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Amor a português levou Andrea à Venezuela. Acabou presa pelo regime

13 dez, 2017 - 21:15 • Elsa Araújo Rodrigues

Andrea González, uma das distinguidas com o Prémio Sakharov, foi presa na companhia de Dany Abreu, o português por quem se mudou para a Venezuela. A história dela é também a história de um país que diz "não" a Maduro.

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Andrea Gonzaléz é um dos presos políticos na Venezuela reconhecidos pelo Parlamento Europeu esta quarta-feira com o Prémio Sakharov. A cidadã espanhola de naturalidade venezuelana é um dos mais de 300 detidos por motivos políticos listados pela Foro Penal Venezolano, organização não-governamental reconhecida internacionalmente.

Andrea está presa desde 17 de Agosto de 2015 em Caracas, no edifício El Helicoide, sede do Serviço Bolivariano de Segurança Nacional (SEBIN). Foi detida com o namorado Dany Abreu, engenheiro electrotécnico de nacionalidade portuguesa (que também continua detido no SEBIN). Dany foi o motivo que a levou a regressar ao país onde nasceu.

A família Gonzaléz vive há 17 anos na Europa, altura em que resolveram mudar-se de Caracas para as Ilhas Canárias. Têm origens espanholas e cidadania do país vizinho. Andrea regressou à Venezuela para passar umas férias e nunca mais regressou.

Foi Alejandra González, irmã de Andrea, que recebeu o diploma do Prémio Sakharov, em Estrasburgo. Contou à Renascença que a viagem de lazer se transformou no início de uma história de amor.

"Faz oito anos que foi para lá, porque se apaixonou. Esteve lá de férias e apaixonou-se pelo Dany. Decidiu regressar à Venezuela [onde nasceu] e ficar a viver no país. Estava acostumada a viver aqui na Europa, foi criada em Tenerife, nas Ilhas Canárias... E jamais pensou que lhe pudesse suceder o que aconteceu há dois anos e três meses, quando foi presa”, conta Alejandra.

Andrea e Dany ainda não foram acusados formalmente pela justiça venezuelana, mas são considerados terroristas pelo Governo. Foram detidos por causa da denúncia de um "patriota cooperante" – uma pessoa que as famílias de ambos reiteram que nem sequer era conhecida do casal – por uma alegada tentativa de assassinato da filha de Diosdado Cabello, ex-vice do falecido Presidente Hugo Chávez e uma figura importante do actual regime.

A vida difícil de Andrea

A jovem só recebe visitas de forma esporádica e por decisão discricionária das autoridades, segundo o seu advogado Joel Garcia e uma das duas pessoas que a visita. A outra é um tio (um dos únicos membros da família que ainda residem no país) que "faz de carteiro", explicou Alejandra.

A família comunica através de cartas, que o tio fotografa e envia por mensagem. Joel Garcia diz que a situação está a tornar-se insustentável.

"[A Andrea] Não está bem. Sofre de depressões porque uma pessoa que não tenha certeza sobre quando vai ser julgada, quando será solta ou condenada... imagine o estado de depressão em que está. Além de que não tem família na Venezuela, além de que a situação política no país cada vez retrocede mais e o governo é cada dia mais repressivo e abusivo do seu poder. Ninguém gostaria de estar na situação em que ela está, muito menos sem saber até quando vai durar", afirma o advogado.

Joel Garcia relata que a sua cliente recebeu a notícia do Prémio Sakharov "com satisfação", porque é “o reconhecimento da União Europeia", que “sabe que são pessoas que estão presas por causa da sua consciência. Não cometeram nenhum delito comum, o seu único crime é pensar diferente, é pensar numa Venezuela democrática”, frisa.

Uma honra em circunstâncias lamentáveis

Para a família González, a distinção atribuída a Andrea não deixa de ser um "elogio". E embora merecido, a irmã Alejandra considera "lamentável que tenha que ser recebido nestas circunstâncias" pelos representantes dos presos políticos e não pelas pessoas galardoadas, que continuam detidas.

"Todos os presos políticos o merecem porque estão detidos apenas por lutar pela liberdade. Pela liberdade de um país. Mas também é um prémio recebido com muitas dúvidas pela situação de incerteza em que vivem", desafaba.

Ninguém se atreve a fazer previsões em relação ao futuro da Venezuela, que atravessa uma crise política e económica sem precedentes e sem fim à vista. Estão marcadas presidenciais para o próximo ano, mas o actual Presidente Nicolás Maduro também irá a votos e já ameaçou proibir candidatos da oposição.

Oposição pede vigilância das eleições à UE

Júlio Borges, presidente da Assembleia Nacional, e António Ledezma, ex-presidente da câmara de Caracas e antigo preso político, também foram agraciados pelo Parlamento Europeu. São duas das vozes mais sonoras da oposição democrática da Venezuela e aproveitaram o discurso em Estrasburgo para deixar um pedido à Europa: o envio de uma missão para acompanhar as próximas eleições, como "garantia de que sejam livres".

"Só um ditador é capaz de se expressar como Maduro"
Destacado político da oposição democrática na Venezuela, Antonio Ledezma estava em prisão domiciliária desde 2015 e conseguiu sair do país. Em Estrasburgo, onde recebeu o Prémio Sakharov, deu uma entrevista à Renascença.

Alejandra Gonzaléz quer a libertação da irmã, Dany, e dos restantes presos políticos no país, mas acredita que isso só irá acontecer se houver uma mudança de Governo.

Sakharov pode pressionar mudança de regime

O prémio é o reconhecimento internacional da crise política da Venezuela, mas Alejandra não acredita em mudanças imediatas.

"A única forma de as coisas mudarem, lamentavelmente, será através de uma mudança de governo. O prémio é útil porque existem muitas pessoas que pensam que, como não chegou a haver julgamento e a Andrea e o Dany continuam presos e do outro lado há o governo de um país que diz são delinquentes, há muita gente, um pouco por todo o mundo e também na Europa, que pensa que são culpados. Não se conseguem perceber que, às vezes, há governos que mentem, cometem delitos e prendem inocentes", considera.

"Nesse sentido, o Prémio Sakharov foi muito importante. É um reconhecimento e é a única forma de explicar a essas pessoas que tanto Andrea como Dany e os outros presos políticos são inocentes e não merecem estar onde estão", diz Alejandra Gonzaléz.

Uma alegria agridoce

Um prémio de direitos humanos, por si só, não tem o poder de mudar nada. A afirmação é de Andreína Itriago, colaboradora do "El Mundo". Questionada pela Renascença como foi recebida a notícia do prémio a favor da oposição ao regime, a jornalista “freelancer” explicou que, apesar de ter saído nos "meios de comunicação independentes que continuam a informar o país", houve pouca discussão pública.

“A Venezuela atravessa uma crise política e económica muito forte" e "os venezuelanos estão mais preocupados com ter o que comer", justifica Andreína.

"O povo venezuelano recebeu a notícia com alegria, mas uma alegria agridoce porque falamos sobretudo de presos políticos, pessoas que estão detidas injustamente. A Venezuela recebeu a notícia do prémio, mas passou um pouco por baixo da mesa, sobretudo agora que se aproximam as eleições do ano que vem. Estamos com a cabeça noutras coisas.”

Comentários
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  • Silva Santos
    15 dez, 2017 Gouveia 11:01
    Graças a Deus que vivemos em democracia. Eu ainda tenho recordações do regime do Estado Novo e, convenhamos, que Salazar ao lado de Maduro era um menino de couro de igreja. Não sei se sabem ou se lembram, mas no tempo do Estado Novo também havia eleições, que curiosamente eram sempre ganhas a 100% pelo regime. Isso significava que o povo português estava com o regime? - obviamente que não - as eleições eram simplesmente manipuladas. Que estranho conceito têm os comunistas da democracia; Já dizia Álvaro Cunhal que a legitimidade de governar se ganhava nas ruas e não nas urnas de voto. Ai de quem se afirmasse não comunista - era logo apelidado de fascista, de estar ao serviço do capitalismo e do imperialismo internacional. É isso que se passa na Venezuela. Que raio de regime é aquele em que Maduro já vem dizer que não admite outros candidatos às próximas eleições presidenciais, que não ele?. Não conheci nenhum regime comunista que trouxesse felicidade e bem estar ao povo. Se olharmos a história dos países comunistas, só nos damos conta de fome, miséria, execuções extra judiciais, atropelos aos mais elementares direitos. Para terminar, imaginem os comunistas, que perante verdade comportamental e factual do sistema comunista, os países os ilegalizassem, por desrespeito assumido aos valores democráticos que norteiam a nossa sociedade? - Seria dramático, não é?. Pois imaginem o drama diário de qualquer cidadão da Venezuela, por não poder manifestar livremente as suas ideias.
  • Filipe
    14 dez, 2017 Porto 09:20
    Toda e qualquer organização seja pública ou privada, quando concentra demasiado poder e riqueza acaba por ser uma ameaça a liberdade e democracia. Lembrem-se disso quando pedirem mais estado.
  • Maria júlia
    14 dez, 2017 Estoril 09:14
    Ninguém gosta do Maduro, assim diz a comunicação social de Portugal, mas Maduro continua a ganhar nas eleições e agora foi nas autárquicas. COMO É POSSIVEL. Eu sei, essa e outras historias da Venezuela nunca serão desvendadas pela comunicação social de Portugal porque não interessa e porque a ideologia dominante não o permite. Nem mesmo aqui na Renascença pois parece que os jornalistas ou concordam com o lápis lazúli ou andam amordaçados para não perderam o emprego. Onde anda a isenção? ONDE?
  • Pedro
    13 dez, 2017 Porto 23:11
    Já demorou mais mais para este indivíduo cair....de maduro.....
  • emaria
    13 dez, 2017 porto 22:34
    O mundo nao muda ao sabor das vossas escolhas.
  • Pedro Silva
    13 dez, 2017 Lisboa 22:02
    Infelizmente, também há a história daqueles que dizem sim a Maduro e ao socialismo da Venezuela. Essa história nunca será contada na Renascença, nem na comunicação social dominante; nem mesmo da vitória nas eleições do passado domingo, com 92% de intenção de voto no PSUV. Essa e o caminho construído por muitos socialistas venezuelanos nunca será contado aqui.

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