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Dominique Wolton

“Liberdade de informação não é liberdade de expressão”

26 fev, 2018 - 12:30 • Elsa Araújo Rodrigues

O sociólogo francês sublinha, em entrevista à Renascença, que já não é válido o paradigma do século XX, segundo o qual "mais informação" significa "mais democracia".

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O sociólogo francês Dominique Wolton defende que existe uma confusão entre o que é comunicação e informação, em grande medida, criada pela forma como comunicamos nas redes sociais.

Num tempo em que nunca se falou tanto de "notícias falsas" como agora, o académico francês considera urgente que o jornalismo recupere a sua função de intermediário e que os “jornalistas têm de dizer basta”.

Domique Wolton reconhece que "existem ‘fake news’", mas sublinha que “também existem falsos jornalistas”.

Wolton tinha prevista uma passagem por Lisboa, para participar da "Noite das Ideias 2018", na Gulkenkian. Um problema de ligações aéreas impediu-o de chegar à capital portuguesa, pelo que a entrevista prometida à Renascença acabou por ser feita por telefone.

Desde que começou a investigar os temas da comunicação e da internet, muita coisa mudou. Vivemos numa época em que as "fake news" se multiplicam nas redes sociais. O que mudou?.

As coisas não mudaram de forma assim tão fundamental. À parte de alguns exemplos de notícias sobre derrapagens financeiras, sexuais ou de notícias falsas, ainda há no mundo uma grande tolerância e admiração em relação a tudo o que tem a ver com a Internet.

O entendimento geral é o de que a internet representou uma verdadeira revolução em que, globalmente, os aspectos positivos são muito superiores aos negativos.

Toda a gente reconhece que há problemas de regulação, mas não se coloca em causa esta indústria. Há uma oposição em relação ao sentimento de liberdade e emancipação proporcionado pelas redes sociais e a realidade económica e política do poder de empresas como a Google, Apple, Amazon ou Facebook. É uma contradição que ainda não levanta assim tantos problemas.

Quem utiliza as redes sociais sente-se defraudado pelas notícias que têm vindo a lume e que dão conta do envolvimento de "hackers" na tentativa de manipular as suas opiniões e o seu sentido de voto?

As pessoas, em geral, estão um pouco mais desconfiadas do que antes, mas ainda não estão suficientemente desconfiadas. Pensam que os aspetos positivos [da internet e das redes sociais] - como a velocidade, a liberdade, e emancipação - são mais fortes que os aspetos negativos. Não há resistência, não há uma reacção negativa generalizada.

Porquê?

O sentimento geral é de que vamos encontrar uma solução no campo da regulação. E os jovens, sobretudo os jovens, estão convencidos de que as coisas seguem na boa direcção.

Vivemos numa época em que há excesso de informação?

Sim. Mas a verdadeira questão é que ninguém previu que o aumento do volume de informação, que a abundância de informação desse origem a tantos rumores, boatos, tantas novidades falsas. Nunca pensámos nisso. Assim como também não pensámos em todos os que "produzem" informação nas redes sociais e que não são jornalistas. E, mesmo quando os jornalistas tentam controlar essa informação, o contra-senso é total.

Um contra-senso?...

Sim. O verdadeiro problema é que nunca foi tão fácil produzir informação, mas o controlo dessa informação pelo jornalismo é muito fraco. Nos últimos 20 anos, muitos jornalistas tiveram a tendência de nos fazer crer que a internet e as redes sociais eram formidáveis, à excepção de alguns pequenos fracassos.

Permanecemos no paradigma do modelo de informação do século XX, que defendia que quanto mais informação existisse, mais democrática seria. Isso deixou de ser verdade. Se não controlarmos a informação que é publicada, vai haver um pouco de tudo.

De que forma é que o avanço rápido da tecnologia mudou a nossa forma de comunicar?

O problema é que parece que não conseguimos perceber de que o modelo dominante que vigorou durante muitos séculos era o da informação controlada. Agora, pensamos, de forma um pouco ingénua, que se a informação não é controlada é mais democrática. Não é verdade. A realidade é mais complexa que isso. É preciso inventar um novo código.

Que tipo de código?

Quando dizemos que existem "fake news", sim, existem. Mas também existem falsos jornalistas. Se há má informação, é porque existem maus jornalistas e também más redes de informação.

A força da ingenuidade que reina consiste em acreditar [literalmente] naquilo que cada um exprime - e a expressão através das redes sociais não é, em si, má. Mas essa expressão não é “a verdade” e continuamos confrontados com o problema do controlo.

O controlo, a triagem é o que faz a grandeza do trabalho jornalístico. Se os jornalistas querem conservar a verdade do ofício, é absolutamente necessário que digam 'basta'. Até chegarmos aí, vai continuar a haver boa e má informação e seremos nós, não jornalistas, a fazer o controlo. Nós é que teremos que ser os documentalistas, os intérpretes. Alguém tem de fazer esse trabalho intelectual.

Faltam jornalistas que façam o controlo, a triagem de que fala?

Sim. A liberdade de informação não é liberdade de expressão. E, hoje em dia, confundimos as duas coisas.

Vinha a Lisboa (para participar da "Noite das Ideias 2018", na Gulkenkian) falar sobre as utopias da comunicação.

A utopia da comunicação é a ideia de que, graças aos sistemas de informação baseados na internet - onde podemos difundir de forma rápida e fácil grandes quantidades de informação - há uma relação direta entre a informação e a comunicação.

A liberdade de informação é a liberdade da mensagem. A comunicação é a relação em que há um emissor e um receptor. O receptor não está sempre de acordo com o emissor. A utopia da comunicação é a crença de que existe continuidade entre a informação e a comunicação. Mas essa continuidade não existe.

Não se distingue comunicação de informação, nas redes sociais?

Informar não é comunicar. A comunicação implica uma relação, é uma negociação entre duas partes. A informação é a mensagem. E, se for uma mensagem política, é absolutamente necessário ultrapassar essa utopia em relação à informação.

A informação tem regras sobre como deve ser transmitida - isso não é nada de novo. Mas as regras que já existem devem ser aplicadas e, de forma séria, nas redes sociais.

O poder político tem beneficiado dessa proliferação da comunicação que é confundida com informação?

Não tenho a certeza. Mas parece-me que eles [os políticos] pensam que sim, que são beneficiados. Os políticos, tal como a grande maioria das outras pessoas, também estão bastante fascinados pelas redes sociais e gostam que as pessoas se exprimam por esse meio. Mas, como disse, essa expressão não representa necessariamente “a verdade”.

Só porque tenho uma opinião, não quer dizer que seja uma opinião justa. É preciso compreender que esta liberdade de expressão é diferente do trabalho jornalístico, do comentário político, etc. Acreditámos e ainda cremos que o veicular da informação suprime todos os intermediários, que podemos fazer tudo sozinhos - e isso é falso.

O que pensa da utilização que Donald Trump faz do Twitter? Segundo ele, é uma forma de dispensar intermediários.

É uma afirmação completamente falsa e demagógica. Primeiro, porque é mais complicado do que parece: continua a haver uma série de barreiras, de constrangimentos, de segredos. Quando Trump publica um “tweet”, isso não significa que está a comunicar directamente com o eleitor. Continua a existir um hiato entre o cidadão comum e o Presidente dos Estados Unidos e não é um tweet que diminui essa distância.

O Presidente pode escrever o que quiser, mas, depois, existem as forças políticas, económicas, os serviços secretos e tudo o resto. É demagógico pensar que os eleitores que "tweetam" e o Presidente que também o faz estão em pé de igualdade. Só estão em igualdade no sentido em que ambos votam. Mas acaba aí. O facto de Trump comunicar por "tweets" não faz dessa comunicação mais democrática. Não é verdade.

A utilização que Trump faz do Twitter poderá ter aberto um precedente para outros líderes ou é uma situação específica da realidade dos EUA?

Penso que pode ser específica dos EUA, porque os norte-americanos adoram tudo o que tenha a ver com inovação tecnológica aliada a uma ilusão de participação do povo. É uma espécie de loucura que tem tudo para ser perigosa e, sobretudo, demagógica. Não creio que venha a ter muitos seguidores. E também não desejo que isso venha a acontecer.

Comentários
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  • VIRIATO
    07 mar, 2018 CONDADO PORTUCALENSE 11:53
    "Domique Wolton reconhece que "existem ‘fake news’", mas sublinha que “também existem falsos jornalistas”. Pior que isto é o monopólio dos media por parte de lobbies como o neo liberal e o lobby gay. Esta turma é como os eucaliptos seca todo o pensamento à sua volta. Estas minorias impõem a sua ditadura contra o pensamento geral, intoxicam, desinformam, mentem, condicionam, assassinam civilizacionalmente falando, a verdadeira ordem natural das coisas. São peões colocados nos lugares certos e este processo demorou à volta de 30 anos e o resultado está à vista...degradação da nossa sociedade em que os jovens já não distinguem o certo do errado, porque foi-lhes ensinado que tudo é certo, mesmo o que esteja errado. Erradicaremos este mal quando eliminarmos este condicionamento feito por esses lobbies através do jornalixo e dos jornaleiros. A isenção, ética, deontologia e o dever de informar e não deformar, tem que estar na prioridade da formação académica do verdadeiro JORNALISMO e dos verdadeiros JORNALISTAS.
  • Francisco José
    27 fev, 2018 Carcavelos 09:10
    Eu prefiro simplificar as coisas: com a conversão a DEUS (a JESUS CRISTO), acabam-se as falsas notícias e outras coisas criminosas. Sobre jornalismo e revistas que se vendem nas bancas, quem disse que não estão, hoje, as suas opiniões infestadas de ideologia materialista e preconceitos. Isso também gera informação falsa. Sobre o controlo, já disse que não seria necessário com DEUS no coração humano. Este mundo materialista afastou o homem de DEUS. Mas quem terá, hoje, autoridade moral para fazer esse controlo? Os imorais? Sobre democracia, é coisa distinta de liberdade, poderíamos até ter uma ditadura (alguém com os poderes do Estado concentrados nas suas mãos) e haver liberdade expressão, creio que, historicamente, isso nunca aconteceu, mas seria perfeitamente possível, uma coisa é democracia, outra, bem distinta, é a citada liberdade. Quanto à liberdade propriamente dita, esta é dom de DEUS e perdem-na todos os que perdem DEUS e caiem nas garras do espírito do Mal. Finalmente, democracia, no sentido de quem manda, certamente, não é o povo, mas os que mandam neste mundo. Não gostam de ditadores, porque estes resistem às suas imposições.
  • António Costa
    26 fev, 2018 Cacém 15:16
    AS ‘fake news’" são mais velhas que a "Cheias do Nilo". A propaganda sempre existiu. E também já existia no tempo dos faraós, do Antigo Egipto. Hoje apenas o "controle da informação" é realizado de maneira diferente. No século passado, como se controlavam os órgãos de informação? Cada "força politica" tinha os "seus". Hoje as mesmas "informações verdadeiras" são repetidas milhares de vezes. O cidadão comum não tem tempo ou não se interessa. É o "analfabetismo moderno": repetir frases feitas, que os próprios não entendem, mas que demonstram "muitos conhecimentos".

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