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Bispo de Vila Real pede resignação por limite de idade

23 abr, 2018 - 10:20 • Olímpia Mairos

D. Amândio Tomás faz esta segunda-feira 75 anos. Em entrevista à Renascença, confirma o pedido de resignação ao Papa Francisco e manifesta-se contra um referendo à eutanásia, que classifica como “atentado” e “homicídio”.

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O bispo de Vila Real, D. Amândio Tomás, completa esta segunda-feira 75 anos. Já enviou o pedido de resignação ao Papa Francisco e aguarda com serenidade o desenrolar do processo.

D. Amândio, celebra hoje 75 anos. Já pediu ao Papa para resignar?

Sim, com certeza. É a minha obrigação. Mas continuo disponível para a missão. Nós estamos sempre disponíveis, ao serviço da Igreja, e fazemos aquilo que nos pedem.

Nestes sete anos à frente da diocese de Vila Real, quais as maiores dificuldades que sentiu?

Dificuldades encontram-se em todas as partes, não só em Vila Real, como encontrei na minha vida toda. Temos uma diocese pobre de meios, de pessoas e, porventura, de iniciativas. Temos uma população cada vez menor. Trás-os-Montes está a esvaziar-se, como todo o interior de Portugal. A população escoa-se para o Litoral e para o estrangeiro. De forma que, sem ovos não se fazem omoletas. E isso em todos os campos da atividade pastoral. No entanto, temos um povo fundamentalmente com um resíduo e nuclearmente cristão muito acentuado, com uma frequência religiosa bastante pronunciada, que nos caracteriza no conjunto da população portuguesa. É certo que temos predominantemente velhos. Nas 264 paróquias, algumas delas têm vinte e poucas pessoas e a gente nova, não tendo trabalho, não pára aqui. Não há forma de inverter este movimento, este escoamento populacional, que começou nos anos 60 [do século passado] e continua acentuadamente todos os dias.

Parece-lhe que será necessário criar incentivos especiais para fixar a população e estancar esta hemorragia a que faz alusão?

Certamente. Eu não me canso de o dizer - sempre o disse - que uma das preocupações dos nossos governantes, desde o princípio da nacionalidade até há pouco tempo, foram, durante tantos séculos, fixar as populações no Interior, sobretudo nas zonas raianas, também por motivos de defesa, e eram isentas de impostos, tinham regalias. Hoje, quem vive em Trás-os-Montes ou no Interior de Portugal tem uma vida não fácil, porque as instituições estão todas no Litoral e os campos de trabalho também. Aqui não tem nada. Portanto, está duplamente condenada; condenada a estar cá, a ter mais despesas, a ter menos benefícios. Não há forma de segurar as populações.

Eu creio que uma das formas era isentá-las de imposto, dando regalias a quem quisesse sediar-se no Interior, porque é uma vida até mais saudável do que amontoando-se nas grandes metrópoles do Litoral.

Como vê a possibilidade de, em Portugal, se avançar com um referendo à eutanásia?

Há valores que não se deveriam referendar. São valores pela sua própria natureza e, por conseguinte, a eutanásia é um eufemismo. Esta vida moderna consta de enganos politicamente corretos, de eufemismos que é para eludir a realidade. A eutanásia é uma morte. Chamemos as coisas pelo nome, não andemos aqui com eufemismos, a iludir e a dosear a pílula. Não, a eutanásia é uma morte e isto revela egoísmo, falta de cuidado para com a gente que sacrificou a sua vida, que se dedicou à sociedade e que merecia um pouco mais de carinho e de cuidado. Portanto, faltam cuidados em ordem geral e cuidados paliativos. Falta investir na saúde das pessoas e não é dar-lhes o remédio que é cortar o mal pela raiz. Muitas vezes, nós fazemos dos velhos e das crianças, da gente improdutiva, apenas números e não nos interessamos delas, e isso é desumano. O que caracteriza a nossa sociedade de hoje é o individualismo é a desumanidade e pensa-se pouco nas pessoas. As pessoas são número e não são nada mais. Falta afeto, falta carinho, falta cuidado que devemos dedicar às pessoas que nos são caras e que nos serviram e que trabalharam para o mundo em que vivemos.

Que papel devem ter os cristãos nesta matéria?

A vida é o valor fundamental. Os cristãos deveriam defender a vida desde o primeiro momento até à morte natural e estarem sempre em cruzada pela vida, ajudando a vida, dignificando as pessoas. A dignidade humana da pessoa humana é sempre digna, por mais criminosa que seja. Estamos muitas vezes em campanhas contra a pena de morte, muito bem, ótimo. Mas não apliquemos a pena de morte a quem está numa cama entravado, a quem tem um momento de desabafo ‘eu já não posso mais’, dando-lhe o ‘golpe de misericórdia’. Isso não é misericórdia nenhuma. Isso é um atentado, chama-se homicídio.

Certamente, e apesar do pedido de resignação, vai continuar ainda como bispo diocesano até a nomeação do seu sucessor. Pergunto: o que gostaria de ter feito na diocese e não foi possível?

Gostaria de ter mais sacerdotes, mais colaboradores, mais pessoas verdadeiramente empenhadas… Gostaria de fazer muito mais, mas nós somos fracos, somos pobres, humildes instrumentos do Senhor, que não fazemos mais que a nossa obrigação e também não fazemos tudo. Ficará sempre alguma coisa para fazer, porque vivemos num mundo inacabado e numa sociedade carente de valores, de coisas e sempre necessitada de aperfeiçoamento.

D. Amândio Tomás, o quinto bispo da diocese de Vila Real, foi ordenado sacerdote em 15 de Agosto de 1967, tendo desempenhado durante largos anos o cargo de reitor do Colégio Português, em Roma.

A 5 de Outubro de 2001, foi nomeado bispo auxiliar da Arquidiocese de Évora, pelo Papa João Paulo II, tendo sido ordenado a 6 de janeiro, pelo mesmo Papa, na Basílica de São Pedro, no Vaticano.

A 8 de Janeiro de 2008, foi nomeado bispo coadjutor da diocese de Vila Real, com direito de sucessão, pelo Papa Bento XVI, nela entrando solenemente em 10 de Fevereiro.

Sucedeu a D. Joaquim Gonçalves no cargo de bispo da diocese a 17 de Maio de 2011, após resignação por limite de idade.

D. Amândio Tomás nasceu na aldeia de Dadim, Cimo de Vila da Castanheira, no concelho de Chaves, a 23 de Abril de 1943. É o mais velho de uma família de cinco irmãos.

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