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O congresso da esquerda do PS. Ou talvez não

27 mai, 2018 - 15:34 • Eunice Lourenço

Os discursos de esquerda de Pedro Nuno Santos e Manuel Alegre fizeram sucesso e colheram aplausos, mas no verdadeiro poder socialista anseia-se pela libertação da “geringonça”.

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“Mário Soares enterrou o PREC, mas ainda retomamos os trabalhos no ponto em que estavam a 24 de Novembro” - na noite de sábado, já encerrados os trabalhos do segundo dia de Congresso, era assim que uma destacada figura do PS comentava aquilo que parecia ter sido um dia de congresso da esquerda do PS.

Os elogios à solução de esquerda que sustenta o atual governo, a defesa de que esse caminho continue depois das legislativas do próximo ano, os discursos contra o bloco central e a rejeição de um caminho de diálogo com o PSD não só tomaram conta do palco da ExpoSalão, na Batalha, como arrancaram os maiores aplausos dos congressistas.

Pedro Nuno Santos, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares e do Diálogo com a Esquerda, foi, naturalmente, o expoente desse discurso e conseguiu o expoente dos aplausos, levantando o Congresso. Defendeu o povo que trabalha muito e ganha pouco, o papel do Estado como garante das liberdades a tentou afirmar-se como o verdadeiro intérprete do verdadeiro socialismo.

Quase a seguir, teve a benção de Manuel Alegre. “Estou com os mais jovens contra a tentativa centrista”, anunciou o poeta, para quem a “terceira via” é culpada do quase desaparecimento da esquerda na Europa e que acredita que uma viragem de direita representaria “um risco de morte para o PS”.

Alegre até foi uma das poucas vozes que defenderam que o PS “não deve ter medo de pedir uma maioria absoluta” nas legislativas de 2019, mas também entende que, mesmo que os socialistas a alcancem, devem continuar a governar com o apoio da esquerda à sua esquerda.

Os dois - Pedro Nuno e Alegre, mas mais Pedro Nuno do que Alegre - entusiasmaram o congresso, que se levantou em aplausos. A contrastar com a quase clandestinidade do ótimo e curto discurso de três minutos de Augusto Santos Silva, a indiferença perante o sereno, mas consistente discurso de Fernando Medina ou os assobios ao discurso contra-corrente de Francisco Assis.

O eurodeputado - que, em 2011, foi candidato à liderança do partido e teve 35 por cento dos votos nas eleições diretas ganhas por António José Seguro - defendeu que o PS deve governar sozinho. Num discurso ao mesmo tempo provocador e conciliador, Assis como que regressou ao PS e centrou-se nesse PS que quer ver sozinho a governar. Elogiou António Costa por ter anestesiado os seus parceiros de esquerda e considerou-o um ótimo primeiro-ministro. “Imagino o grande primeiro-ministro que poderás ser” sem a camisa de forças da geringonça, disse Assis, perante um António Costa que o ia ouvindo com grandes sinais de satisfação.

Assis, no fundo, disse aquilo que Costa quer, mas não pode dizer. Nem no palco da Batalha, nem nas reuniões internas do PS. Mas que é também aquilo que os seus próximos, aqueles que de facto são poder no PS e no Governo também desejam, de Augusto Santos Silva a Ana Catarina Mendes, de Carlos César a Mário Centeno. O ministro das Finanças, que esteve presente no encerramento, foi, aliás, o ausente mais presente ao longo de todo o fim-de-semana, graças aos vídeos que iam lembrando os sucessos do governo e sendo aplaudidos pelos congressistas.

O PS que conta e que quer continuar a ser um “partido central” da democracia portuguesa, na expressão de Santos Silva, e anseia por se libertar dos constrangimentos da “geringonça”, quer maioria absoluta ou, pelo menos, autonomia absoluta. Quer continuar a ser, ainda citando o número dois do Governo, “o partido da esquerda democrática, progressista e europeísta”. E quer sê-lo à sua maneira, à maneira de António Costa, que escolheu uma versão instrumental da música do Xutos para as suas entradas neste congresso.

“E as forças que me empurram/E os murros que me esmurram/ Só me farão lutar à minha maneira”, diz a letra. A maneira de Costa, neste momento, tem de se reduzir a discursos pobres de propostas e promessas, vagos de ideias e vazios de estratégia política, porque as circunstâncias não permitem muito mais.

Enquanto os resultados eleitorais não lhe permitirem passar de Grande Negociador a Grande Reformador, o líder socialista continuará assim, dando, ora corda aos ímpetos de esquerda de Pedro Nuno Santos ora poder ao pragmatismo de Santos Silva e à serenidade de Ana Catarina Mendes.

E, ao mesmo tempo, vai assistindo bem instalado, às manobras dos seus eventuais sucessores. Pedro Nuno não esconde a ambição e há muito que faz o trabalho junto do aparelho partidário tão necessário às suas pretensões. Fernando Medina, que Costa escolheu para herdeiro em Lisboa, não entusiasma, por enquanto, o partido e não parece ter algumas das características e a vontade necessárias para um candidato a líder partidário. Mas pode, um dia, ter ao seu serviço, os votos que já foram de Assis em tempos e que Ana Catarina Mendes será capaz de gerir em proveito próprio ou de outrem.

Além do apoio do próprio Costa que fez questão de, a abrir o congresso, se entronizar como herdeiro de Mário Soares, e de avisar, a fechar o discurso na Batalha, que ainda não meteu os papeis para a reforma. Acho que só os meterá quando souber que deixa o seu partido à sua maneira, bem entregue àquele que ele escolher.

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