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Reportagem em ​Pedrógão Grande

“A Páscoa é eterna, sempre”

03 abr, 2018 - 09:38 • Susana Madureira Martins

A vila da Beira interior desdobrou-se em procissões, ofícios, missas e múltiplas solenidades desde Quinta-Feira Santa até ao Domingo de Páscoa, à procura de “ser normal”, depois dos incêndios.

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Reportagem de Susana Madureira Martins em Pedrógão Grande, na Semana Santa.

Quinta-Feira Santa ou a história do peixe e do macaco

São seis da tarde, é Quinta-Feira Santa e o sino da Igreja Matriz de Pedrógão Grande chama a vila para as solenidades. É por aqui que passam todos os ofícios, missas e procissões da Semana Santa e há mais de cem anos que tudo se cumpre e começa da mesma maneira: a Missa da Ceia do Senhor e o Lava Pés.

O padre de Pedrógão, Júlio Santos, tem também a seu cargo a paróquia de Figueiró dos Vinhos e pediu ajuda para as celebrações destes dias. E aí está o padre Pedro Santos, que veio de Coimbra para presidir à missa. E durante a homilia usou de humor contando a história do macaco que viu um peixinho na água e foi salvá-lo, “coitadinho que vai afogar-se” e afinal matou-o. Tudo para explicar o que é o Lava Pés, que se trata de “servir o outro como ele precisa e não à nossa maneira”.

O padre Pedro explica que tudo se resume a “pôr a vida ao serviço do outro, ora se o macaco quis ajudar o peixe era perguntar-lhe o que ele precisava e se calhar precisava de um bocadito de pão”. Vai daí “tirou-o da água a pensar que estava a morrer afogado e matou-o mesmo”. E para rematar “foi isso que Jesus quis dizer, que está aqui para servir, se servirem são felizes, se não servirem não são”.

Sexta-Feira Santa, o dia em que Verónica só cantou duas vezes

“Um bom cristão tem de ser alegre”, resume Antonino Marcelo, o tesoureiro da Igreja Matriz e um dos organizadores das solenidades.

Há mais de cem anos que as solenidades da Semana Santa se cumprem em Pedrógão Grande e este “deve ser dos poucos sítios onde fazem o Enterro do Senhor”, uma procissão do século XVII que começou em Itália e “que cá só deve existir também em Braga”, acrescenta Antonino.

Durante a procissão do Enterro do Senhor “tudo é feito como um teatro”, explica este sexagenário, “há uma reconstituição da morte do Senhor, há muito pouca gente que faça, porque são imagens vivas” que vão percorrendo as ruas.

Às três da tarde no meio da ventania, saíram as imagens da igreja Matriz acompanhadas por uma pequena multidão, muitas das pessoas com velas na mão e uma banda filarmónica que nunca desarmou durante o percurso.

Sensivelmente à chegada ao Calvário, no centro da vila, o céu desabou numa chuva misturada com uma ventania muito forte que até fez cair o microfone do Vigário-Geral de Coimbra que falava aos pedroguenses. Mas ninguém arredou pé.

Isaura Mendes foi uma das pessoas que acompanhou toda a procissão e que no final desabafou à Renascença que “apesar da chuva, lá se fez”, se bem que o habitual percurso só foi cumprido “pela metade”, mas “Deus não quis”, lamentou.

Ainda assim bem disposta, Isaura lembrou que “costuma ser bem maior” e que a imagem da Verónica “canta sete vezes em todos os nichos”, mas este ano “olha, cantou só no Calvário e aqui”, ou seja, na igreja Matriz de Pedrógão Grande.

A procissão também teve “muito menos gente, mas muito menos gente, sem comparação” relativamente a outros anos, sublinha Isaura Mendes, que recorda que o espaço em torno do Calvário “costuma ficar lotado, mas este ano o tempo não ajudou”, mas lá vai dizendo a rir que “fica para o ano”.

Sábado Santo, ou a “noite que afugenta os crimes”

As solenidades da Semana Santa em Pedrógão Grande começaram há quinze dias, com a Procissão do Senhor dos Passos, a partir da Capela do Calvário para a Igreja Matriz da vila. A partir do Domingo de Passos os pedroguenses multiplicaram-se em ofícios e procissões. O Sábado Santo é dia de parar e reflectir, à espera da Vigília Pascal.

O convite para essa reflexão é feito, de resto, pelo padre de Pedrógão Grande, Júlio Santos, que, em conversa com a Renascença, referiu que estes dias, e em especial este Sábado Santo, “são dias mais voltados para o silêncio e para a reflexão”, em que “a Igreja convida a reflectir sobre o sofrimento humano”.

Ele próprio um pedroguense nascido e criado na vila diz que este “é um momento de silêncio e de interiorização que traz uma certa calma à vila e uma vivência mística a este povo que já tem isso enraizado por tradição”.

De resto, Pedrógão Grande faz questão de gozar esse momento de reflexão e em conjunto, com a tradicional Procissão do Silêncio, na Sexta-Feira Santa, em que as pessoas seguem o percurso pela vila em completa reserva e sem falar.

Este é um Sábado Santo especial, como já foi especial o Natal e como especiais têm sido todos os dias desde os incêndios do verão do ano passado. Esta é uma comunidade que não quer ficar bloqueada nessa memória, “procura-se ser normal, que a vida tem de voltar ao normal”, insiste o padre Júlio Santos.

Questionado sobre como é que em momentos como a Páscoa se vive depois dessa tragédia, o pároco de Pedrógão Grande admite que “um pastor está sempre a lembrar acontecimentos que passam, as pessoas que partiram, principalmente as dos últimos fogos”, sublinhando essa busca pelo “ser normal”, porque a “Páscoa é eterna, sempre”, acrescenta.

E aí está a Vigília Pascal, muito pouco participada, com uns sofridos seis graus centígrados e uma ventania na rua da Igreja Matriz que terá afugentado os pedroguenses. O padre Júlio Santos lê o texto da liturgia que refere essa “noite santa que afugenta os crimes” e que antecede o Domingo de Páscoa.

Domingo de Páscoa, o da Ressurreição

A procissão da Ressurreição do Senhor em Pedrógão Grande foi a mais simbólica. Partiu da igreja Matriz, ao meio-dia, percorreu lentamente as ruas da vila e com o tempo óptimo, sem frio e com muito sol.

Tudo decorreu num silêncio profundo, só cortado pela música da Banda Filarmónica Pedroguense, que arrancou com uma “Nossa Senhora Dolorosa” em tom muito triste, logo seguida de “São Martinho”, igualmente dolente e a marcar a passada muito lenta dos participantes.

De muito perto seguia o presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, que fez questão de vestir a opa vermelha com que os elementos da organização saíram para a Procissão. O autarca pedroguense diz que é especialmente sensível a esta da Ressurreição, a quem diz “muito Cristo vivo, é muito importante”.

Valdemar Alves diz que estes dias são, de resto, muito importantes para a vila, trazendo “muitos emigrantes” que vão a Pedrógão Grande nesta altura da Páscoa “por poucos dias, por uma uma semana ou duas e os que vivem também Lisboa e nas grandes cidades”.

Tudo terminou, ou tudo recomeçou, com uma curta missa na Igreja Matriz. À assembleia o padre de Pedrógão Grande, Júlio Santos, fez questão de dizer “conseguimos”, referindo o empenho dos pedroguenses nesta Semana Santa, alertando também que “continuar a Páscoa é continuar a ser comunitário”.

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