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Filhos da ditadura e da guerra colonial. Uma história que estava por contar

23 mai, 2018 - 00:37 • Entrevista moderada por José Pedro Frazão e Ana Galvão

Crianças detidas por serem filhos de resistentes anti-fascistas. Outras ainda hoje só sabem que o pai era um militar português. Susana Sousa Dias e Catarina Gomes estiveram na Renascença a falar sobre os filhos da ditadura e da guerra colonial.

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Catarina Gomes e Susana Sousa Dias na Tarde da Renascença


Susana Sousa Dias, autora do documentário “Luz Obscura”, e Catarina Gomes, que assina o livro “Furriel não é nome de pai” estiveram na Tarde da Renascença a falar sobre os filhos dos presos políticos e dos militares portugueses que ficaram nas ex-colónias.

Susana Sousa Dias falou com os filhos de Octávio Pato, resistente antifascista, preso político e dirigente do PCP, e conta como as memórias da clandestinidade e da prisão ainda estão bem vivas muitas décadas depois.

“Quando falei com eles – os três filhos do Octávio Pato que viveram na clandestinidade e com os avós, com a ausência do pai – era muito estranho porque estava a falar com adultos que de repente se tornavam criança. Assiste-se a uma metamorfose. Como adulto há um discurso coerente, com principio, meio e fim e, de repente, quando a criança emerge e, por vezes é uma coisa tão forte que o discurso começa a desagregar-se e transforma-se em imagens.”

“Para eles é extremamente traumático. Eles estavam sempre a chorar. A memória estava totalmente à flor da pele e era com se as coisas tivessem acontecido no dia anterior”, explica a autora de “Luz Obscura”.

Susana Sousa Dias conta como os filhos de Octávio Pato chegaram a viver na cadeia quando eram crianças, porque a polícia política prendia os familiares mais próximos.

Catarina Gomes partiu para África ao encontro dos filhos de militares portugueses e, com base nesses testemunhos, escreveu o livro “Furriel não é nome de pai”.

A jornalista diz que encontrou pessoas que “vivem com o vazio do desconhecido”.

“Sobretudo na minha experiência da Guiné, eu era quase como se representasse Portugal. Não é só uma questão de memória, eu estava ali quase como se fosse uma possível mensageira, é uma forma de eles transmitirem ao pai português: ‘olha, nós estamos aqui. Vem aqui, ainda vens a tempo’. Não tenho a menor dúvida que são milhares de pessoas”, admite.

Catarina Gomes diz que os filhos de militares portugueses que ficaram nas antigas colónias sofriam um estigma social, por serem encarados como uma herança portuguesa que a sociedade não queria.

“O tom de pele era uma espécie de sinal de que aquelas pessoas eram diferentes, eram ‘filhos de tuga’, como eram conhecidos os portugueses no tempo da guerra. A vida destas pessoas foi brutal no pós-independência. Eram crianças, eram esmurrados na escola, eram chamados ‘restos de tuga’. Eles eram restos do colonialismo. São pessoas apanhadas na História. A seguir à independência o tuga era o inimigo. E aquelas crianças inocentes eram um bocadinho o símbolo do que tinha ficado para trás. Eram castigadas na sociedade e na família, por causa disso”, refere a autora de “Furriel não é nome de pai”.

“Há um silencio enorme. Estes filhos não ousam perguntar às mães sobre as origens. Há ali um respeito e, ao mesmo tempo, uma curiosidade sobre este passado quase indizível das mães: ‘por que é dormiram com um português?’”, diz Catarina Gomes.

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  • César Augusto Saraiva
    25 mai, 2018 Maia 11:13
    Coisa pouca! Se querem mesmo saber quantos "filhos de tuga" - mulatos e cabritos - ficaram em Angola, recuem aos anos 45/60, altura em que não havia nenhum Furriel, sobretudo na Gabela - Amboim - Angola, outrora «África Ocidental Portuguesa»... Decerto que terão aí matéria de bradar aos céus!...
  • Renato Gomes Dantas
    23 mai, 2018 Brasil 09:41
    Parabéns pela matéria e pelas obras destacadas!!!

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