tanto de emoção que até para quem faz da razão arma profissional acaba por recorrer às superstições para poder ganhar a "batalha".

Foi o que fez o novo embaixador de Marrocos em Portugal, Othmane Bahnini, ao ser questionado pela Renascença sobre os prognósticos para o jogo entre as duas seleções na quarta-feira em Moscovo, a contar para a segunda jornada do grupo B do Campeonato do Mundo que decorre na Rússia.

“Eu tenho ouvido falar de um famoso gato que faz os prognósticos e também ouvi dizer que ele escolheu a bandeira de Marrocos”, afirma o embaixador Bahnini, não sem antes soltar uma longa gargalhada.

Animais advinhos à parte, Bahnini está certo de que “o jogo será muito difícil”. E mais, será decisivo para Marrocos depois de ter entrado a perder com o Irão (0-1).

“Penso que para a nossa equipa será um momento importante, eles têm de jogar bem e ganhar. Espero que isso aconteça, mas contra Portugal vai ser difícil, porque é uma boa equipa que tem muito bons jogadores.”

Estudar o adversário

O diplomata não é daqueles que vê futebol todas as semanas, mas confessa que gosta de acompanhar os grandes jogos. Revela que fez o trabalho de casa para se preparar para o jogo desta quarta-feira, leia-se, estudar o adversário.

“Vi o jogo contra Espanha e jogaram muito bem, também vi o desafio de preparação contra a Argélia [a equipa das quinas ganhou por 3-0] e também estiveram muito bem”, ressalta.

As atenções e os temores dos marroquinos, como não podia deixar de ser, estão todos centrados em Cristiano Ronaldo.

“É obvio que é o jogador-chave. Contra a Espanha ele foi claramente a estrela, o homem do jogo e amanhã provavelmente será vigiado de perto pelos jogadores marroquinos. Temos de estar perto dele para lhe tornar as coisas mais difíceis. Mas ele é um grande jogador”, afirma o embaixador marroquino, antes de acrescentar que todo o povo marroquino tem uma grande admiração pelo craque nascido na Madeira.

Bahnini avisa os portugueses que Marrocos também tem argumentos para contrariar Portugal, e que há jogadores que podem desequilibrar o jogo a qualquer momento.

“Eu gosto do Zyesch, o Amrabat que é um dos meus favoritos, mas penso que não jogará contra Portugal, Boutaïb, que é número nove e que não jogou contra o Irão, e ainda o Belhanda”, enumera.

Se a diplomacia entrasse em campo, Bahnini já tinha o discurso preparado. O tom é conciliador. “Em qualquer caso, quer ganhemos ou não, vamos manter-nos amigos e muito próximos. A nossa relação é muito forte a diferentes níveis, quer no campo politico, económico ou cultural. Somos vizinhos e temos interesses comuns, história e património”, argumenta.

Ainda assim, e no meio de tanta amizade, há espaço para algumas picardias institucionais. Desde que chegou a Portugal, as conversas sobre o jogo do Campeonato do Mundo de Futebol têm dominado os encontros entre os responsáveis dos dois países.

Marcelo e a luta

Othmane Bahnini conta uma história que é uma “semiconfidência” sobre o encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, que decorreu há 15 dias.

“Quando fui apresentar as minhas credenciais ao Presidente da República discutimos as relações bilaterais e ele disse-me: 'Somos muito próximos, mas vamos lutar no dia 21 de Junho'. E eu respondi-lhe: 'Não se preocupe, vamos manter-nos amigos'. Nessa altura, disse-lhe ainda que íamos ambos classificar-nos para a segunda fase e juntos, para termos a certeza de que a Espanha e o Irão não passam."

Não é a primeira vez que Portugal e Marrocos jogam num Mundial de Futebol, isso aconteceu há mais de vinte anos no México, e os portugueses não se ficaram a rir.

Bahnini lembra-se quase como se fosse hoje desse dia. Foi histórico. “Consigo recordar-me do jogo e dos momentos em que marcámos o segundo e o terceiro golos. Lembro-me muito bem, porque é uma memória maravilhosa.”

A alegria então não foi apenas dos marroquinos, mas de todos os africanos e árabes. “Nessa altura, em 1986, fomos a primeira equipa e foi a primeira vez que uma equipa africana passou à segunda fase. Foi um grande momento para nós, e para a nossa história. Recordo-me que era estudante e celebrei com os amigos. Saímos toda a noite”, conta a sorrir.

17 em 23 nasceram fora do país

A equipa de Marrocos é agora conhecida pela sua multiculturalidade. Isso tem também repercussões no estilo de jogo da equipa, que muitos consideram mais europeu do que africano. Dos 23 convocados para a Rússia, 17 nasceram no estrangeiro. Nos treinos da seleção falam-se muitas línguas: o francês, o espanhol, o árabe ou holandês, entre outras.

Isso cria problemas? "Marrocos é um país multicultural. Temos uma importante comunidade da diáspora, na Europa sobretudo, e essas pessoas estão muito ligadas a Marrocos”, começa por explicar.

O embaixador confessa que, no início, os jornalistas falaram da dificuldade de os jogadores conseguirem interagir e conversar entre eles dentro da equipa, mas ele tem uma certeza: “Há uma linguagem que todos percebem: a do futebol. Agora vemos uma equipa muito coerente e integrada. Eles jogaram muito bem durante a qualificação. Não sofreram nenhum golo e espero que amanhã joguem o melhor que sabem.”

Um desafio para depois do jogo

No que diz respeito às relações entre os dois países, o novo embaixador classifica-as de “muito boas”.

“É minha intenção ser criativo para melhorá-las e criar outros centros de interesse. Esse é o meu desafio”, promete Othmane Bahnini.

Os dois países mantêm interesses geopolíticos comuns que passam, por exemplo, pela partilha do Mediterrâneo. “Temos os mesmos desafios e problemas, e por isso temos de cooperar”, lança o diplomata, antes de concretizar: “O combate às redes de tráfico de droga e de imigração ilegal necessita de cooperação e troca de informação. É importante para os dois países manterem a segurança das pessoas”, argumenta. “Temos ainda outro tipo de desafios: a troca de eletricidade. Estamos a trabalhar num grande projeto para ligar os dois países através de um cabo e exportar energia verde.”

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