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Francisco José Viegas

“Quando penso em poetas dá-me vontade de contar anedotas”

14 mai, 2018 - 14:30 • Maria João Costa

Depois de um interregno de alguns anos, Francisco José Viegas regressa à poesia. Lança esta segunda-feira “Juncos à Beira do Caminho”, com chancela Caminho.

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Como uma espécie de declaração de intenções, Francisco José Viegas diz que não tem “jeito para falar de poesia”. Já perdeu a conta aos anos que não publica poemas, mas cedeu à insistência do seu primeiro editor de poesia, Zeferino Coelho, e reuniu um conjunto de textos no livro “Juncos à Beira do Caminho”, que agora chega às livrarias.

Sobre o que escreve, diz que é uma espécie de “trabalho de geógrafo”. Transmontano de raiz, Viegas enche esta geografia poética dos seus lugares, mas também de memórias e gentes. Há ainda “um bocadinho o testemunho da idade”. Sobre se se sente confortável com a ser classificado de poeta afirma: “Quando penso em poetas, dá-me vontade de contar anedotas.”

Há muito tempo que não publicava poesia. "Juncos à Beira do Caminho" é um regresso à escrita poética?

É um regresso, mas eu não tenho com a poesia a mesma relação disciplinada e mais ou menos permanente que tenho com a ficção. Também parto do princípio de que a poesia não tem muito a ver com a literatura, não faz parte do chamado corpo da literatura. É uma coisa à parte, tem muito mais a ver com o sentimento religioso, com um afastamento das coisas do mundo. Daí um certo silêncio e depois a obrigação de escrever que o editor Zeferino Coelho impôs e que foi muito importante para este livro.

No primeiro poema do livro lê-se: "A matéria da poesia mudou muito". Em que é que mudou?

No meu caso acho que mudou porque as coisas que me interessam agora são outras. Este livro é muito marcado pelas recordações - mas isso é quase toda a poesia - e por uma espécie de balanço. E depois também por duas ou três coisas que são muito importantes que é uma grande ironia acerca da própria literatura e uma revisitação aos lugares da minha vida que são, sobretudo, Trás-os-Montes, o Douro e as terras que guardo no coração. É uma espécie de trabalho de geógrafo.

Mas é uma geografia habitada, porque em cada poema há memórias de familiares e de pessoas com quem conviveu?

Tem muito a ver com a família e com o desaparecimento gradual da família, que é uma das notas de uma série de poemas, mas não é um livro triste. A certa altura diz-se que "a melancolia é uma espécie de visitação a Deus” ou que "Deus favorece a melancolia", tal como a beleza. Acho que há um bocadinho o testemunho da idade.

E a poesia acontece quando?

A poesia tem muito mais a ver com a revelação do que propriamente com explicação. Tenho muito pouco jeito para falar de poesia porque, para mim, a poesia é isto, é isto que está aqui. Não tenho nada a dizer sobre ela.

Não se explica?

Não. Eu não tenho uma explicação. Há pessoas que têm uma explicação para cada poema, para cada verso, eu não tenho, mas isso não é culpa minha, é a culpa da própria poesia, que acho que tem essa natureza inexplicável.

Sente-se confortável se for apresentado como poeta? Ou prefere ser "o escritor" e "o editor”?

(Risos) Custa-me muito. Aliás, há vários poemas sobre os poetas e ironizando costumo dizer: "Quando penso em poetas, dá-me vontade de contar anedotas." Dá-me vontade de ser sarcástico e dá-me vontade de ser irónico sobre a vida dos poetas e a importância dos poetas, a importância que os poetas se dão. Havia uma personagem da minha literatura que dizia "Gosto muito de poesia, mas o poeta não tem o direito de se apresentar vivo!" Prefiro não falar do “poeta”. Sim, escrevo poesia mas, como digo, a poesia não tem que ver com a literatura. No caso da literatura, aí sim, tenho coisas a defender. Faço ficção num género que é pouco considerado, mas gosto. No caso da poesia, não. É mesmo uma procura de uma revelação.

Daí este interregno tão grande até publicar um novo livro de poesia?

Nunca dei muita importância ao meu trabalho como autor de poesia, por isso nunca insisti em reuni-la. Mas a certa altura percebi que tinha um volume considerável de poemas escritos, alguns deles era uma pena não os publicar... Os menos maus...

É o editor a falar?

É o editor... Acho que os poetas se devem dar com gente que não gosta de poesia para perderem um pouco aquela soberba natural de que o poeta é superior. O poeta é importante, desde que a sua poesia chegue ao coração das pessoas, desde que a sua poesia possa ser lida e comunicada de uma pessoa para outra. No meu caso, este silêncio teve a ver um bocadinho com a incredulidade. Vale a pena? Não vale a pena? A certa altura fiquei um pouco incrédulo. Este livro deve muito ao editor Zeferino Coelho, da Caminho, que a certa altura insistiu. O Zeferino foi o meu primeiro editor de poesia. Deve muito a ele, porque ele insistiu e gostou de tudo aquilo que tinha lido, portanto este livro também é para ele.

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