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Entrevista

Mafalda Duarte, a portuguesa que gere um fundo de sete mil milhões de euros

09 mai, 2018 - 01:10 • Sandra Afonso

Em entrevista à Renascença, Mafalda Durte conta como este dinheiro está a mudar vidas por mais de 70 países, onde o Banco Mundial apoia centenas e centenas de projetos no âmbito dos Fundos de Investimentos Climáticos.

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Há portugueses a investir em energia limpa nos países mais pobres, avança à Renascença Mafalda Duarte, que gere um fundo ambiental do Banco Mundial de quase sete mil milhões de euros.

O cargo obriga Mafalda Duarte a viver em Washington e a andar sempre em viagem. Nos últimos dias passou por Lisboa, onde deu uma entrevista à Renascença, onde conta como este dinheiro anda a mudar vidas por mais de 70 países, onde são pioneiros nos projectos que instalam. Revela ainda alguns dos planos futuros do CIF – Fundos de Investimentos Climáticos.

Quanto dinheiro tem neste momento este Fundo criado em 2008 pelo Banco Mundial?

Tem 8,3 mil milhões de dólares [6,9 mil milhões de euros]. São 13 países desenvolvidos que contribuem, em diferente medida. Os nossos maiores investidores são o Reino Unido, os Estados Unidos e o Japão.

A actual política ambiental da Casa Branca, com Donald Trump, tem afetado o fundo? Sentem algum impacto?

Os Estados Unidos são o nosso segundo maior investidor e têm-nos apoiado desde o início, estamos a cumprir 10 anos agora, têm assento na nossa estrutura de governação. Temos recebido um grande apoio deles, que continua.

Também recebem apoio de privados?

Só recebemos financiamento destes governos de países desenvolvidos. Mas nós damos financiamento a governos e privados. Neste momento, estamos a trabalhar em 72 países em vias de desenvolvimento.

Portugal, por exemplo, também é elegível a este apoio?

Não, só países em vias de desenvolvimento. Países como Portugal podem beneficiar do conhecimento e experiências que recolhemos.

Mas podem apresentar projetos?

Há entidades do sector privado em Portugal que estão a receber financiamento, nosso e dos nossos parceiros, para implementar projectos em alguns destes países em vias de desenvolvimento.

Como funciona este apoio, é a fundo perdido, através de empréstimos?

Não damos donativos ao setor privado, é tudo através de empréstimos, garantias e às vezes investimos capital próprio. Pode haver uma componente de donativo para assistência técnica, por exemplo, a bancos comerciais para eles estruturarem linhas de crédito para energias renováveis ou eficiência energética. No setor público, a maioria são empréstimos, mas há circunstâncias em que damos donativos, em especial se os países estão bastante endividados.

Estes empréstimos são dados em condições mais favoráveis do que na banca?

Sim. Precisamente para incentivá-los a darem prioridade a determinados investimentos em detrimento de outros.

Qual foi o maior projeto que já financiaram?

É o projeto concentrado solar, em Marrocos. Estamos a apoiar as três primeiras fases do programa solar marroquino, de 500 megawatts. Até este momento já contribuímos com 498 milhões de dólares.

Qual será o impacto deste projeto?

É um projeto bastante ambicioso, faz parte da visão de Marrocos de se tornar um dos principais investidores na área da energia solar concentrada. A estratégia deles passa ainda pela integração industrial, ou seja, dinamizar a indústria e o sector da educação, para além do acesso das comunidades à eletricidade. É uma visão a longo prazo, que estão a implementar com muito rigor e sucesso, e o que nós ouvimos é que agora, por causa daquele projecto, os jovens estão a interessar-se pelas energias renováveis, querem estudar e trabalhar nestas centrais. Isto é o futuro, é a transformação que apoiamos nestes países.

Esse foi o projeto mais difícil de implementar?

Não. Todos têm o seu nível de complexidade, porque o nosso mandato é fazer o que outros ainda não fizeram na área das energias renováveis, eficiência energética, transporte sustentável, novas técnicas de irrigação na agricultura. Estamos a apoiar o primeiro, segundo e terceiro investimento, que nunca foi feito nestes países. Alguns demoram mais tempo, alguns sofrem atrasos políticos ou naturais. Não posso dizer qual é o mais difícil, o que é bom de ver é que os resultados são muito significativos e concretos e mais cedo ou mais tarde chegamos lá.

Que projetos mais se repetem?

Nós dedicamos a maior fatia de recursos às energias renováveis. Um dos nossos maiores fundos é o da tecnologia limpa, através do qual trabalhamos com países de rendimento médio, com programas reconhecidos na África do Sul, no México, na Tailândia, em Marrocos, no Chile, entre outros. Mas temos mais, temos programas na área das florestas, na área da resiliência ao impacto das alterações climáticas, é um portefólio diverso e rico de projetos.

Tem um preferido?

Eu gosto de vários projectos. Quando ouço, por exemplo, que no México permitimos que pela primeira vez fossem disponibilizadas linhas de crédito no mercado para mulheres, para que elas pudessem desenvolver atividades na floresta, e com isso aumentar os seus rendimentos e das suas famílias, dá-me uma grande satisfação. Quando ouço que no Tadjiquistão apoiámos os bancos comerciais a oferecerem as primeiras linhas de crédito para promover a resiliência ao impacto às alterações climáticas e ouço os agricultores a falar sobre o impacto que aquele financiamento teve na sua produtividade, no rendimento e no emprego nas comunidades em que estão dá-me uma grande satisfação.

Considera que estão a mudar vidas?

Estamos indiscutivelmente a mudar vidas. Estive recentemente no Chile, numa pequena comunidade no Norte, na fronteira com a Bolívia, onde falei com uma mulher extraordinária que me contou como transformámos a vida dela quando apoiámos uma central solar fotovoltaica, com algum armazenamento, que lhe permite agora ter eletricidade 24 horas por dia. Neste momento esta senhora e a sua família, assim como muitas outras naquela comunidade, podem ter frigorífico, pela primeira vez, podem ter actividades económicas, a Janete tem uma pequena lavandaria, aumentou o rendimento familiar de uma forma extraordinária, e tem acesso à internet que lhe permite estar a fazer uma licenciatura online. Isto é transformação e eu testemunhei em primeira mão.

A médio-longo prazo há novos projetos no horizonte?

Estamos a estruturar outro fundo, para dar continuidade ao nosso trabalho, agora pretendemos usar os ativos que temos e obter financiamento nos mercados de capital, através de dívida verde. Assim como temos estado a apoiar as energias renováveis, nesta nova fase gostaria de canalizar os fundos para os transportes, que considera um desafio nos países em desenvolvimento.

Estamos a falar em veículos elétricos, biocombustíveis?

Falamos de várias coisas. Políticas e investimentos nos transportes públicos, incentivos à utilização deste meio de deslocação, políticas e mecanismos que incentivem os veículos híbridos e elétricos, investimentos que permitam esta transição. Temos capitais, inclusive, na Europa, já nem precisamos de falar na Índia e China e algumas capitais da África e América Latina, em que os níveis de poluição do ar são altíssimos e são um perigo para a saúde pública e, por essa razão e pelas alterações climáticas, é preciso promover esta transição tal como fizemos nas energias renováveis. E continuar na fronteira, estamos sempre a pensar qual é o investimento que ainda não foi feito nestes países que podemos apoiar.

Neste momento também se discute muito a economia circular, também é uma alternativa para estes países?

Sim, com toda a certeza. Não é algo que esteja muito presente no nosso portefólio, são investimentos que praticamente não existem nos países em que estamos a trabalhar. Com toda a certeza.

Este trabalho faz com que percorra muitos países e tenha contacto com diferentes realidades. Sente no terreno o receio da substituição dos trabalhadores por máquinas, a era da inteligência artificial (IA)?

É uma preocupação geral. É preciso que os cidadãos e os governos estejam conscientes e estejam informados sobre esta realidade. Acho que podem-se tomar políticas e fazer opções que impliquem que retiramos benefícios das capacidades que a IA trás, e vemos já aplicações concretas, mas que também nos salvaguardem de riscos no mercado de trabalho. Não há dúvida que a IA pode trazer um benefício enorme em várias áreas: diagnóstico de doenças, gestão de informação.

Que impacto tem o fundo nas metas ambientais que estão fixadas?

Temos exemplos concretos em vários países. Em Marrocos, estamos a apoiar 1/4 do programa solar deles. Em vários outros países representamos mais de 25% das metas deles em determinadas áreas, como o sector energético. Mas esta é uma realidade muito dinâmica, as metas estão sempre a ser revistas e a evoluir. Tem sido incrível ver os resultados e a transformação, ver como vidas foram transformadas.

Foi um grande salto, de Portugal para Washington e para a liderança deste fundo multimilionário. Como é dirigir este fundo?

Desde que fiz a licenciatura na Universidade do Minho e saí de Portugal, não voltei, espero fazê-lo um dia. Tenho passado por muitos países, vivemos em África, na Ásia, nos Estados Unidos. Eu, o meu marido e as minhas filhas, temos três. Tem sido uma experiência muito rico, pela qual estamos muito agradecidos.

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