04 abr, 2018 - 06:51 • Inês Rocha
"Macaco, queres uma banana?". Foi com esta frase que Pavel Vieira, luso-guineense de 26 anos, foi recebido por um passageiro na noite de sexta-feira, quando entrou no autocarro 21, em Walton, Liverpool.
Naquela Sexta-feira Santa, tinha ido à igreja e regressava a casa. Os comentários do homem, visivelmente embriagado, incomodaram-no, mas decidiu ignorar.
“Eu nem gosto de ti", atirou o homem. "Porque tu és preto, vieste invadir a nossa terra”. E continuou: "só existes porque a tua mãe foi violada". Quando outros passageiros começaram a intervir e os insultos a subir de tom, o jovem futebolista decidiu começar a gravar – uma forma de se proteger, por temer que o homem partisse para a violência.
Assim que pegou no telemóvel, o homem deu-lhe um safanão, deitando o aparelho ao chão – como se pode ver no vídeo, que Pavel partilhou depois no Facebook.
Pavel ainda tentou acalmar o homem, chamando-o à razão e pedindo-lhe que "ame toda a gente", independentemente das diferenças – mas sem sucesso. O jovem diz ter-se sentido triste e humilhado. "Foi um filme de terror", conta.
O caso ganhou proporções muito maiores do que esperava, quando surgiu em vários jornais britânicos – tendo chegado mesmo à Al Jazeera, um órgão de comunicação internacional.
O incidente está agora a ser investigado pela polícia de Merseyside, que prometeu tomar medidas. O inspetor Mark Drew disse, em entrevista ao "The Independent", que “não vão tolerar crimes de ódio cometidos contra membros da comunidade”.
“Gostaria de aproveitar esta oportunidade para garantir às pessoas que temos agentes especialmente treinados para investigar estes casos, para que sejam tomadas medidas adequadas contra os infratores”, afirmou o inspetor.
Em entrevista à Renascença, Pavel revela que a polícia já fez uma tentativa de detenção do homem, mas foi mal sucedida. O luso-guineense ainda não sabe se terá que testemunhar em tribunal, mas diz estar tranquilo.
Apesar disso, pediu ajuda à embaixada portuguesa em Inglaterra para lidar com o caso da melhor forma, mas ainda não obteve qualquer resposta.
“Olhei para o espelho e senti uma tristeza enorme”
Naquela noite, quando chegou a casa, Pavel Vieira olhou-se ao espelho e sentiu “uma tristeza enorme”. Teve mesmo vontade de voltar para casa, mas diz não encontrar oportunidades de trabalho no país de origem, a Guiné Bissau, onde há uma “grande instabilidade política”.
Apesar do desânimo do momento, o luso-guineense diz não ter razões de queixa da comunidade do local onde vive. “As pessoas têm-se oferecido para ajudar. Muitos ingleses enviam mensagens a dizer para que não fique com imagem negativa da cidade”, conta.
Recebeu também muitas mensagens de outros negros, a agradecer a forma como lidou com a situação, apelando ao respeito e sem partir para a agressão.
“É uma das maiores lições que aprendi com tudo isto. Se tivesse reagido de outra forma, como seria? Talvez neste momento não estivesse aqui”, diz.
Pavel Vieira nasceu na Guiné Bissau e mudou-se com a família para Rio de Mouro, em Sintra, com apenas 10 anos. Viveu em Portugal durante mais de 10 anos e foi por cá que se estreou no futebol, tendo passado por clubes como o Estoril Praia, o Farense e o Olhanense. Chegou mesmo a jogar na primeira liga, ao serviço do Olhanense.
Pediu a dupla nacionalidade, juntamente com a família, mas quando teve que escolher entre a seleção portuguesa sub-20 e a seleção principal da Guiné Bissau, optou pela equipa da sua terra natal. Jogou ainda em vários clubes da III Divisão portuguesa, passou por Espanha e Itália e, em 2013, mudou-se para Inglaterra, onde chegou a jogar na Welsh League, a primeira liga do País de Gales.
Hoje, trabalha numa fábrica de produção de perfumes, em Liverpool. Optou por colocar o futebol em segundo plano e seguir o plano B, já que, aos 26 anos, não estava a conseguir o retorno financeiro desejado.
Pavel espera que o incidente ajude à reflexão da sociedade sobre o racismo e que a sua reação pacífica seja um exemplo para os mais novos.