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Voluntariado. “Vamos para fazer o que for preciso”

26 fev, 2018 - 19:39 • Ângela Roque

“Projecto Cabo Verde” mobiliza dezenas de jovens universitárias para missão de verão. Saúde, educação e ambiente são as áreas prioritárias de intervenção do projeto, que aceita inscrições até meados de Março e precisa de ajuda em donativos.

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O “Projecto Cabo Verde” é um projeto de voluntariado internacional para a cooperação. Desenvolvido por estudantes universitárias e jovens profissionais ligadas a várias residências da Opus Dei, nasceu em 1993. Interrompido em 2010, por falta de financiamento, foi retomado em 2017 na ilha de Santiago, onde vai voltar no próximo verão.

Rita Costa, 23 anos, é aluna finalista de Engenharia Eletrotécnica no Instituto Superior de Técnico e uma das responsáveis pelo projeto. Voluntária da Comunidade Vida e Paz, participa na Missão País, mas diz que foi em Cabo Verde que percebeu que “servir é fazer o que é preciso”. Em entrevista à Renascença explica que o objetivo da iniciativa não é evangelizar, mas para quem participa tem uma dimensão espiritual importante. E fala da importância deste projeto que atua nas áreas da educação, saúde e ambiente, é desenvolvido em colaboração com a comunidade local cabo-verdiana, mas depende da boa-vontade das voluntárias e dos donativos de particulares e empresas.

O projeto Cabo Verde começou quando, e no que é que consiste?

Este é um projeto de voluntariado internacional para a cooperação. Nasceu em 1993, e já passou por várias ilhas de Cabo Verde. Em 2003/2004 esteve na Croácia, mas rapidamente se percebeu que a língua era uma barreira, e que era melhor continuar num país onde se falasse português. Voltou-se então para Cabo Verde e 2017 foi o primeiro ano em que fomos para a ilha de Santiago. Antes, o projeto esteve na Boavista e conseguiu-se fazer um trabalho incrível no bairro da Boa Esperança, que até mudou de nome por causa das voluntárias, antes era Bairro das Barracas.

O projeto esteve parado alguns anos. Porquê?

Esteve parado desde 2010 até ao ano passado, por falta de fundos. Mas, em 2017 surgiu a ideia de voltarmos. Numa das entidades parceiras do projeto, que é a residência dos Álamos, havia uma estudante cabo-verdiana que nos desafiou a voltar, reuniu-se apoios e conseguiu-se. Este ano vamos regressar ao mesmo sítio, ao bairro do Fonton, na ilha de Santiago.

No terreno sentiram que foi importante recuperar o projeto?

Quando se está lá vê-se bem a diferença que faz e a importância que tem na comunidade. Porque é um projeto muito virado para formação, não é um projeto missionário, como outros, que também são importantes, mas o nosso vai muito para a formação, para semear coisas que eles depois possam fazer sozinhos. Lá eles nem sequer têm o conceito de voluntariado, ninguém ajuda ninguém de forma grátis, por isso é mesmo preciso nós irmos fazer o que for preciso. Porque o voluntariado é fazer o que é preciso, não é aquilo que nós queremos.

Quais sãos as vossas áreas de atuação?

Estamos muito presentes na área da saúde, tanto a oferecer serviços de saúde como a dar formação. Por exemplo, demos formações de primeiros socorros a equipas de bombeiros e a enfermeiros, cursos de vida saudável, alimentação de bebés, amamentação responsável.

Na área do ambiente, distribuímos alguma informação e fizemos recolhas de lixo. E trabalhámos muito na área do entretenimento de crianças, com jogos, a organizar os tempos livres. Estivemos num bairro social que é o bairro do Fonton, que tem um centro de intervenção comunitária, e construímos um espaço próprio para as crianças fazerem atividades mais lúdicas. Levámos imensos livros, incluindo escolares, jogos de tabuleiro. E também renovámos o campo de futebol.

Também demos formações sobre voluntariado e empreendedorismo, para aprenderem a pegar nos negócios caseiros que têm e torná-los mais rentáveis. E também a informática, área na qual eu fui professora, ensinei a usar o word e a internet.

Pedem que as voluntárias tenham formação específica nestas áreas?

Em 2017 fomos 60 voluntárias, e tínhamos pessoas de diversas áreas, e eu acho que isso também dá um carisma bom ao grupo, ter pessoas com formações muito diferentes que depois se encaixam em vários papéis. Mas, mais do que o curso, o que importa é que sejam pessoas motivadas, se possível que já tenham tido alguma experiência de voluntariado, ou pelo menos a predisposição para aprender a estar em África a ajudar as outras pessoas.

Mas não dão formação antes de ir?

Damos. Por exemplo, este ano teremos duas formações para todas as inscritas. Assim que forem selecionadas haverá formações mais intensivas sobre o que é o voluntariado, o que é estar em África, o que é que vamos fazer. Este é um projeto universitário, em que as voluntárias têm que trabalhar muito, não é simplesmente caírem lá de paraquedas e fazer aquilo que alguém preparou.

O ano passado foram 60. Este ano esperam um número semelhante?

Sim. As inscrições já vão em cento e muitas, e depois haverá uma seleção.

As inscrições estão a decorrer até quando?

Até meio de março, a partir daí vão-se começar a marcar as formações. Como há várias entidades parceiras – em Lisboa é a residência dos Álamos, no Porto é o Clube Rampa, e este ano também vai haver em Coimbra, com o Clube dos Arcos – vamos tentar que as formações ocorram mais ou menos ao mesmo tempo nos diferentes centros, e que tenham mais ou menos o mesmo conteúdo, para irmos todas com a mesma bagagem.

Todos esses centros universitários estão ligados ao Opus Dei. Por isso é que vão só mulheres?

Sim, o projeto nasceu na residência dos Álamos, e seremos só mulheres. No Opus Dei vive-se muito a santificação no trabalho, e o lema do projeto é sermos voluntárias na intenção, mas profissionais na ação. Temos de fazer tudo com todo o profissionalismo necessário, com todo o cuidado nas pequenas coisas.

O projeto é católico, mas não tem um carater evangelizador. Porquê?

O objetivo não é evangelizador, é ajudar, mas não evangelizador. Mas, para quem participa, para as voluntárias, tem uma dimensão espiritual, no sentido em que temos um dia a dia que cumpre um plano de vida, temos missa diária, oração diária, rezamos o terço, vive-se muito o espírito do Opus Dei ao longo do dia. Mas, é um caminho pessoal, de cada uma. Na preparação dizemos que o projeto é inspirado pelo Opus Dei, que vamos ter missa e orações, portanto as pessoas à partida sabem logo o que é que vai acontecer.

Mas é aberto a quem quiser participar?

Vão pessoas de vários movimentos da Igreja, e até pessoas que não são católicas. Lá incentivamos sempre as pessoas a darem uma hipótese, a experimentarem, indo à oração da manhã ou à missa connosco.

O projeto é desenvolvido em parceria com várias entidades. Que tipo de apoio é que têm?

As voluntárias pagam apenas a viagem, que tentamos sempre negociar, porque são muito caras. O ano passado foi 500 euros. Não é barato, principalmente devido à bagagem, porque temos que levar muita coisa, não é só a nossa roupa, é comida, livros, materiais de artes. Às vezes temos de recorrer a contentores, o ano passado mandámos dois. Depois, tudo o resto vem de donativos. Preferimos donativos em dinheiro, mas agradecemos muito o donativo em espécie, em géneros alimentares.

Tentamos muito ir ao encontro do que a comunidade nos pede. O ano passado pediram-nos livros escolares, material de escritório, muitos medicamentos. A embaixada portuguesa pediu-nos computadores, impressoras, e até uma ambulância, mas isso não conseguimos financiar. A angariação de fundos está distribuída pelos vários centros. Temos campanhas de angariação, contactamos empresas, fazemos um arraial e várias vendas.

Quem quiser ajudar o que é que pode fazer?

No site do proieto (http://projectocaboverde.wixsite.com/projetocv) encontram o NIB. E estando atentos ao site e ao Facebook do Projecto Cabo Verde, nós vamos divulgando as campanhas de angariação, com os contactos onde podem entregar. Por exemplo, temos uma fase de angariação de medicamentos, o ano passado conseguimos bastantes. Também podem entregar os livros e os alimentos.

Este ano quais são os pedidos? O que é que faz lá mais falta?

Continua a ser os medicamentos, que se gastam e há sempre muita falta lá, mas também o material escolar, de escritório e materiais de artes, para dinamizar as nossas atividades lúdicas, a dança, o teatro, adereços. E livros, nunca há suficientes, porque são muitas crianças.

Participou como voluntária o ano passado. O que é que a marcou mais nesta experiência?

O que me chocou mais foi a ausência de bens básicos. Estávamos num bairro muito pobre, e ver casas que não têm teto, não têm casa de banho, não têm água nem luz, realmente é a ausência de tudo… eles não têm nada, e são pessoas que são verdadeiramente felizes, o que nos leva a pensar “o que é realmente a felicidade?”. Vai muito mais além das coisas que temos. Depois também mudou o meu sentido de voluntariado. Fazemos voluntariado porque gostamos, porque nos sentimos bem, mas ali nem tudo o que fazemos nos faz sentir bem. Porque é que eu estava ali? É mesmo este sentido de fazermos aquilo que é preciso. Servir é fazer o que é preciso, não é fazermos aquilo que nós queremos. E isso toca muito.

Já tinha feito voluntariado?

Participei na Missão País, animo um campo de férias que criámos na sequências das missões universitárias, já colaborei com a Comunidade Vida e Paz e agora às segundas-feiras à noite distribuo refeições aos sem abrigo, com a Irmandade do Santíssimo Sacramento da Santa Cruz e Passos da Igreja da Conceição Velha. Mas, Cabo Verde marcou-me de outra forma.

A missão este ano vai decorrer quando, e tem que duração?

Ainda estamos a negociar as viagens, e pode haver alterações nas partidas e chegadas, mas as datas provisórias apontam para 18 de julho e 6 de agosto. Terá a duração aproximadamente de três semanas. São duas semanas de trabalho em campo, mas vai-se sempre mais cedo e volta-se mais tarde por motivos de preparação e de arrumação.

[Notícia corrigida às 15h27 de terça-feira]

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