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Crónicas da América
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Análise

Investigador especial quer interrogar Trump

10 jan, 2018 - 08:16 • José Alberto Lemos, correspondente nos EUA

A investigação à eventual conspiração entre a Rússia e a campanha de Donald Trump aproxima-se cada vez mais do presidente. Robert Mueller quer agora interrogar o inquilino da Casa Branca e a inquietação paira nas hostes trumpistas. Se recusar, Trump poderá enfrentar um grande júri em audiência pública.

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O poderoso discurso de Oprah Winfrey na cerimónia dos Globos de Ouro e a subsequente especulação sobre a sua eventual candidatura a presidente dos Estados Unidos em 2020 acabaram por quase ofuscar uma notícia cujo impacto pode ser da maior importância para o futuro da presidência de Donald Trump.

Na mesma segunda-feira em que a intervenção de Oprah empolgou milhões de americanos, ao estabelecer um paralelo entre a luta pelos direitos cívicos dos negros nos anos 1960 e a luta actual das mulheres contra os abusos sexuais de homens poderosos, soube-se que a investigação especial sobre as ligações entre a Rússia e a campanha de Trump se orienta agora para a acção do próprio Presidente e quer interrogá-lo pessoalmente.

A notícia foi dada pela NBC e revela que a equipa do investigador especial Robert Mueller está em conversações com os advogados da Casa Branca para chegar a um entendimento sobre a melhor forma de proceder a um interrogatório a Trump.

Não há muitas opções disponíveis. Hipótese um: Trump responde por escrito às perguntas enviadas pelos investigadores. Hipótese dois: Trump submete-se a um interrogatório conduzido por Mueller e respectiva equipa na presença dos seus advogados e a recato de olhares públicos. Hipótese três: Trump é intimado a comparecer perante um grande júri numa audiência pública e transmitida pela televisão.

A primeira hipótese seria, naturalmente, a mais confortável para a Casa Branca. Os advogados de Trump estarão a bater-se por ela junto da equipa do procurador especial nos contactos em curso, que começaram em Dezembro. Mas a generalidade dos juristas citados pelos media americanos garante que a probabilidade de Robert Mueller aceitar esse procedimento é quase nula.

Refira-se que estamos a falar de uma investigação criminal em que a suspeita de ter conspirado com uma potência estrangeira rival, a provar-se, configura um crime federal punível com prisão efectiva. Além da suspeita de obstrução à justiça.

A terceira hipótese é, obviamente, a mais incómoda e aquela que a Casa Branca quer evitar a todo o custo. Trump deporia sob juramento e a sua propensão para faltar à verdade, as suas constantes incoerências, mudanças súbitas de opinião e de humor, reacções sanguíneas, poderiam ser-lhe fatais. E isto perante o país e o mundo.

Recorde-se que mesmo um homem superiormente inteligente e habituado à exposição pública como Bill Clinton se mostrou bastante embaraçado quando, em 1998, depôs perante um grande júri sobre o caso Monica Lewinski. Refugiou-se em interpretações semânticas sobre alguns termos usados pelos investigadores, fragilizou o seu depoimento e acabou acusado de perjúrio e alvo de um processo judicial de “impeachment”.

A segunda hipótese parece, pois, a mais plausível e será isso mesmo que a equipa de Mueller está a propor aos advogados de Trump. E tem um trunfo decisivo: caso a Casa Branca recuse o interrogatório, o procurador especial pode intimar o presidente a comparecer perante um grande júri.

Não se vislumbra, portanto, como poderá Trump escapar ao interrogatório do investigador especial. Conscientes da situação, os advogados do presidente estarão a tentar agora estabelecer os termos em que o interrogatório decorrerá. A saber: onde, quando, durante quanto tempo, na presença de quem, com que regras e que assuntos abordará. Prevê-se que haja acordo nas próximas semanas.

Intervenções e memorandos curtos pede Trump

Limitar o âmbito das perguntas será crucial para Trump conseguir concentrar-se e evitar as derrapagens retóricas que lhe são peculiares.

A sua incapacidade de concentração num assunto específico já se tornou motivo de escárnio em Washington e entre os aliados. Sobretudo desde que se soube que deu instruções aos colaboradores para não lhe levarem memorandos com mais de uma página, e que foi pedido aos dirigentes aliados para não fazerem intervenções superiores a quatro minutos na cimeira da NATO no ano passado em Bruxelas porque esse é o limite para atrair a atenção de Trump.

Essa é a grande dor de cabeça dos seus advogados. A volubilidade das suas afirmações tem um registo que não deixa ninguém tranquilo na Casa Branca. Especificamente quanto à questão do eventual conluio com a Rússia, Trump não se tem cansado de dizer que a investigação sobre o assunto é um “embuste” politicamente motivado e proclama a sua inocência.

O seu comportamento no caso, porém, não é coerente com o de alguém que nada tem a esconder. Pouco depois de ser eleito pediu ao director do FBI para deixar cair a investigação ao seu conselheiro nacional de segurança, Michael Flynn, suspeito de conspirar com os russos. A investigação prosseguiu e Trump afastou James Comey da direcção do FBI. Os assessores esforçaram-se por vender publicamente a tese de que a demissão nada tinha a ver com a investigação sobre a Rússia. Trump, contudo, desmentiu-os dois dias depois, admitindo que essa tinha sido, de facto, a sua motivação.

Não será, por isso, difícil aos interrogadores confrontar o presidente com estas incoerências e não será fácil a Trump desenvencilhar-se delas de forma convincente. É que várias das suas acções configuram alegada “obstrução à justiça”, o que seria uma acusação grave, esteja ou não associada a eventual conspiração com uma potência estrangeira.

Os advogados da Casa Branca garantem que estão a cooperar a cem por cento com a investigação especial de Robert Mueller e que o presidente nada tem a esconder porque está inocente. E interpretam este pedido para interrogatório como um sinal de que a investigação se aproxima do final, libertando Trump do maior espectro que paira sobre o seu mandato.

É a perspectiva optimista, que parte do princípio que Trump sai ilibado do inquérito. Mas os indícios existentes até agora não apontam nesse sentido. E muito menos em relação ao seu filho mais velho, Donald Júnior, e ao genro, Jared Kushner, ambos já interrogados pela equipa de Mueller e cujos negócios estão sob profundo escrutínio.

“Follow the money” (sigam a pista do dinheiro), é a velha máxima americana que os investigadores estarão a cumprir com denodo.

Comentários
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  • couto machado
    11 jan, 2018 Porto 19:45
    Deve ser o Presidente mais atacado da história dos Estados Unidos. Mas vai andando e o resto é treta.

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