De cajado na mão, mulheres guardam gado em Trás-os-Montes

O número de pastores está a diminuir a um ritmo acelerado, em Trás-os-Montes. Em contrapartida, nos campos e montes encontram-se mais mulheres, de cajado na mão, a guardar o gado.

Chama-se Carmelina Rosa, mas, na aldeia, só a conhecem por Rosa. A única pastora de Parâmio, no concelho de Bragança, está quase a completar 82 anos de vida. De corpo franzino e sorriso fácil, lá vai ela, de cajado na mão, todos os dias para os campos e montes guardar o seu rebanho.

“Pastora não é grande vida. Dizem que no verão é vida de cão e no inverno é vida de inferno”, diz a sorrir, explicando que “no inverno faz muito frio e, então, este ano, foi muito frio, muito frio. No verão também é o calor e elas, por vezes, só comem de manhã cedo e à noitinha”.

O rebanho tem 150 ovelhas e 25 cordeiros da raça Churra Galega Bragançana. É um rebanho muito dócil. Basta Rosa dizer “anda cá, anda cá”, para as suas ovelhas se perfilarem e dirigirem na sua direção. “Quando é para ir embora, só olho para elas e digo-lhe assim: ‘ó raparigas, são horas’. Pronto, não é preciso mais nada. Vai tudo atrás de mim”, conta a pastora.

Talisca e Íris não são ovelhas, mas fazem parte do rebanho. O Talisca é um cão de grande porte, o cão pastor; Íris é uma pequena cadela e “muito esperta”. “A Íris é a que vira o rebanho. Se vou para um lugar qualquer e há fruto, eu só lhe digo: ‘Íris, tu vai para aquele lado’ e as ovelhas já não se aproximam do fruto, ela não deixa”, conta D. Rosa.

Os cordeiros, que podem custar “60 euros”, tudo “depende do peso e o tamanho”, têm grande procura, embora a melhor altura para os vender “seja no Natal e no Verão”. Segundo Rosa, “há compradores”. “Ainda há dia, dois senhores levaram 20, depois vieram outra vez e levaram outros 20. Um senhor, para criação, levou 10 borregos; uma senhora levou três”, conta a pastora.

Uma pastora exigente nos atributos das ovelhas

Rosa não é uma pastora qualquer e escolhe para as suas ovelhas as melhores pastagens. Gosta dos animais e garante que as ovelhas gostam dela, mas nem todas servem para integrar o seu rebanho. “Escolho-as de pequeninas. Depois, quando crescem, se alguma borrega não agrada, deixa-se, mata-se ou vende-se, mas só escolho as bonitas”, diz.

- E como escolhe as ovelhas? Perguntamos. “Escolho-as porque gosto delas”, diz, e explica: “Vejo se são rapadinhas do pescoço, bonitas das orelhas, se tem uns óculinhos pretos. Só escolho as que gosto mesmo”, diz por entre gargalhadas.

As ovelhas são “um animal muito querido, muito meigo, a gente tem que lhes ter amor à força, porque elas são muito amigas do dono”, assegura.

No campo ou no monte, Rosa, que não sai sem informar o filho para onde vai com o gado, passa o tempo “a rezar, a cantar, a pensar”. A solidão “porque quase não se vê gente” é o que menos gosta, mas assegura ser “uma mulher feliz”.

A tarefa de pastora não é fácil, mas Rosa já não se vê a fazer outra coisa. “Também me dá jeito o andamento, porque tenho as artroses. Se não fosse este andamento, já estava parada. O médico mesmo me disse”, conta.

Pastora toda a vida

Fernanda Correia, de 62 anos, vive em Lamas, Macedo de Cavaleiros. Tem um rebanho com “210 cabeças, sem contar os 45 cordeiros que estão na corriça”. Conta à Renascença que anda “de volta desta cria desde garoteca”, porque o pai toda a vida teve ovelhas.

“O meu pai tinha quase sempre três rebanhos: dois gados e uma cabrada ou duas cabradas e um gado. De maneira que eu fui criada já com esta tenda”, diz encostada ao cajado. “A mim não me custa muito, porque já estou habituada, mas quem não está habituada, isto é o peso do mundo às costas”.

A maior canseira ou preocupação de Fernanda é quando não tem “grandes comidas para dar às ovelhas, porque tendo comida à farta não é grande o problema”. Um outro problema com que se debate Fernanda é a dificuldade em vender os cordeiros.

“Não tem grande saída. Ainda agora os vendi e o rapaz diz que os voltou a trazer. Vêm do estrangeiro baratos, claro que, depois, aqui já não se vende da maneira que havia de vender”, lamenta a pastora de Lamas.

Já “compensa pouco” ter um rebanho, diz a pastora que só mantem o gado porque fazem “tudo pela mão, porque, para pagar a um pastor, já não dava”.

Fernanda Correia diz que já é “pastora à moda moderna”. “Quando chega o inverno, se está muito frio, até nem as votamos, damos-lhe feno na curriça e não saem. E de verão também não temos grandes dificuldades, porque semeamos muitos milhos e não andamos por lá de noite, como era dantes”.

Ainda assim, “desde que começa o verão, deitamo-las às 5 horas da manhã e vêm às 8 horas para o esteadouro. Depois saem lá para as 7 horas da tarde e assim andam até lá para as 10 horas da noite”, conta a pastora de Lamas.

Ser pastora não é fácil. No monte “o tempo custa a passar um bocado, mas não sabemos fazer mais nada. Temos que fazer alguma coisa para sobreviver”, conclui.

Segundo dados das associações do setor, o número de pastores está a diminuir a um ritmo acelerado em Trás-os-Montes. Em contrapartida, nos campos e montes encontram-se mais mulheres, de cajado na mão a guardar o gado.