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Vai a geopolítica ditar o vencedor da Eurovisão?

11 mai, 2018 - 18:22 • Rui Barros

A resposta mais simples: é um fator de muito peso. Mas num ano atípico, onde “habitués” como a Rússia falharam a final, o microfone de vidro pode mesmo ir para o país que souber mobilizar melhor a sua diáspora e convencer o júri.

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Entre 1981 e 2003, Chipre não deu um único ponto à Turquia. A invasão turca de 1974 e a declaração unilateral de independência da minoria turca na ilha do Mediterrâneo estão bem presentes na memória dos cipriotas. É por isso que, na hora de distribuir votos pelas canções do Eurovisão, um festival que se declara “apolítico” torna-se um campo de batalha informal, um tabuleiro onde se jogam influências e onde as relações diplomáticas têm muito peso.

Tiago Batista, de 24 anos, autor da tese “A Geopolítica e a votação no Festival Eurovisão da Canção”, não tem dúvidas sobre esse peso: “Notam-se certas tendências. Os conflitos têm influência real na votação”, diz à Renascença.

Foi este o motor do seu trabalho para avaliar o impacto da mudança do modelo de votação, quando este passou a combinar, em mesmo grau de importância, o televoto e a opinião do júri. Durante a investigação, Batista deparou-se com padrões e histórias que refletem tudo menos um festival livre da influência política entre nações.

Tomemos o caso do Azerbaijão, cujas autoridades quiseram saber, em 2009, o nome daqueles que revelaram uma “atitude antipatriótica” ao votar na canção da Arménia. Ou o caso da Grécia que, na edição de 2006, realizada em Atenas, fez questão de escrever “Antiga República Jugoslava da Macedónia", assim mesmo, por extenso, no grafismo oficial, por causa da disputa pelo nome que divide os países vizinhos há anos.


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“É natural que se vote nos países com os quais se sente mais afinidade”, defende o mestre pelo ISCTE, que, apesar de tudo, concluiu que o novo modelo com recurso a televoto veio mitigar a influência da geopolítica no festival.

Olhando para o historial, fica claro, por exemplo, que Portugal dá muitas vezes 12 pontos (a pontuação máxima) à Espanha. Outro caso é o da regular troca mútua de 12 pontos entre Chipre e Grécia - uma celebração da amizade entre as duas nações.

Ainda que não faltem reflexos de factos históricos na forma como os europeus distribuem pontos entre si, seria inocente pensar que tudo isto é História. A primeira edição do eurofestival em Portugal poderá ficar na memória lusa como uma doce recordação – afinal, esperámos mais de 50 anos por este momento – mas, na Rússia, soube-se na quinta-feira que esta seria a primeira vez que o país não chegaria à final.

"É provável que o clima de tensão com o Ocidente tenha influenciado", aponta o investigador à Renascença. "Não sei quanto ao voto, mas, pelo menos na arena, as pessoas expressavam-se. Já tinha acontecido noutros anos ouvirem-se assobios depois das atuações russas."

Fazer valer a diáspora

Tiago Batista não arrisca uma previsão de resultados num festival onde Rússia, Roménia e Azerbaijão, países que nunca tinham falhado uma qualificação, acabaram de ficar fora da final. No jogo da bola de cristal, remete apenas para as casas de apostas, onde Israel e Chipre têm ocupado o topo das preferências, ou para a possibilidade de "La Forza", a canção da Estónia, conquistar as preferências dos jurados nacionais, que saíram reforçados da reformulação do concurso em 2009.

Apesar das mudanças no formato do festival, Batista não tem dúvidas de que uma forma de conseguir uma boa posição na votação final é fazer valer-se dos emigrantes que podem votar em determinado país.

“A introdução do televoto, em 1997, levou a que os países do bloco ocidental quase desaparecessem do festival. Os países de leste tinham diásporas nos países ocidentais e grandes diásporas nos países vizinhos e isso criou um sistema que permitia não só a estes países trocarem votos entre si, mas também conseguirem votos do ocidente”, explica.

A reformulação de 2009 veio suavizar esta influência, mas Batista não nega que esta continue a ser uma estratégia capaz de abrir caminho a uma boa qualificação. "O voto emigrante não serve só para os países de leste. Nós fazemos exatamente o mesmo. Se formos a ver, a própria RTP fomenta isso, ao promover a canção nacional nos programas da tarde e da manhã e ao apelar ao voto dos emigrantes. A diferença é que os países de leste têm emigrantes no Leste e no Ocidente. E nós só temos na França, na Alemanha e na Suíça.”

Se à proximidade cultural somarmos uma diáspora mobilizada e uma música que convença o júri, a vitória é quase certa. A fórmula não é um segredo de Batista. Basta pô-la em prática e ver quem, na final, vai conseguir trazer a estatueta de vidro para casa.

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