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Conversas Cruzadas

O Syriza quer arruinar o euro?

05 jul, 2015 • José Bastos

Referendo é estratégia deliberada? “Tudo aponta nesse sentido”, diz Santos Almeida, no “Conversas Cruzadas” desta semana. “Merkel tem um problema”, afirma Daniel Bessa.

O Syriza quer arruinar o euro?

As sondagens não são nada conclusivas sobre o resultado do referendo deste domingo, mas qualquer dos resultados parece acentuar a incerteza do “day-after”.

A incógnita de logo à noite preocupa a Europa: o “não” dinamita nova negociação com os credores e o “sim” determina o fim político do governo Syriza e, talvez, novas eleições em Setembro.

Muito mais cedo, em menos de 48 horas, há ainda um cenário temível. “Podemos ficar sem dinheiro já na terça-feira se as pessoas continuarem a levantar 60 euros por dia”, dizia, na sexta-feira, um executivo bancário à agência Reuters em referência às restrições adoptadas.

Como evitar este quadro? Com a vitória do “sim”? Daniel Bessa, neste, como noutros casos, não tem certezas. “Gostaria que o resultado do referendo fosse a vitória do ‘sim’ e que se criasse um terreno novo para que, no mínimo, a Europa pudesse negociar com outra gente, diz.

“Mas isto é o que eu gostaria. Não sei se será a realidade”, sublinha o antigo ministro da economia no “Conversas Cruzadas” deste domingo.

Já Álvaro Santos Almeida não assume previsões, mas defende probabilidades. “Não consigo prever, mas tenho a minha expectativa. O desejo é o mesmo do Daniel Bessa, mas, neste caso, tenho razões para pensar que o resultado pode ser a vitória do ‘sim’”, indica o economista.

“A principal é que se as sondagens já dão o ‘sim’, nalguns casos, empatado ou à frente do ‘não’, o ‘sim’ na Grécia deve ser, neste momento, o voto da maioria silenciosa. A intenção de voto de quem não a confessa deve ser o ‘sim’ por causa do ambiente político. Dizer ‘sim’ é mal visto”, afirma Álvaro Santos Almeida.

“Portanto, se as sondagens revelam que o ‘sim’ já está, pelo menos, a par do ‘não’ expresso como intenção de voto, provavelmente, o resultado será ‘sim’. A acontecer levará a mudança política na Grécia. Não estou a ver como o Syriza se pode manter no poder, se bem que com o Syriza tudo seja possível”, conclui.

Grécia enfrenta pior crise desde 1974
A Grécia viveu esta semana uma crise financeira, política e social inaudita desde o regresso da democracia e do fim da “ditadura dos coronéis”, em 1974. Uma crise que supera em vários indicadores a de 2012 quando parecia iminente a saída de Atenas do euro, na altura, com o risco acrescido de arrastar outros países. Mas será essa a estratégia?

“Há quem diga que o Syriza tem uma agenda: fazer a Grécia sair do euro e responsabilizar os alemães. Há quem diga que a agenda pode ser essa. Mas eu não sei se é”, afirma Daniel Bessa.

“Realmente a senhora Merkel deve ter um grande problema porque tem de tentar entender. Eu não entendo. Espero que a senhora Merkel entenda”, diz Daniel Bessa para quem o Syriza, no poder desde Janeiro, “é parte do problema”.

“Ainda ontem vi alguém - de quem até não sou muito próximo - Braga de Macedo, a recordar que os resultados económicos da Grécia no final de 2014 eram positivos. Seguramente muito melhores que hoje”, nota.

“Aliás, um dos problemas actuais é a recusa do Syriza em dar indicações do que se passa na economia. Muitos indicadores devem ter regredido consideravelmente. Por exemplo, não tenho dúvida que a cobrança fiscal deve ter recuado. Esse é um ponto para retirar credibilidade à proposta do Syriza”, defende Daniel Bessa.

“O Syriza que, recordo, em algum momento, recusava a proposta de acordo. Depois, apareceu com algo inesperado: prometer resolver o problema com 93% de impostos e só 7% de redução de despesas”, lembra.

“Que um país que tem enorme dificuldade em cobrar impostos, que uma máquina fiscal em que o problema é precisamente esse venha agora, de repente, tirar da cartola uns milhares de milhões de euros de mais impostos...? No mínimo é preciso ver se é capaz”, diz Daniel Bessa.

Já Álvaro Santos Almeida retoma a linha de análise que sugere uma estratégia deliberada por parte do governo Tsipras/Varoufakis. “Na semana passada defendi e expliquei aqui porque acho que o plano do Syriza sempre foi sair do euro e, com um pouco sorte, arruinando o próprio euro”, reafirma o professor de economia da Universidade do Porto.

“Faz parte do plano político das pessoas que lideram o Syriza. Para chegar a esta conclusão basta conferir o percurso dessas pessoas, ver a sua história ou avaliar o que diziam ainda há pouco tempo”, faz notar.

“Se o plano inicial fosse mesmo esse teriam actuado justamente da forma como actuaram. De facto, tudo o que fizeram aponta nesse sentido”, defende Álvaro Santos Almeida.

“Incluindo o próprio referendo deste domingo que é apresentado como sendo uma vitória da democracia. É ridículo que se diga isto, porque se o senhor Tsipras tivesse um mínimo de interesse em saber a opinião dos gregos sobre o acordo com os credores tinha marcado o referendo uma semana antes, enquanto o acordo era ainda válido”, diz o economista.

“O que vai acontecer hoje é um referendo sobre uma proposta que não existe legalmente. A proposta existente era para ampliar um programa. O programa já caducou, entretanto, e não pode ser estendido. A pergunta que está a ser colocada aos gregos é sobre uma suposta proposta da Comissão que – juridicamente - já não existe”, afirma Álvaro Santos Almeida.

“Gente de camisolinha Syriza sonha com a revolução”
Já Daniel Bessa aduz mais elementos ao debate. “Tirar a Grécia do euro é um processo que pode ter diversas interpretações. Pode ser masoquista, mas eu não vejo o Syriza nessa lógica. Pode ser nacionalista”, admite.

“Um nacionalista dos quatro costados rejeita a Europa no que tem de federal e de imposição às nações e, portanto, eu percebo que um nacionalista grego seja pela saída do euro. Mas o Syriza, se bem entendo, tem umas raízes trotskistas que são tudo menos nacionalistas. Apelam a uma ‘internacional’ qualquer dos explorados da terra”, refere Daniel Bessa.

Álvaro Santos Almeida contrapõe. “Mas o euro é o símbolo do capitalismo e como bons trotskistas destruiriam esse símbolo capitalista”.

Daniel Bessa concorda “Pois, e com isso destruiriam o projecto europeu. Acho que muita gente, com a camisolinha do Syriza vestida, sonha em iniciar a revolução. Mas não é só a revolução na Grécia”, alerta.

“Há no Syriza um voto profundamente ideológico. Do meu ponto de vista é de base trotskista que aspira a um cenário que se aproxime de um princípio de ruptura na Europa toda”, prossegue Daniel Bessa.

“Essa gente gostará das filas nos bancos e supermercados e, portanto, achará que o seu programa está a ser cumprido. É como o homem que ia a caminho das Torres Gémeas. Quanto mais perto está das torres mais perto está do objectivo”, indica Daniel Bessa numa alusão tácita a Mohamed Atta.

“Portanto, se a pretensão deste grupo na Grécia é essa, quanto mais gente descontente nas ruas melhor, mais o plano está a funcionar”, diz.

“Mas há muita gente na Grécia que votou Syriza porque estava cansada de uma política que não produzia resultados que, realmente, estava a ser muito penalizante. Apareceu-lhe um grupo que lhe propunha qualquer coisa de diferente e foram por aí. Esses seguramente não hão-de estar muito contentes com as filas nas ruas”, defende Daniel Bessa.

“Um bom trotskista ia a Berlim... e regressava social-democrata!”

E a força democrática do referendo deste domingo? E as justificações de um referendo que muitos defendem aproximar-se de um plebiscito por, alegadamente, não observar regras de igualdade e pluralismo?

Responde Álvaro Santos Almeida. “Na convocação do referendo vejo explicações possíveis à luz da lógica que defendo: a de que a intenção do Syriza é mesmo sair do euro."

“Por exemplo a de ter alguém para culpar, como referia Daniel Bessa, portanto, o referendo serve para um ‘nós tentamos, mas a proposta era tão má que vocês gregos votaram e disseram não e agora saímos do euro’", diz Álvaro Santos Almeida.

“O Syriza fica com legitimidade política para recuar na promessa de nunca sair do euro. A partir daí o Syriza pode iniciar a revolução numa Grécia fora do euro. O Syriza pode aplicar as suas teorias que, de resto, também Nicolas Maduro, na Venezuela, apoia fortemente”, nota.

“Pelo menos já há algo em comum: ambos – Maduro e Syriza – partilham o gosto por filas de pessoas na rua à porta de tudo e mais alguma coisa. Afinal, geralmente, as consequências deste tipo de políticas”, no leve traço irónico de Álvaro Santos Almeida.

Daniel Bessa fecha o debate em registo idêntico. “Alguém que todos os portugueses conhecem, alguém muito prestigiado pelas suas análises políticas, mas que eu não vou aqui expô-lo, dizia, ontem, em privado algo muito interessante”.

“Era um desfecho possível para a crise e, então, esse português ilustre mostrava-se um pouco admirado por as coisas não se terem passado desse modo”, narra Daniel Bessa. “Afirmava essa pessoa que se tudo tivesse corrido normalmente...um bom trotskista metia-se no avião em Atenas ia a Berlim e regressava a Atenas... social-democrata”.