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​Pedro Lomba: “Não há expressão mais enganadora que ‘reforma do Estado’”

05 dez, 2017 - 19:52 • José Pedro Frazão

Ex-secretário de Estado diz que faltam meios ao Parlamento e diz que há “proximidade a mais” entre deputados e jornalistas.

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Da Capa à Contracapa - O Estado por Dentro - 02/12/2017

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Há “proximidade a mais” entre deputados e jornalistas, o que gera “equívocos” e “problemas”, e o Parlamento é mais um local de “socialização política” do que um “centro de produção de leis”, diz o jurista e ex-secretário de Estado Pedro Lomba.

No último Da Capa à Contracapa, da Renascença, dedicado ao estudo “O Estado por Dentro”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), o ex-secretário de Estado de Passos Coelho teceu críticas ao papel actual do Parlamento, uma das três instituições analisadas neste trabalho.

“Não sou cientista político, mas uma das coisas que aprendi na ciência política que estuda os parlamentos é a ideia de que os parlamentos hoje em dia são muito menos centros de produção de leis e são muito mais locais de socialização política. Ou seja, as pessoas no Parlamento estão mais a socializar umas com as outras. Aquilo funciona mais como uma incubadora de elites políticas”, diz o antigo secretário de Estado Adjunto de Miguel Poiares Maduro no Governo PSD/CDS cujo mandato ficou também marcado pela apresentação de um guião de reforma do Estado pelo então vice-primeiro-ministro Paulo Portas.

O advogado, que passou pelos dois governos de Passos, observa “proximidade a mais” entre jornalistas e deputados. “Há canais de comunicação que podem facilmente podem gerar equívocos de ambos os lados. Não raramente surgem problemas por causa disso, com custos para um lado e para o outro. Os benefícios são circunstanciais para ambas as partes”, argumenta o jurista convidado a debater o estudo da FFMS com Daniel Seabra Lopes, antropólogo e coordenador do trabalho.

A mediatização tem outros efeitos perversos, transformando mesmo o trabalho parlamentar numa “performance”.

“Se estiver a falar com deputados da oposição numa comissão parlamentar, com as câmaras desligadas, sem que o espectáculo tenha começado, consigo ter um debate completamente diferente e que pode ser completamente profícuo. A partir do momento em que a câmara liga começa a performance. Às vezes, já não há a possibilidade de mais nada. Até me pergunto se são as mesmas pessoas que estão na sala. Isso tem um impacto profundo sobre a política.”

Reforma do quê?

"O Estado por Dentro - Uma Etnografia do Poder e da Administração Pública em Portugal” foi encomendado pela FFMS para descrever o quotidiano de três instituições públicas, representativas de outras tantas funções do Estado.

Seis antropólogos e sociólogos mergulharam durante cinco a nove meses na realidade da Assembleia da República, da Agência Portuguesa do Ambiente e dos tribunais de Instância Central Criminal e Central de Família e Menores no Campus da Justiça em Lisboa.

O jurista elogia o estudo da FFMS, que se afasta da habitual “perspectiva de análise muito abstracta sobre o Estado, os seus poderes e instituições”, esquecendo-se das pessoas que exercem funções públicas. Uma visão que afecta qualquer “reforma do Estado”.

“Não há expressão mais enganadora do que ‘Estado’ nos dias que correm. Não há expressão mais enganadora e ambígua do que ‘reforma do Estado’. O Estado é muita coisa. Como um estudo destes demonstra, o Estado vai desde instituições políticas como o Parlamento até instituições administrativas. E mesmo esta instituição administrativa é peculiar. Podiam ter ido ao sector da saúde, da educação, onde as coisas são muito diferentes”, analisa.

Uma máquina que esmaga reformas (e políticos)

Uma das críticas apontadas por Pedro Lomba é a falta de meios dos eleitos pelos portugueses em legislativas. “Existem assessores nos grupos parlamentares, mas não existe um assessor para um deputado. Aí está um tema que, do ponto de vista da reforma do Parlamento, poder-se-ia discutir. Será que há um défice de recursos?”, questiona.

“Uma das coisas que me fez muita confusão quando estive na política foi a discrepância de recursos que há entre o Parlamento e o Governo”, prossegue. “O Governo consegue montar equipas para tudo e o Parlamento não consegue montar equipas para nada. Isto também ajuda a perceber porque é que o Parlamento é visto no sistema politico como instituição menor do que o Governo.”

O ex-secretário de Estado diz que “na administração central ligada à saúde ou à educação há uma verdadeira máquina que pode esmagar reformas e a autoridade que o responsável político tem. O responsável politico pode ser a pessoa mais fraca daquela organização. Não tem informação, não controla aquilo que decide, não tem poder sobre as pessoas, não as pode despedir, por razões que decorrem da própria natureza do vinculo público.”

Comentários
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  • Renato Bastos
    06 dez, 2017 Ponta Delgada 14:52
    Esta situação é uma "gota no oceano" porque a máquina do Estado está desumanizada. O exemplo flagrante são os serviços de finanças que funcionam como agentes do senhor feudal que é o diretor de finanças que tem um poder discriminatório e autoritario que se reflete nas pessoas que são suas subordinadas que agem friamente e desumanamente querendo de três em três meses ganhar o FET (Fundo estabilização Tributária), isto é, percentagem sobre as cobranças coercivas. O minimo que se ganha são 600,00€ líquidos em meses de fraca cobrança. Tudo vale a estes senhores e senhoras. Tirem o FET e verão os serviços a funcionar como deve ser.
  • 05 dez, 2017 palmela 22:24
    Ha proximidade a mais dos media sim senhor!
  • 05 dez, 2017 palmela 21:46
    acho que o estado e uma maquina fria!
  • Francisco António
    05 dez, 2017 Setúbal 20:33
    O que este jovem político já sabe: Os eleitos debatem-se com falta de "meios"...

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