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2018 é o Ano Europeu do Património. Um “alerta" e uma "chamada à participação"

02 jan, 2018 - 19:33 • Maria João Costa

Guilherme d’Oliveira Martins, comissário nacional do Ano Europeu do Património 2018, apela à mobilização. Não basta conhecer o património. É preciso vivê-lo e preservá-lo.

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É preciso acabar com uma ideia “estática e passadista” do património, diz Guilherme d’Oliveira Martins. Em entrevista à Renascença, o coordenador nacional do Ano Europeu do Património, que se assinala em 2018, apela às escolas e sociedade civil para se envolverem no conhecimento da herança material e imaterial.

Às escolas pede-se que adoptem um monumento, está em preparação uma aplicação digital para ajudar. Às associações, o comissário pede que mobilizem a sociedade civil. A ordem é saber preservar o legado de séculos para o poder passar às futuras gerações.

Este Ano Europeu do Património vai obrigar a olhar para o património de uma forma abrangente. Não estamos a falar apenas de monumentos?

Essa é a preocupação fundamental que existiu quando a União Europeia decidiu este ano temático. O objectivo foi, primeiro, tirar da cabeça das pessoas uma ideia estática e passadista de património. O património é o património construído e não o podemos deixar ao abandono, mas é também o património imaterial, são as tradições, aspectos ligados à língua e vivência cultural, como o fado, o cante alentejano e, recentemente, as imagens de Estremoz.

A ideia é irmos também ao imaterial como as paisagens, cada vez mais importantes. E temos também a ligação à criação contemporânea. Os contemporâneos têm aqui um papel importante no equilibro entre aquilo que criam e aquilo que herdamos. Nada melhor para evocar a força e importância do património do que recordámos a parábola dos talentos. Aquele que enterrou o seu talento, perdeu-o. Se nós enterramos, esquecemos e formos indiferentes ao património, estaremos a perder e muito.

É importante este Ano Europeu do Património servir de alerta à sociedade civil para estimar o seu legado, a herança patrimonial?

Exactamente. É um ano de alerta e de chamada à participação. Pela primeira vez, há uma iniciativa em que há um portal europeu onde se fará o registo das iniciativas. Não há nenhuma escolha prévia. Caberá aos promotores e ao público fazer as melhores escolhas. Depois, há um cuidado muito especial com os bens que temos a nosso cargo. Diria que estamos perante a necessidade de um culto do património cultural. Significa que temos que enriquecer aquilo que recebemos, mas temos também de ter muito cuidado.

Por exemplo?

Dou dois exemplos. Um bem que nós recebemos e não sabemos como o conservar. Nesses casos temos de ter um cuidado extremo e não fazer intervenções que, às vezes, levam à destruição do bem que temos. Outro exemplo, é o Convento de Jesus, em Setúbal. Foi declarado como património em perigo. Felizmente, houve intervenções adequadas e, neste momento, estamos no bom caminho. Não só em Setúbal, como no Convento de Mafra onde os carrilhões estavam em perigo. Isto significa que temos que garantir uma protecção e salvaguarda compatível com os bens que existem. Não intervir com cimento armado em obras tradicionais de pedra ou outros materiais tradicionais. E a conversação tem que obedecer a um forte e importante conhecimento daquilo que existe para que numa intervenção menos cuidada não se destruir algo que chegou até nós com quatro ou cinco séculos.

É saber preservar uma herança.

Sim, às vezes é melhor guardá-la e evitar, sobretudo, intervenções que sejam pouco cuidadas e rigorosas, em que nos arriscamos a perder aquilo que se manteve com o ónus natural do tempo, mas que deve continuar a ser usufruído pelas novas gerações.

Este Ano Europeu do Património é muito virado para as novas gerações. Vai trabalhar com as escolas portuguesas?

Tive o gosto de propor isso mesmo. A proposta de Portugal foi muito bem-recebida. Temos tido uma colaboração muito boa do Ministério da Educação e da Rede de Bibliotecas Escolares, do programa Leitura Pública. Temos um conjunto de iniciativas de modo a podermos mobilizar os mais jovens para adoptarem um monumento, cuidá-lo e conhecê-lo.

As escolas vão poder adoptar um monumento?

Vão poder fazê-lo. Já estamos a trabalhar para por as novas tecnologias ao serviço do património.

Com aplicações digitais?

Sim, já estamos a trabalhar nesse sentido. Devo dizer que o ano de 2018 é muito importante, mas queremos lançar iniciativas que continuem e, portanto, não basta mobilizar e sensibilizar as pessoas para 2018. O que nós temos é de mobilizar, e daí a aposta nas escolas, os mais jovens. Não tenho dúvidas de que as duas iniciativas mais importantes que terão lugar neste ano são: o aprofundamento da investigação científica e a mobilização dos mais jovens, desde a educação pré-escolar, ensino básico, etc.. Estamos certos que essa mobilização será muito importante. Um estudo recente do Eurobarómetro em relação a Portugal diz duas coisas contraditórias. A primeira é que cuidamos, conhecemos e somos dos países que mais valorizamos o património; mas quanto à mobilização para as iniciativas somos dos Estados da União com menos envolvimento. Isso obriga-nos a articular as coisas. Temos de ter consequências práticas.

Em que actividades é que o público poderá participar neste Ano Europeu do Património?

No tal portal europeu vamos ter registadas todas as iniciativas. O apelo que faço é às associações que mobilizem a sociedade civil. Para darem a conhecer melhor o património que existe num concelho ou numa freguesia, etc. Simultaneamente, apelo aos grupos de teatro, de leitura, aos músicos porque estamos a falar de um património que é muito amplo e diversificado.

Cada qual deve empenhar-se naquilo que sente mais próximo dessa noção de património. Património não é uma noção estática, é uma noção dinâmica que vem do latim e tem o elemento múnus, que é serviço, é responsabilidade, empenhamento. Portanto, o património não é algo que, passivamente, nós recebemos e, depois, ficamos com ele nas mãos sem saber o que fazer. Não. Temos de ser proactivos com muito cuidado, sobretudo, com esse património que exige conversação e preservação.

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