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Legionella. Fundo de garantia que podia ajudar vítimas continua na gaveta

21 nov, 2014

A medida está prevista na lei de responsabilidade ambiental de 2008, mas nunca chegou a ser regulamentada.

Legionella. Fundo de garantia que podia ajudar vítimas continua na gaveta

O processo de indemnizações às vítimas do surto de legionella poderá demorar vários anos, alerta o presidente da Junta de Freguesia de Vialonga. A compensação poderia chegar mais rápido se o fundo de garantia para empresas de risco, previsto desde 2008, já estivesse em vigor, afirma a Quercus.

No programa "Em Nome da Lei" da Renascença, o presidente da Junta de Vialonga, José Gomes, revela que algumas das vítimas estão em situação financeira aflitiva e não têm a quem recorrer.

A situação é tanto mais grave quando a expectativa é que o processo judicial de indemnização vá demorar anos, refere José Gomes.

O jurista da Quercus Paulo Magalhães defende que a situação de emergência financeira que estão a viver algumas das vítimas da legionella poderia ser resolvido com recurso a um fundo de garantia todas as empresas com produções de risco deveriam ter. É o caso da ADP – Adubos de Portugal que esteve na origem do surto, como anunciou esta sexta-feira o ministro do Ambiente, Jorge Moreira da Silva.

A medida está prevista na lei de responsabilidade ambiental de 2008, mas nunca chegou a ser regulamentada. Este fundo de garantia poderia também responsabilizar-se pelo pagamento das indemnizações das vítimas, admite Paulo Magalhães, no programa "Em Nome da Lei" (gravado antes de ser conhecido oficialmente a origem do surto).

"Mesmo que se apurem responsabilidades civis nestes danos, atendendo que são 300 doentes, dez mortes, mais outros danos que podem com alguma dificuldade vir ou não a ser apurados, há ou não garantias financeiras para estes danos serem assegurados?", questiona o jurista da Quercus.

O juiz do tribunal da Relação de Lisboa Eurico Reis diz que esta é mais uma lei que nunca foi regulamentada. Se o fundo de garantia previsto na lei de responsabilidade ambiental de 2008 já estivesse em vigor, as vítimas da legionella teriam outras garantias de serem indemnizadas, sublinha.

"Se alguma empresa for condenada, pode acontecer que não tenha dinheiro para pagar as indemnizações. Por exemplo, para os automóveis há o fundo de garantia automóvel: se a pessoa não tem seguro é esse fundo que paga a indemnização ao lesado. O que pode acontecer neste caso é os valores da indemnização serem, eventualmente, tantos que não há dinheiro nos cofres da empresa para pagar", adverte o juiz Eurico Reis.

Famílias avançam para a justiça
Um total de 23 famílias de doentes infectados com legionella, que pretendem processar os responsáveis pelo recente surto, já pediram apoio jurídico às juntas de freguesia e à Câmara de Vila Franca de Xira.

Confirmada a origem do surto, falta provar que a Adubos de Portugal violou alguma das obrigações que constam da sua licença ambiental, diz Hugo Correia, advogado especialista em direito ambiental.

Em caso de eventual condenação dos responsáveis da empresa, a pena de prisão será convertida em multa e uma "pequena parte" reverterá para as populações atingidas, afirma.

"A pena de prisão, que está previsto que vá até 11 anos, na sua versão mais agravada, é convertida numa multa ou mesmo noutro tipo de penas mais graves que podem ir até à dissolução da própria pessoa colectiva que corresponde à extinção da pessoa colectiva", afirma.

Mesmo que o processo criminal acabe arquivado, as vítimas podem sempre compensadas através de um processo cível.

Neste caso, não é preciso provar de "uma forma clara e inequívoca" o nexo de causalidade entre as infecções e uma dada fonte do surto: basta que peritos considerem que há uma "probabilidade elevada e séria" dessa causalidade para a empresa ser condenada a indemnizar as vítimas.

A lei de responsabilidade ambiental permite, desde 2008, uma "maior facilidade" neste processo, diz Hugo Correia.

Em tese, é possível, mas será muito difícil que os comerciantes lesados sejam ressarcidos. "Será muito complicado" provar que o encerramento de portas deveu-se ao surto de legionella. "Mas, em tese, é possível."

O programa "Em Nome da Lei" é emitido na Renascença, no sábado, às 12h00.