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Évora celebra a arte no feminino. 20 mulheres artistas portuguesas abrem “mundos ao mundo”

16 mar, 2018 - 17:00 • Rosário Silva

Exposição marca o arranque da programação anual do Centro de Arte e Cultura (CAC) da Fundação Eugénio de Almeida.

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“WAH! (We are here!/Estamos aqui!) é o titulo da exposição que abre ao publico, este sábado, em Évora, marcando o arranque da programação para este ano do Centro de Arte e Cultura (CAC) da Fundação Eugénio de Almeida, que escolheu “Periferias” como tema de fundo.

“Elas não são uma geração, nem são um grupo coeso, nem são feministas. Têm posições muito diferentes entre si, estéticas diferenciadas e tudo isto produz uma leitura da relação arte contemporânea e território”, explica, em entrevista à Renascença, o curador e novo diretor do CAC, José Alberto Ferreira.

Alice Geirinhas, Carlota Jardim, Célia Domingues, Clara Menéres, Coca Froes David, Cristina Oliveira, Cristina Tavares, Estrela Faria, Joana Gancho, Leonor Serpa Branco, Margarida Lagarto, Maria Leal da Costa, Marta de Menezes, Noémia Cruz, Rita Vargas, Sónia Godinho, Susana Marques, Susana Pires, Susana Piteira e Virgínia Fróis, são as artistas que marcam presença na exposição.

Uma festa no feminino para interpelar e para celebrar a criação, a arte e uma história que se quer construir a partir de agora.

A exposição apresenta trabalhos de 20 mulheres artistas portuguesas. Podemos afirmar que esse propósito pretende evidenciar o papel da mulher no universo das artes?

Esta proposta parte de uma constatação que tem sido muito vincada em vários domínios e não acontece apenas em Portugal. Refiro-me ao tendencial afastamento das mulheres artistas dos circuitos da arte, como, aliás, a própria história nos mostra. Encontrei nessa constatação um primeiro esteio para a minha decisão: colocar a criação com assinatura feminina no centro do Centro [de Arte e Cultura]. Mas é preciso acrescentar que o tema que preside à programação da Fundação Eugénio de Almeida (FEA) para o ano 2018, é o conceito de “Periferia”. E as mulheres artistas são um dos elementos do sistema das artes que mais claramente tem sido periferizado. A exposição procura colocar no centro esse universo periferizado ao longo da história e na atualidade.

O título WAH! (We are here!) confirma essa orientação?

O título tem um pequeno segredo, que se prende com várias etapas desta exposição até chegarmos aqui. Mas posso dizer-lhe que, depois de algum amadurecimento, transformámos a expressão “We are here”, no acrónimo WAH. E este acaba por funcionar como manifestação interjetiva festiva, de alegria, que me parece que esta exposição deve ter.

“Encontramo-nos aqui” - ou “estamos aqui” - é também uma expressão de afirmação do papel da mulher?

Sim, claro. E é a isso que chamo festivo. Celebra-se a presença das mulheres como criadoras, celebra-se esta oportunidade. Não é uma história que se encerre aqui, é apenas uma etapa de um caminho que passa por nós e por instituições e artistas. Passa, também, por um debate que está em curso. Por isso, vamos fazer um programa paralelo de encontros com as artistas, aprofundando o debate destas e outras questões. Logo no dia da inauguração, 17 de março, temos um encontro com a professora Emília Ferreira, atual diretora indigitada do Museu Nacional de Arte Contemporânea, professora e investigadora na Universidade Nova de Lisboa, como investigação nesse domínio e que escreveu para a exposição sobre o inquérito que realizou junto de mulheres artistas portuguesas. Neste encontro, Emília Ferreira conversará com as artistas Alice Geirinhas e Clara Menéres sobre estas e outras questões.

Como escreveu o José Alberto Ferreira, “não há centro sem periferia”. Nesta exposição, todas as mulheres criadoras, embora de formas diferentes, estão ligadas ao Alentejo.

Sim, essa foi outra forma de pensar a equação atendendo ao tema “Periferias”. Foi pensar a relação do Centro [de Arte e Cultura] com o seu território e encontrar nesse critério de aproximação às convidadas, uma relação de pertença afetiva, de pertença simbólica…

Pode ilustrar?

Olhe, por exemplo, a Alice Geirinhas, uma das artistas, nasceu em Évora. Saiu daqui aos dois anos, não tem nenhuma relação com Évora, a não ser uma relação de bilhete de identidade. Tem algumas memórias, mas não existe uma relação com a cidade. Por outro lado, uma artista como a professora Clara Menéres foi durante dez anos diretora da Área Departamental das Artes na Universidade de Évora. Sendo nascida no Norte, em Braga, a sua pertença ao território é evidente, independentemente do local do seu nascimento. Esta relação com o território é uma espécie de fio condutor que me levou às pessoas, criando uma espécie ligação cúmplice, se quiser.

Não sendo possível detalhar o percurso de cada uma destas mulheres, o que nos pode dizer sobre elas, de uma forma geral,?

Elas incluem várias gerações de criadoras, das mais recentes às de artistas consagradas, como, justamente, Clara Menéres. Parece-me importante que a exposição inclua uma grande transversalidade de escolas, de géneros, de tipologias de disciplinas e de pertenças geracionais, com formações e percursos diferenciados, com biografias com pesos muito diferentes.

Mas o que é que as conjuga?

Creio que essa espécie de linha submersa que as aproxima do território. Contudo, elas não são nem uma geração, nem são um grupo coeso, nem mesmo feministas ou com uma mesma atitude relativamente a esta questão. Têm posições muito diferentes entre si, estéticas diferenciadas e tudo isto produz uma leitura da relação arte contemporânea e território que contribui para dar coerência e sentido à proposta inicial que é, justamente, a de articular essas duas vertentes. Por um lado, a criação no feminino, por outro lado interpelar a criação e as criadoras inscritas no território do Centro de Arte e Cultura.

Perante tanta diversidade, o que vamos poder encontrar?

A exposição ocupa todo o espaço do Centro de Artes, inclusive, o espaço do jardim exterior. Quisemos imprimir intensidade e diversidade ao espaço. Vamos ter pintura, escultura, instalação, vídeo, bio-arte, desenho, colagem, fotografia, cerâmica, ou seja, uma variedade significativa de registos. Eu diria que este é um modo expositivo que procura o diálogo das obras com os espaços. E, na verdade, o percurso expositivo e o encontro com estas obras e as artistas, consubstancia-se numa verdadeira celebração do “estarmos aqui”.

O José Alberto faz uma referência especial à obra de Estrela Faria, uma figura que continua por estudar e conhecer. Esta exposição dá um “empurrão” nesse sentido?

A Estrela Faria é uma artista portuguesa que viveu entre 1910 e 1976, nascida em Évora. Na cidade, ainda há familiares da artista. A D. Sílvia Alves Faria é sobrinha e, de algum modo, é a herdeira espiritual da artista. À sua guarda tem um espólio significativo de obras da tia que inclui, por exemplo, pintura a óleo, desenho a tinta da china, a carvão e a lápis, aguarela. Estrela Faria deixou uma obra significativa e tocando registos muito diversos: fez figurinos, cenografia, selos postais, fez decoração de montras e de espaços comerciais. Esteve também ligada à indústria da moda. Decorou o cruzeiro Vera Cruz, fez grandes painéis decorativos para edifícios (Cinema Alvalade, Banco Nacional Ultramarino em Moçambique, várias estações de correios e até para os tribunais, como o de Évora, por exemplo). No entanto, é uma artista pouco menos que esquecida, e que na WAH! encontrámos ocasião para lembrar e celebrar, graças à disponibilidade generosa desta familiar. Fica ainda muito por fazer e por conhecer, mas empreende-se aqui um gesto inicial.

Esta exposição coletiva marca o arranque da programação deste ano do Centro de Arte e Cultura, antigo Fórum, da FEA, mas é também a sua estreia como diretor deste equipamento cultural. O que significa para si este momento?

Sinto uma grande responsabilidade, por um lado. A minha passagem pelo Centro deixará uma marca, espero, mas dá continuidade a um trabalho que tem vindo a ser feito e que continuará depois de mim. Por outro lado, sinto um enorme prazer e a grandeza do desafio é altamente estimulante. Numa cidade que quer ser capital europeia da cultura e cujas instituições devem convergir para diálogos produtivos e para a construção dessa cidade capital, penso que há desafios estimulantes e desafios necessários. É gratificante encontrar-me num lugar que interpela a cidade e que espero que tenha capacidade para estar aberto à cidade, à região e aos mundos que fazem o nosso mundo. A frase que escolhemos para o pendão que está na fachada do Centro de Arte e Cultura diz “o mundo todo aqui”, porque não há mundo aqui que não possa ser do mundo. E não há missão que não passe por fazer mundos, por construir e abrir mundos.

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