30 mai, 2018 - 15:00
Nas paredes, os quadros emoldurados dos prémios que mais de 60 anos de história contabilizam. No grelhador, as últimas sanduíches míticas que ganharam fama pelo seu recheio de enchidos e molho ímpar. Ainda saem os finos, mesmo à moda do Porto, e o ambiente em volta continua com a mesma áurea típica de outros tempos. Ainda se reúnem amigos em torno das mesas e o tilintar de copos e talheres parece abafar um futuro de incerteza.
Francisco Passos, gerente e sócio de "A Regaleira", não usa avental, mas veste a camisola de um negócio familiar, que é também a casa-mãe da francesinha. O petisco nasceu na cozinha do avô, Daniel David Silva, quando, na década de 50 do século passado, regressou de França, para onde tinha emigrado, com ideias novas.
O pioneiro inventor prometeu criar uma tosta única, inspirada numa sanduíche do país das luzes - a "croque-monsieur". Adicionou-lhe, depois, a alma do negócio, o segredo: um molho apurado, que prometia tornar as portuguesas tão picantes como as mulheres francesas.
O número 87 da rua do Bonjardim conta uma história de sucesso que agora parece estar ameaçada. "Temos um futuro muito incerto e estamos, neste momento, a delinear estratégias para dar continuidade da nossa situação comercial. Estamos a tentar arranjar a melhor estratégia, tanto para a sociedade, como para os empregados e mesmo para a cidade, de modo a que 'A Regaleira' não desapareça. É esse o nosso principal objetivo", conta Francisco Passos, à Renascença.
A pressão imobiliária não tem poupado as casas mais antigas do Porto e “A Regaleira” não é exceção: "'A Regaleira' está sempre em risco, como todas as outras sociedades comerciais aqui no centro do Porto que possuem um arrendamento.”
Já em outubro e novembro as notícias davam conta do risco que a casa-berço da francesinha corria. E nem o programa "Porto de Tradição", no qual o restaurante onde a francesinha nasceu está incluído, é garantia. "A candidatura ao 'Porto de Tradição' já foi feita antes de novembro. Aliás, nós fomos das lojas que entraram logo no início desse processo. Entretanto, o nosso processo foi várias vezes impugnado e recebemos a notícia efetiva há cerca de um mês: já somos 'loja de tradição'", explica o gerente.
Apesar disso, Francisco Passos encara a “pressão imobiliária” como um fenómeno “natural”. Lamenta apenas as ameaças a que as casas históricas do Porto estão sujeitas. "Os senhorios estão solidários com a situação, mas, ao mesmo tempo, este é um património deles e têm todo o direito de o vender. Por um lado, faz sentido que não o vendam. Por outro, faz sentido que vendam. São negócios e temos de os respeitar assim", complementa.
Agora, uma revogação do contrato de arrendamento veio provocar o fecho do restaurante depois de 31 de maio: "Há várias negociações em cima da mesa, mas a nível prático não temos grandes novidades. Não sabemos para onde vamos... O futuro é muito incerto para este restaurante. Nós temos vários planos alternativos, mas muitos deles não são concretizáveis."
O Porto deve à "Regaleira" um dos seus traços gastronómicos mais identitários: a francesinha. Mas, para o neto do fundador, há ainda outros motivos para reabrir o negócio de família num lugar ainda a determinar. "A Regaleira faz parte da cidade do Porto desde 1934. Foi aqui que se inventou a francesinha. É um restaurante com bastante história, já passou muita gente por aqui, aliás, personalidades muito características da cidade do Porto. Essa é uma das razões principais por que esta casa se deve manter aberta. Estamos a fazer os possíveis para que aconteça isso", lembra o gerente.