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Entrevista

Marcos Caruso aos 44 anos de carreira: "Preciso de respirar teatro"

09 fev, 2018 - 16:01 • Maria João Costa

O ator está em Portugal com a peça "O Escândalo Philippe Dussaert". "Na televisão falo para 40 milhões de pessoas, no teatro falo para 400 e o prazer é igual, se não maior", diz em entrevista à Renascença.

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Diz que poderia representar em cima de uma caixa de madeira para um só espetador e seria feliz. Marcos Caruso, ator brasileiro com uma carreira de 44 anos no palco, está em Portugal com a peça "O Escândalo Philippe Dussaert".

No Brasil venceu todos os prémios de teatro que havia para ganhar com a peça, que esteve ano e meio em cena. No palco reflete sobre o valor da vida, a partir de uma sátira de um pintor que copiava telas famosas e cujas obras atingiram valores elevados em leilão.

Cara conhecida das telenovelas, em entrevista à Renascença, Caruso diz que precisa “respirar teatro”. A peça que foi escrita pelo dramaturgo Jacques Mougenot vai estar no palco do Auditório dos Oceanos no Casino Lisboa até 25 de fevereiro. Em março estará de 1 a 4 no Teatro Sá da Bandeira, no Porto; dia 6 em Coimbra, depois seguem-se Vila Nova de Famalicão, de 8 a 11, Braga, de 15 a 18, e Águeda, de 23 a 24 de março.

Que história é contada nesta peça?

É um escândalo sem precedentes na história da arte contemporânea e aconteceu com a última obra do artista Philippe Dussaert, que iniciou a sua carreira como copista. Ele copiava obras de arte, as telas mais famosas dos pintores mais famosos e ia tirando alguns elementos humanos das telas. Ia deixando as telas com as paisagens, depois foi tirando, tirando, a ponto de chegar a uma obra que foi leiloada depois da sua morte por uma fortuna e sobre a qual o governo francês instaurou uma comissão para julgar se aquilo valia ou não valia a fortuna que pediram.

Usamos esse escândalo que parece coisa séria, mas com muito humor, de forma extremamente popular. Colocamos o dedo na ferida dos pequenos escândalos do nosso dia a dia. Como é que isto pode custar aquilo? Como estamos a ser enganados diariamente por palavras mentirosas. A peça tem uma discussão muito maior do que só desvendar esse escândalo.

A reflexão nesta peça vai para além da questão do valor da arte?

Exatamente. Reflete sobre o valor das coisas: quanto vale uma amizade, um carinho, um copo de água, o metro quadrado em Campo de Ourique. Quanto valem as coisas. Discute-se a vaidade. Tudo isso é muito sério. A peça está em cartaz há dez anos em França e no Brasil ficámos um ano e meio. O espetáculo tem bom humor para falar dessas coisas que nos incomodam.

O humor ajuda nessa reflexão?

Não tenha dúvida. Através do humor você chega à reflexão, fica mais relaxada diante da vida.

A peça já venceu vários prémios.

Inacreditavelmente! Digo isto porque nunca tinha acontecido na história dos prémios. No Brasil, há seis prémios de teatro e eu ganhei os seis! Ou eles enganaram-se ou realmente eu mereço [risos] e a peça está aí a fazer sucesso há mais de um ano e meio.

Como é a dicotomia de fazer telenovela durante o dia e teatro à noite? São dois mundos diferentes?

São muito diferentes. Um você controla, deseja, e tem aquele objetivo a cumprir que é o teatro. Eu sei o que quero fazer e se não quiser fazer, digo: esta peça não farei. Se eu quiser fazer, faço até debaixo de chuva, em cima de um caixote de madeira, no meio de uma praça, apenas para uma pessoa assistir. E terei esse prazer. Na televisão, sou direcionado a fazer aquilo que o autor, a emissora e o público querem. Muitas vezes não somos assim tão felizes. Às vezes, a gente pega uma personagem que não é tão bom. Mas enfim... É um trabalho que adoro fazer. Trabalho na segunda maior emissora do mundo que é a Rede Globo. Isso dá-nos condições artísticas e tecnológicas de realizar um trabalho maravilhoso, mas o teatro é artesanal. Eu saio daquele complexo monstruoso que são os estúdios Globo, onde fico das nove da manhã até às oito e meia da noite, trancado lá, tendo toda a estrutura para o meu trabalho. Saio dali, vou para o teatro e fico sozinho em cena fazendo o meu trabalho artesanal, a minha filigrana, para aquelas poucas pessoas. Na televisão falo para 40 milhões de pessoas, no teatro falo para 400 e o prazer é igual, se não maior.

Há mais de 40 anos.

Há 44 anos assim. Nasci fazendo teatro, continuo fazendo teatro, não faço televisão ou cinema sem fazer teatro. O teatro é a minha vida.

É para não perder a mão?

Acho que sim. É como se tivesse uma prancha de surf. Surfando no mar, pego uma onda linda que é o cinema, que é a televisão e ela me leva até à praia que é o teatro. Também posso entrar numa onda horrível e ela me dá uma cambalhota, rebento-me inteiro na areia, mas rebento-me na areia que é o teatro. Tenho sempre que voltar ao teatro. É ele que me dá o maior prazer de interpretar.

Em palco neste "Escândalo Philippe Dussaert" está sozinho, mas precisa da companhia do público. É com ele que estabelece o diálogo e se alimenta como ator.

Sem dúvida. Recebo o público na porta do teatro. Converso com as pessoas, tomo café com elas. A peça não começa ali. Ali sou eu mesmo que estou a receber as pessoas. Como se estivesse a receber na minha casa. Depois vamos entrando para a sala de espetáculo e faço uma palestra de uma hora e 20 minutos, muito bem-humorada, olhando nos olhos das pessoas. É realmente um monólogo, mas procuro chamá-lo de "solo coletivo". Estou sozinho, mas sem a plateia, não acontece. Cada dia é diferente. O teatro é uma arte ao vivo e nada a matará. Você sentar-se na plateia e acreditar que aquela mentira é verdade, ao vivo, é imperdível.

Fala do teatro como quem o respira. Algum dia pensa reformar-se?

Se eu me reformar é como se estivesse a tirar o oxigénio do nariz de um moribundo. Não posso, não posso. Preciso de respirar teatro. Reformar-me, jamais! Se tiver algum problema de saúde e ficar numa cadeira de rodas, interpreto na cadeira de rodas. Se perder a voz, falo com as mãos, mas não vou deixar o teatro, jamais.

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