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Das mãos do mascarilheiro de Sendim saíram mais de meio milhar de máscaras

08 fev, 2018 - 10:22 • Olímpia Mairos

Carlos Ferreira apaixonou-se há 17 anos por esta arte. O artesão também faz máscaras exóticas ou de sátira política, destacando-se a dedicada a Donald Trump.

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Filho de pais artesãos, desde miúdo trabalhou a madeira. Carlos Ferreira tem 56 anos e é natural de Sendim, concelho de Miranda do Douro. No ano 2000, ao percorrer o Planalto Mirandês, para um documentário sobre as festas solsticiais, tomou contacto com os rituais de máscaras. “Foi um cruzamento de dados que fez tempestade e comecei logo a fazer máscaras”, conta à Renascença.

O grande empurrão surgiu no contexto familiar, onde existe uma tradição muito específica: cada um, depois do jantar de consoada, tem de mostrar os seus dotes. Em 2000 mostrou meia dúzia de máscaras e teve “um grande entusiasmo e até pressão” familiar para continuar a esculpir. Desde então, nunca mais parou. E se “no princípio saiam mais toscas, mais atabalhoadas”, o talento foi-se desenvolvendo e hoje, “já ultrapassadas as 500”, sobressaem verdadeiras obras de arte.

Uma paixão e um antidepressivo

Esculpir a madeira é a verdadeira paixão de Carlos Ferreira. À Renascença, reconhece que ainda “está na fase do deslumbramento” e que esta arte se apresenta como “uma espécie de tratamento antidepressivo”.

Para o artesão, a arte de fazer máscaras é como um grande amor. “A gente não pode estar separado, porque depois sente saudades e está perdido se não estiver ao pé desse amor”.

As suas palavras transmitem a paixão que nutre pela vida e pela arte. “Às vezes sonho com certas particularidades e tenho que me levantar direto”, revela Carlos, que promete continuar a desenvolver a arte “enquanto a artrose não atacar as mãos”.

O mascarilheiro de Sendim faz máscaras de diversos formatos e feitios e procura trabalhá-las em três vertentes.

À cabeça “a máscara ritual transmontana, com aquele casco cultural identitário muito forte ligado às máscaras, tentando fazer interpretações e até réplicas das várias máscaras atuais”, depois máscaras de outros rituais, de outras regiões guardadoras dessa riqueza da máscara” e, por fim, máscaras de inspiração pessoal”. O artesão também faz máscaras exóticas ou de sátira política, e aqui destaca-se a dedicada ao Presidente dos EUA, Donald Trump.

Para Carlos Ferreira, a máscara é como uma segunda pele da cara: desde os primórdios, onde houver homem, há máscara. E isso fascina-o e dá-lhe ânimo para continuar e preservar a arte.

“Toda a madeira que me chega morre em máscara”

É verdade, garante o artesão, que para fazer uma boa máscara é preciso saber escolher uma boa madeira e ter as ferramentas adequadas e afiadas, mas também a inspiração e a criatividade são necessárias e fundamentais a quem se dedica a esta arte secular.

Começando pela madeira, esta deve obedecer a dois requisitos importantes. Por um lado, deve “ser leve, para que durante o ritual a pessoa possa andar cinco a seis horas com ela na cara sem pesar muito” e, por outro, bastante porosa “porque em contato com a pele da cara deve absorver a transpiração”.

Aconselham-se, por isso, as madeiras de crescimento rápido, as madeiras de água, como o choupo e o amieiro, mas Carlos já fez máscaras de “cerejeira, zimbro, amoreira, nogueira e até nespereira”. “Toda a madeira que me chegar às mãos, verde ou seca, morre em máscara, ou seja, tem uma metamorfose para máscara”, garante.

As ferramentas com que trabalha a madeira são rudimentares: goivas, formões, enxó, martelo, faca, grosa e lixa. A ciência e a beleza da obra residem em “ir devagarinho, ir tirando, tirando… com paciência”.

“Há dias em que deixo a máscara bastante bruta, em que não tem sequer muito trabalho de lixa e deixo a madeira natural; outras são bastante lixadas, ficam com um polimento como se fosse veludo, mas ficam na cor da própria madeira; e outras que são tratadas com produtos, sobretudo ceras para que a madeira não perca qualidades ou, pelo menos, para que não apodreça”.

Há outras máscaras que são cromadas e em que Carlos Ferreira utiliza “a pintura, sobretudo o vermelho e o preto, como grande parte das máscaras rituais da região”. Também nisso, depende dos dias, “há uma panóplia, há para tudo”.

Executar uma máscara é um trabalho meticuloso, que implica inspiração e tempo. Carlos Ferreira expõe o talento e conta: “Tenho máscaras que faço num dia, mas tenho máscaras que já gastei mais de 15 dias. São peças, às vezes, muito grandes, inteiriças, que têm alguma complexidade e que têm vários riscos de partir”, exemplifica.

Uma máscara saída das mãos de Carlos Ferreira pode custar “desde os 20 euros, máscaras muito pequenininhas, rudimentares, máscaras feitas em cortiça, que são também típicas de alguns rituais, até aos 800 euros. Em média, andarão entre os 150 e os 250 euros”.

Mais de três dezenas de exposições

As máscaras do mascarilheiro de Sendim podem ser encontradas em Portugal, mas também em Espanha, França ou Estados Unidos da América, onde são apreciadas por colecionadores ou decoradores.

Carlos Ferreira já fez “mais de três dezenas de exposições sobretudo em Portugal e em Espanha”. Atualmente tem a decorrer uma exposição no Museu Abade de Baçal, em Bragança, e outra no Posto de Turismo de Pedras Salgadas.

Fica feliz com os convites que recebe para expor e poder partilhar o seu tesouro, mas o que mais o faz feliz é ver uma das suas máscaras integrar um ritual de máscaras transmontanas, porque “termos uma máscara que nós fizemos e que foi ritualizada é o céu dos mascarilheiros”.

“Quando vemos estes entes, que fazem parte dos rituais transmontanos, com uma máscara nossa, é uma felicidade total”, diz a sorrir.

O espólio de Carlos Ferreira está todo informatizado e catalogado para, que nada se perca do que sai das mãos deste artista apaixonado pelas máscaras e pela cultura transmontana.

“Tenho um ficheiro geral, com todas as máscaras fotografadas em que registo as dimensões da máscara, o tipo de madeira, o nome da máscara, as várias características, o número da ordem… É uma espécie cartão de cidadão”.

Carlos Ferreira é também adepto da partilha e serve-se das redes sociais para a divulgação dos seus trabalhos e para dar a outros construtores ou investigadores da máscara a possibilidade de analisarem as suas obras.

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