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Entrevista

Pedrógão. "A credibilidade das instituições de solidariedade ficou muito prejudicada"

08 jan, 2018 - 17:23 • Elsa Araújo Rodrigues

Ajudar a ajudar é o que faz a plataforma eSolidar fundada por um português, distinguido pela Forbes.

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Aproximar empresas de instituições de solidariedade através da tecnologia. É este o objectivo da plataforma eSolidar, que aposta em leilões de objectos doados por celebridades ou experiências com os famosos para angariar donativos para várias causas sociais.

O primeiro objecto que venderam foi uma camisola do jogador Hulk, do FC Porto, por 1.500 euros. A do Leicester (campeão do Reino Unido em 2016) autografada pelo plantel chegou aos 10 mil euros.

A ideia rendeu a Marco Barbosa a distinção da revista Forbes “30 Under 30” para a Europa, na categoria de empreendedorismo social.

Em entrevista, Marco Barbosa dá conta também do envolvimento da plataforma com a onda de solidariedade que tomou conta do país para com as vítimas dos incêndios e deixou críticas em relação à forma como “algumas instituições tradicionais” têm gerido os donativos.

O que faz a eSolidar?

É uma plataforma "online" que permite ajudar instituições de solidariedade. Por um lado, queremos diversificar a forma como as instituições angariam fundos, por outro lado queremos facilitar e dar mais opções aos consumidores finais. Qualquer pessoa pode contribuir para as instituições, não apenas do modo tradicional, fazendo donativos, mas pode também, por exemplo, participar em leilões solidários. Estes leilões podem ser uma experiência única como um jantar com o Tony Carreira, uma guitarra autografada da Kate Perry ou uma camisola autografada do Cristiano Ronaldo.

Através da plataforma também pode comprar objectos das próprias lojas das instituições, como, por exemplo, os narizes vermelhos da Operação Nariz Vermelho. Queremos facilitar a forma como se contribui para as causas solidárias. Na parte empresarial também temos uma solução para que as empresas possam fazer responsabilidade social envolvendo os colaboradores no processo. É uma nova abordagem: aplicar tecnologia e ajudar empresas a ajudar instituições de solidariedade.

Como é que nasceu esta ideia de ajudar os outros a ajudar?

Nós começamos em 2012, com um outro projecto. A ideia inicial era uma plataforma de comércio electrónico, dentro do Facebook, onde as pessoas quando vendiam podiam escolher uma percentagem para reverter para uma instituição. Por exemplo, estava a vender o telemóvel por 100 euros e dizia que 20% do valor revertia e escolhia qual era a instituição. Depois começaram a haver várias iterações até chegarmos ao conceito da eSolidar.

É um conceito mais voltado para as empresas?

O nosso objectivo principal sempre foi tentar equilibrar o lado "for-profit" [com fins lucrativos] com o "non-profit" [sem fins lucrativos]. Ou seja, ligar as empresas que gastam muito dinheiro às instituições de solidariedade e as causas sociais. E tentar que haja mais colaboração entre os dois mundos, de uma forma que seja benéfica para as duas partes. E colocar a tecnologia quase como catalisador destes dois mundos.

E os leilões solidários, como surgiram?

Após o nosso primeiro investimento, começámos com os leilões solidários, começámos a colaborar com mais celebridades e com mais marcas também. Mais tarde, começámos a dar a possibilidade às próprias instituições de poderem vender.

No ano passado, depois de termos ido para Londres, percebemos que existia uma grande correlação entre responsabilidade social e o facto de os colaboradores gostarem de trabalhar para tal empresa. Não só porque tem impacto, no sentido do orgulho que o colaborador tem por trabalhar na empresa, mas também influencia a taxa de retenção de talento, a própria produtividade e a satisfação global dos colaboradores.

Não é apenas uma plataforma de solidariedade social.

Percebemos que fazia sentido trazer as empresas, as instituições e os consumidores para a mesma plataforma e criar formas de colaboração benéficas para todas as partes. Queremos que a diferença entre o capitalismo tradicional e as organizações sem fins lucrativos seja menor - que estejam muito mais próximos e que possam colaborar através da tecnologia.

Não foi um "momento eureka".

Raramente é assim.

Qual foi a primeira celebridade que ofereceu alguma coisa para leiloar na vossa plataforma?

Foi o Hulk, quando jogava no FC Porto. Uma camisola autografada da equipa através da Associação Bebés de São João. E depois foi uma camisola da selecção nacional. Conseguimos chegar à selecção e depois, a partir daí... Tivemos uma camisola autografada do Benfica e uma bola, a bola do jogo de campeão do Benfica de 2014, se não estou em erro.

A partir daí, como tivemos muita exposição mediática, vieram outras celebridades e outros clubes. E também festivais de música que começaram a dizer: isto é engraçado, faz sentido, vamos falar com eles.

Por quanto é que foi vendida essa camisola do Hulk e para que associação reverteu?

A associação foi a Bebés de São João, cerca de 1.500 euros. E a camisola do Benfica foi quase 4 mil euros.

Das doações de objectos de celebridades, qual é o recorde da eSolidar?

De um leilão? Tivemos a camisola autografada do Leicester quando foram campeões no Reino Unido que foi vendida por 9 mil libras [cerca de 10 mil euros] e tivemos uma experiência com os Queen, de ir ao "backstage" [bastidores], mais guitarra autografada, que deu mais de 10 mil euros. Estes dois são possivelmente os maiores. Mas normalmente os leilões chegam a valores entre os 2 e os 7 mil euros.

Como é que deram o salto para o Reino Unido?

Recebemos uma ronda de investimento da Portugal Ventures. Queríamos ir para um mercado mais maduro em relação ao que tem a ver com "fund raising" [recolha de fundos] para instituições, mas também em relação ao comércio electrónico.

Em Portugal estávamos quase a educar o mercado, a dizer que é possível fazer angariação "online" de fundos para causas solidárias. E além disso, tínhamos que explicar que não há problemas em comprar na internet. Este era o nosso maior desafio: ser um mercado pequeno e, além disso, que não está educado. E também queríamos ir para o Reino Unido para aprendermos como é que se faz com os melhores e para tentarmos crescer lá com instituições de lá.

Que tipo de instituições ajudam?

Tentamos ajudar instituições mais pequenas que precisam de mais soluções inovadoras para se conseguirem diferenciar, que foi onde nos conseguimos posicionar. Mas também queremos aprender com os consumidores que já estão habituados a doar "online", saber como poderíamos melhorar a nossa tecnologia. Temos escritório no Impact Hub de King's Cross, em Londres.

Como é que chegaram às celebridades norte-americanas, conhecidas a nível global?

Temos várias formas de chegar às celebridades. Normalmente, as instituições já trabalham com padrinhos que são celebridades. Nós chegamos às instituições e depois elas contactam as celebridades. Mas nós também chegamos através de parceiros. Ao trabalhar com festivais de música, eles já têm a ligação com as celebridades.

E, por exemplo, tudo isto começou como o EDP CoolJazz que no dia do Mark Knoppfler ainda não tinha ainda vendido os bilhetes todos, precisavam de ir outra vez para a imprensa para vender os bilhetes todos.

Trabalhámos com eles, dissemos: perguntem ao Mark se ele não se importa de receber um fã no palco durante o concerto e autografar uma guitarra para esse fã, para que possamos fazer uma experiência: leiloar para apoiar a Cerci Oeiras. Depois, contámos a história toda, porque esse dinheiro vai apoiar um certo número de crianças, como é que vai ser usado. E foi por aí que começámos.

Com as celebridades portuguesas, como fazem esses contactos?

Em Portugal, as celebridades já nos contactam directamente ou nós a eles. A própria Mariza já nos disse: "tenho aqui um vestido que usei em Nova Iorque, num concerto, autografado e gostava de apoiar os bombeiros". No início é sempre através de parceiros, ou clubes de futebol, por exemplo. Falamos com o clube, que depois tem acesso ao jogador. Mas depois de haver alguma ligação, de fazermos um, dois, três leilões, de colaborarmos, já conseguimos ter acesso directo às celebridades.

Nos últimos tempos, as acções de solidariedade em Portugal têm estado voltadas para a tragédia dos incêndios na região centro. A eSolidar colaborou de alguma forma?

Fizemos alguns leilões e o dinheiro foi para uma conta criada pela câmara, especialmente para as famílias.

Pela Câmara de Pedrógão Grande?

Sim, em Junho, se não estou em erro. Envolvemo-nos, se bem que esta é uma questão muito delicada porque põe em causa a própria credibilidade das instituições. E as instituições que estiveram envolvidas, as mais tradicionais com bastante poder, muito dele envolve muita política. Nós tentamos ajudar mais aquelas instituições que são mais eficientes, mais pequenas, mas que realmente precisam do apoio e que sabemos que já foram validadas por nós. Nas quais sabemos realmente que a distância entre a contribuição e o impacto que cria é o mais reduzida possível.

Foi uma coisa que acabou por nos afectar porque a credibilidade do público em geral em relação às instituições de solidariedade ficou muito prejudicada. E quando olham para a eSolidar ou para outras instituições, "isso não, porque houve ali não sei quantos milhões que não foram dados às instituições, só querem ficar com o dinheiro". Ficámos muito ligados a essa noção, o que não é bom é para nós. Mas isso é como tudo na vida, há pessoas más e há pessoas boas, não podemos julgar toda a gente só porque meia dúzia de entidades, se calhar, não agiram da melhor forma.

Mas estiveram envolvidos.

Sim. Entretanto estamos a preparar as coisas para o Rock in Rio, que também vão plantar árvores na Amazónia, é outro problema. Como trabalhamos com diferentes instituições, em diferentes países, há diferentes necessidades e não conseguimos dar a devida atenção a tudo. Mas sim, envolvemos algumas celebridades para doarem alguns artigos para fazermos leilões para contribuir para algumas famílias [afectadas pelos incêndios de Pedrógão Grande].

O próximo passo é crescer?

Sim. Estamos sempre à procura de investidores. Neste caso, como somos uma "startup" de impacto social, queremos que a comunidade seja tipo accionista da nossa empresa. Então por isso estamos a fazer uma campanha de "equity crowdfunding" [investimento numa empresa em troca da propriedade de uma parte da empresa], onde basicamente qualquer pessoa pode investir 10 euros e ficar com acções da empresa. É quase como se a empresa... é da comunidade, basicamente.

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  • Filipe
    08 jan, 2018 évora 23:37
    Ajudar ? Ensinar um pobre a pescar seria mais gratificante do que lhes dar o peixe na boca . Para mais , só existe tanta praga de instituições porque existem pobres em Portugal e porque o negócio é esse mesmo , a existência de pobres para fomentar aos detentor das famosas empresas de voluntariado terem vidas luxuosas por conta de donativos governamentais e outros negócios por baixo da mesa , para nem sequer falar dos roubos dos donativos em moeda , que vai parar nas contas pessoais ... coitado do Marquês no meio dito tudo ... mas só ele é que foi preso , coitado mesmo !

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