16 mai, 2018 - 00:45 • Catarina Santos
Depois do dia mais sangrento veio o dia dos primeiros funerais – e de mais manifestações. Os protestos repetiram-se na Faixa de Gaza, esta terça-feira, perto da fronteira com Israel, onde se registaram mais dois mortos, vítimas de disparos israelitas. Houve manifestações também em Ramallah, na Cisjordânia.
Na segunda-feira, pelo menos 60 palestinianos foram mortos pelas forças israelitas e mais de 2 mil ficaram feridos, quando protestavam junto à vedação que delimita a fronteira, em Gaza, recorrendo ao arremesso de pedras e materiais em chamas. A resposta, como tem acontecido desde que se iniciou a “Marcha do Retorno”, foi com fogo real e gás lacrimogéneo.
De acordo com o ministério da saúde de Gaza, controlado pelo Hamas, entre os mortos há oito menores de 16 anos, incluindo uma bebé de oito meses, Laila al-Ghandour, que terá inalado gás lacrimogéneo. A informação foi mais tarde contestada por outro médico de Gaza, que afirmou à Associated Press que a bebé já tinha problemas de saúde e que não acreditava que tivesse sucumbido devido ao gás disparado por Israel. O médico falou sob anonimato.
Condenação generalizada, pedidos de investigação na ONU
Grande parte da comunidade internacional condenou a violência em Gaza, considerando-a desproporcionada. França, Reino Unido e Suécia defenderam uma investigação ao uso da força pelo exército israelita, esta terça-feira, durante uma reunião de emergência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, solicitada pelo Kuwait.
No encontro, em Nova Iorque, o coordenador especial das Nações Unidas para o processo de paz no Médio Oriente afirmou que se tratou de um “dia de tragédia”. “Não há qualquer desculpa para as mortes. Não há desculpa. Não serve a ninguém. Certamente não serve a causa da paz”, disse Nickolay Mladenov, via teleconferência a partir de Jerusalém.
Sublinhando que Israel tem o direito de proteger as suas fronteiras de infiltrações e do terrorismo, Mladenov reforçou que tal deve ser feito de forma proporcional e que deve investigar cada incidente que tenha levado à perda de uma vida.
EUA: “Nenhum país aqui reagiria com tanta contenção”
É, no entanto, altamente improvável que um pedido oficial de investigação venha a acontecer, uma vez que seria sempre vetado pelos Estados Unidos – como aconteceu desta vez.
A embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, apontou o dedo ao Hamas, acusando o grupo que governa Gaza de “incitar à violência há anos, muito antes de os EUA decidirem mudarem a sua embaixada”. Haley afirmou que nenhum outro país na sala deixaria de proteger as suas fronteiras, como fez Israel. “Nenhum país aqui reagiria com tanta contenção”, sustentou.
A administração norte-americana tem insistido que continua empenhada na procura de uma solução de paz para a região. Quando o embaixador da Palestina na ONU se preparava para falar, Nikky Haley abandonou a sala.
O entornar da diplomacia
Israel e administração apontaram em uníssono baterias ao Hamas, mas esta terça-feira, questionado sobre se subscrevia esta teoria, o secretário da Defesa dos Estados Unidos, Jim Mattis, disse que preferia não comentar até se conhecerem “todos os factos”. Mattis respondia aos jornalistas no Pentágono, onde recebeu o ministro da Defesa da Islândia, Thor Thordarsen.
Uma das reações mais veementes partiu do Presidente turco, que esta terça-feira se encontrou no Reino Unido com a primeira-ministra britânica. Recep Tayyip Erdoğan classificou os eventos de Gaza como “um massacre horrível” e Theresa May afirmou que “há uma necessidade urgente de se esclarecerem os factos” sobre o que aconteceu.
No dia anterior, Erdoğan tinha ido mais longe, acusando o primeiro-ministro israelita de ter “sangue palestiniano nas mãos” e de ser “um Estado terrorista”, e convocou o regresso a Ancara dos embaixadores turco em Israel e nos Estados Unidos. Benjamin Netanyahu, por sua vez, acusou o Presidente turco de ser “um dos maiores apoiantes do Hamas” e insinuou que Erdoğan "sem dúvida” entendia muito bem “o que significa terrorismo e massacre".
A Turquia solicitou ainda uma reunião da Organização para a Cooperação Islâmica. O grupo de 57 Estados-membros deverá encontrar-se na sexta-feira para discutir os acontecimentos em Gaza e as consequências na relação com Israel.
Porque inflamaram os protestos há seis semanas?
Desde 30 de Março, milhares de palestinianos têm participado todas as sextas-feiras na “Grande Marcha do Retorno”, que culminou esta terça-feira com o assinalar na “Nakba” – termo que significa “catástrofe” e que se refere ao dia 15 de maio de 1948, quando cerca de 700 mil palestinianos foram forçados a abandonar as suas casas, depois da fundação do Estado de Israel.
Mais de 100 pessoas foram mortas por fogo israelita desde o início dos protestos, que decorrem junto às fronteiras com Israel. À revolta contra as condições de vida nos territórios palestinianos, onde entradas e saídas de bens e pessoas são condicionadas por Israel, soma-se o protesto contra a abertura da embaixada dos Estados Unidos em Jerusalém, esta segunda-feira.
A cidade santa é reivindicada como capital por Israel e a zona oriental é reivindicada pela Palestina. A comunidade internacional mantinha-se neutra sobre a matéria, defendendo que o estatuto da cidade deveria ser definido num acordo de paz a firmar entre as duas partes. A iniciativa de Donald Trump precipitou novo inflamar de tensões na região.