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Diogo Feio. "Com eurobonds, não estávamos perante esta situação"

07 jul, 2015 • José Pedro Frazão

Centrista defende emissão de títulos europeus de dívida pública numa edição alargada do Falar Claro em que se discutiu a crise na Grécia.

Diogo Feio. "Com eurobonds, não estávamos perante esta situação"
Centrista defende emissão de títulos europeus de dívida pública numa edição alargada do Falar Claro em que se discutiu a crise na Grécia.
A ideia é antiga, seja na pessoa de Diogo Feio ou no debate sobre a dívida dos países da moeda única. No Falar Claro desta segunda-feira, o dirigente do CDS decidiu reintroduzi-la no contexto da discussão do imbróglio grego: a emissão de eurobonds (títulos europeus de dívida pública) poderia evitar a situação, diz Diogo Feio.

"Entendo que se deve completar o euro. Entendo que esta crise se deve à falta de estrutura que o euro ainda tem. E uma das primeiras medidas que devia estar em cima da mesa era a criação de um sistema do género dos eurobonds. Não percebo como é que se tem uma moeda comum sem ter um modo de gestão da dívida que seja comum", afirma.

"Você tem dúvidas de que isso virá? Porventura mais tarde do que seria necessário, mas virá", atira o socialista Vera Jardim. "Bastante mais tarde. Se calhar, se isto existisse nós não estávamos perante esta situação", responde o ex-eurodeputado do CDS, que assegura que esta posição não é solitária no seu campo político.

O centrista considera que está criada uma oportunidade para "construir o euro como ele tem de ser construído".

Dívida, o nó górdio da Grécia
Vera Jardim (PS), José Gusmão (Bloco de Esquerda) e Diogo Feio (CDS) discutiram o que fazer à dívida grega. E as opiniões dividem-se.

"Com toda a sinceridade, não me parece que uma solução de reestruturação da dívida vá resolver o que quer que seja. A Grécia já teve uma e é por isso que deixou de estar na situação em que está?", questiona Diogo Feio.

Para Vera Jardim, este é o tema decisivo nas próximas horas de negociação entre a Grécia e os credores. "Todos sabemos que esta dívida grega é insustentável. A Grécia teria de estar 50 anos a pagar a dívida. É certamente precisa [alguma forma de reestruturação da dívida grega]. Não sei se será possível nos tempos mais próximos, pelas declarações e posições que vejo. É evidente que há um voto do povo grego, mas também os governos dos outros países têm que ter em conta as opiniões dos seus cidadãos. Para o Governo alemão, penso que essa é uma linha vermelha", sustenta o antigo ministro socialista, que baseia as suas preocupações em várias afirmações das últimas 24 horas, em particular as do vice-chanceler alemão Sigmar Gabriel, do SPD.

José Gusmão, do Bloco de Esquerda, evoca a vontade política como a chave para a resolução do problema da dívida grega.
"A questão da reestruturação da dívida grega poderia ser até bastante fácil de resolver se houvesse vontade política nesse sentido. Todas as dívidas públicas europeias estão denominadas em euros. Isso dá às instituições europeias muita margem de manobra para resolver o problema se assim o quiserem", afirma.

Negociar a austeridade
Há mais vida para além da dívida nesta negociação, parece sugerir José Gusmão. "Penso que o principal ponto de discórdia nas negociações é a política económica, ou seja, aquilo que o Governo do Syriza vai fazer. O que está em causa no impasse a que se chegou entre as instituições europeias e o Governo grego é a insistência numa política que falhou sobre todos os objectivos: aqueles que não buscava e aqueles que buscava como, por exemplo, a questão do controlo da dívida", sustenta.

Vera Jardim classifica o resultado do referendo como uma "confirmação potente de um mandato no sentido de se opor a medidas de austeridade". O socialista admite que o Governo de Alexis Tsipras tem agora mais legitimidade do seu lado, mas também "uma dificuldade negocial acrescida", trazendo como exemplo a sua experiência como advogado. "Ao fim de 40 anos de advogado, sabemos que quando o cliente nos dá um mandato – e o cliente aqui é o povo grego – e diz ‘Você só negoceia até aqui’ é muito difícil a pessoa ir mais além".

O antigo deputado do PS responsabiliza as "lideranças que gizaram os programas de resgate" na Grécia. "Faz-me impressão que não tenha sido possível desenhar um programa que não assente apenas em cortes e aumentos, aumentos e cortes. Um programa que tivesse percebido o problema grego e encontrado um desenho de um programa, um conjunto de medidas que fossem à procura de uma reconstrução do Estado grego. Se é que nos últimos séculos houve um Estado grego a sério, sem menosprezo nenhum para a Grécia. Mas é um Estado efectivamente muito frágil e uma economia bastante atrasada."

Vai levar muito tempo, avisa Diogo Feio. "A situação da Grécia bateu tão no fundo que vão ser necessários vários anos para que possamos falar numa ideia de recuperação e restaurar a confiança, o tal elemento fundamental dentro de uma economia", diz o centrista.

O BCE e a política
José Gusmão é duro na crítica às medidas tomadas pelo BCE em relação à Grécia.

"O que o Banco Central Europeu fez, ao não aumentar a assistência de liquidez, foi provocar deliberadamente uma situação de encerramento de bancos, com o objectivo de interferir no referendo dos gregos. Foi disso que se tratou, de pôr os gregos em fila nas caixas multibanco e assustá-los em relação às consequências de um voto ‘não’ no referendo. Foi o BCE a violar o seu mandato para fazer política pura e dura", acusa o dirigente do Bloco de Esquerda.

Pelo contrário, responde Diogo Feio, "com as linhas para comprar dívida no mercado secundário, se fizemos uma leitura muito estrita do seu mandato [do BCE], elas não seriam possíveis".

"Com esta linha ELA [de liquidez de emergência] para os bancos tenha-se a noção do seguinte: é o BCE que está a conseguir que os bancos gregos não entrem em falência. Não fosse o BCE, eles tinham entrado em falência. E aí teríamos verdadeiramente um caos muitíssimo superior ao que estamos neste momento a conhecer."