16 jan, 2018 - 06:37
Veja também:
O Ministério do Ambiente contabilizou como recicladas quase 270 mil toneladas de resíduos que, afinal, foram enviadas para aterro ou incineração. A denúncia é feita pelos ambientalistas da Zero, depois de ter cruzado a informação da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e do Sistema de Gestão de Resíduos Urbanos (SGRU) relativos a 2016 com o que consta no Relatório de Estado do Ambiente 2017.
“Não é aceitável que depois de 20 anos de
política de resíduos em Portugal, voltemos atrás e estejamos a martelar os números. É uma coisa perfeitamente inacreditável”, disse à
Renascença o ambientalista Rui Berkemeier.
Em comunicado, a Zero explica que, face à discrepância, “analisou individualmente os dados de cada SGRU”, verificando que as 268.709 toneladas que a Agência do Ambiente considera como recicladas foram enviadas para aterro ou incineração.
Por isso, esses resíduos pagaram Taxa de Gestão de Resíduos ao Ministério do Ambiente, que, ao contabilizar as mesmas toneladas como recicladas, obteve um duplo benefício: recebeu a taxa (que “rondará os 1,7 milhões de euros”) e apresentou um melhor desempenho ambiental. “O melhor de dois mundos”, escrevem os ambientalistas no comunicado.
“Existem técnicos no Ministério do Ambiente que
sabem fazer estas contas e parece-nos que haverá aqui uma instrução a nível político
para contabilizar como reciclados matérias que não foram”, acusa Rui Berkemeier, acrescentando que este "erro grosseiro" não pode ser aceite.
Nestas declarações à Renascença, o ambientalista avança uma explicação. “O problema é
que Portugal está muito atrasado na reciclagem. Mesmo contando com os resíduos
que não foram reciclados – o cálculo do Ministério do Ambiente - nós estamos com
38% de reciclagem, quando a meta a nível comunitário, para daqui a dois anos, é
de 50% e Portugal tem que cumprir”.
Significa isto que a taxa de reciclagem de 38% dos resíduos urbanos, apresentada pela APA para 2016 e que também consta no último Relatório de Estado do Ambiente, é afinal de 30% – “o que fica muito aquém da meta comunitária de 50% estabelecida para 2020”.
“A principal razão de ser deste desencontro de números tem a ver com o facto da APA, por instruções do Ministério do Ambiente, estar a considerar como reciclados todos os resíduos orgânicos que entram nas unidades de valorização de resíduos orgânicos ou de tratamento mecânico e biológico, independentemente de, no final, os mesmos serem efectivamente reciclados e transformados em composto ou de, pelo contrário, serem enviados para aterro ou incineração”, explica a associação ambientalista.
Por isso, a Zero fala em óbvia “manipulação grosseira dos dados da reciclagem, que visa aumentar artificialmente a taxa de reciclagem com base numa realidade fictícia”.
Os ambientalistas concluem que, em 2016, foram efectivamente recicladas menos 270 toneladas de resíduos, o equivalente à produção anual de resíduos urbanos de mais de meio milhão de portugueses.
"A Zero já solicitou ao Ministério do Ambiente que corrija de imediato os dados errados sobre a reciclagem de resíduos urbanos que constam no Relatório do Estado do Ambiente relativos a 2016, por forma a que a anunciada revisão extraordinária do Plano Estratégico para os Resíduos Urbanos seja baseada em dados credíveis", acrescenta a associação.
Contagem de resíduos cumpre “instrumento legal”
Contactado pela Renascença, o Ministério do Ambiente diz que se limita a aplicar uma metodologia criada para calcular as metas da reciclagem, sem qualquer alteração em 2016.
“A metodologia de cálculo das metas da preparação para reutilização e reciclagem é uma metodologia que consta de um instrumento legal em Portugal, que é o Plano Estratégico de Resíduos Sólidos e Urbanos, aprovado em 2014 até 2020”, começa por explicar o secretário de Estado do Ambiente.
“É essa metodologia que a Agência Portuguesa do Ambiente vem cumprindo para determinar os nossos dados e posso reportar ao INE [Instituto Nacional de Estatística] quer ao Eurostat. Desse ponto de vista, dizer que não houve qualquer alteração de metodologia para os dados de 2016 – ela segue exactamente aquilo que está disposto nesse instrumento legal”, remata Carlos Martins.