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Tribunal condena menor a viver com abusador

12 jun, 2018 - 10:45 • Marina Pimentel

Três juízas de Guimarães condenaram um homem a pena suspensa por abusar sexualmente da sobrinha, menor e com défice cognitivo. Com esta sentença, o arguido continua autorizado a viver sob o mesmo teto que a vítima.

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Tinha nove anos quando aconteceu pela primeira vez. Estava deitada. O tio disse-lhe que tinha bichos na cama. A menina levantou os lençóis para ver e ele entrou na cama e começou a apalpá-la.

Os abusos repetiram-se pelo menos três vezes. Sempre que ouvia alguém chegar a casa, o tio escapulia-se. Não sem antes avisar a menina de que, se contasse a alguém, lhe matava a mãe e a avó.

A menor tinha estado numa família de acolhimento, antes disso numa instituição. Tinha acabado de regressar à Povoa do Lanhoso, à casa materna, onde também viviam uma tia, uma irmã, menor como ela, os avós e o tio.

A menor fala pela primeira vez do que o tio lhe fez à professora, depois a uma psicóloga. O caso segue para julgamento no Tribunal Criminal de Braga.

Na decisão do tribunal, a que a Renascença teve acesso, pode ler-se que o agressor tinha plena consciência dos seus atos e que, para satisfazer os seus instintos sexuais, se estava a aproveitar de uma menor com um défice cognitivo, circunstâncias que a tornavam especialmente frágil e vulnerável. No decorrer do processo judicial é também feita prova de que o agressor tinha antecedentes criminais.

A família, onde agressor e vítima coabitavam, foi classificada pelo tribunal como disfuncional, sem hábitos de trabalho, com problemas de alcoolismo e com relações de promiscuidade, sobre as quais não foi manifestado qualquer sentido crítico. A menor é ela própria fruto de uma relação da mãe com um tio.

O tribunal dá como provados os abusos e condena o agressor a três anos de cadeia. Mas com pena suspensa.

As três juízas que assinam a decisão, datada de novembro último, entendem que, embora o arguido não dê sinais de arrependimento, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam as finalidades da punição e que a família “disfuncional e promíscua” será capaz de impedir novos abusos.

Não é decidida qualquer medida de afastamento do agressor, embora se reconheça que a menor tinha medo de regressar a casa, a mesma onde coabitava com o tio. O Ministério Público, que além de exercer a ação penal tem deveres especiais de promoção e proteção de menores, não recorre da decisão.

Recurso para a Relação de Guimarães

A decisão da Relação é muito recente (maio 2018). O tribunal de segunda instância toma conhecimento do processo de uma maneira inusitada: o arguido não aceitou a condenação e recorreu, só que o tiro saiu-lhe pela culatra.

Na decisão consultada pela Renascença, os dois juízes da Relação de Guimarães que a assinam validam a ponderação da prova feita pela primeira instância, que condena o abusador a três anos de cadeia. Contudo, arrasam a decisão de lhe suspender a pena.

A Relação não esconde a sua perplexidade face à decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, nomeadamente o facto de este ter considerado que uma família que tentou que a menor voltasse atrás na denúncia e que ele próprio classifica como "disfuncional e promíscua" é capaz de evitar novos abusos.

Na sentença é ainda criticada a opção de suspender a pena a um abusador sexual sem lhe decretar medidas de afastamento da vítima menor, com quem partilha o mesmo teto.

Os dois juízes decretam nulo o acórdão e mandam repetir o julgamento noutro tribunal. Notificam também, com caráter de urgência, a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJ) da Póvoa do Lanhoso.

A Renascença contactou a CPCJ, que nos informou que, em janeiro de 2016, decretou uma medida de promoção e proteção da menor. Mas a mãe não concordou. Por essa razão, o processo seguiu para o Tribunal de Família de Braga.

Invocando o sigilo deste tipo de casos, o tribunal em questão não quis prestar esclarecimentos. Já o Ministério Público confirmou à Renascença que a menina abusada pelo tio está acolhida numa instituição deste agosto de 2017.

A decisão de suspender a pena a abusadores de menores é muito comum na Justiça portuguesa. Tal como a rádio já antes divulgou, daqueles que foram condenados em 2016 apenas 85 cumpriram pena de prisão, com 182 a beneficiarem de pena suspensa. Em 2015, do total de 218 condenados apenas 15 tiveram prisão efetiva.

Comentários
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  • fanã
    12 jun, 2018 aveiro 16:32
    Sra. P.G.R , Joana Marques Vidal. esta pobre criança está de novo entregue a barbaridade, com a bênção de três das vossas Juízas ( se tal titulo merecem ) . Ponha ordem na casa da Justiça que de dia a dia perde credibilidade. Ou feche as três Juízas por uns dias numa cela com o violador . Veremos depois qual será o veredicto !
  • José J Cruz Pinto
    12 jun, 2018 Ílhavo 12:46
    É uma veleidade - ou, melhor, uma completa IDIOTIA - pensar que a justiça portuguesa (com letra pequena) nos deve merecer o mínimo de confiança. Não será possível (1) mandar traduzir o Código Penal Português para algumas das línguas principais, (2) porque a Lei e a Justiça emanam da Sociedade e não o inverso, demitir compulsivamente, sem qualquer medo nem hesitação, tantos juízes (e juízas) quanto(a)s o(a)s necessário(a)s, e (3) contratar de imediato outro(a)s tanto(a)s juízes/juízas estrangeiro(a)s para o(a)s substituir ?
  • VICTOR MARQUES
    12 jun, 2018 Matosinhos 12:05
    Não acredito!!!... O "Dia das mentiras" foi a 01/Abril!!! Mas, a ser verdade, que mais fará essa "bicharada" no período do cio?! O agressor foi condenado com pena suspensa???!!! Suspenso numa corda seria o melhor veredicto...

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