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Conversas Cruzadas

“A facilidade do ‘reverter’ preocupa”, diz Daniel Bessa

24 mai, 2015

“António Costa teria vantagem em acentuar compromisso com políticas europeias de rigor ”, sustenta o antigo ministro da Economia. Já Álvaro Santos Almeida analisa o programa eleitoral do PS Vs cenário macroeconómico de Centeno.

“A facilidade do ‘reverter’ preocupa”, diz Daniel Bessa

“Olho com extrema preocupação, para o que se está a passar em Portugal. Veja-se a facilidade com que se está a falar em ‘reverter”, afirma Daniel Bessa no dia em que o projecto de programa eleitoral do PS volta a ser discutido na Comissão Nacional.

O líder António Costa admitiu que a reunião do órgão máximo entre congressos possa votar individualmente os pontos mais polémicos: possível descida na TSU e contrato único de trabalho. O programa eleitoral do PS será finalmente sufragado a 6 de Junho numa convenção nacional.

Daniel Bessa, antigo ministro concretiza no Conversas Cruzadas a sua perplexidade à volta do ‘reverter’. “Reverter o horário da função pública, regressando às 35 horas, reverter a progressividade no IRS e reverter mais não sei quantas coisas”, faz notar.

“De resto, isso mereceu-nos a propósito do programa económico do PS – mas também pode valer para alguns pontos do discurso do governo – uma crítica muito violenta, esta semana, de um dos principais analistas económicos britânicos no Daily Telegraph”, recorda.

“Em Portugal, isto passou um bocadinho despercebido”, observa Daniel Bessa a propósito da análise de Ambrose Evans Prychard, um nome seguido com atenção no universo financeiro. “O discurso dos socialistas portugueses não é assim tão diferente das propostas do Syriza na Grécia, mesmo não sendo os dois partidos a mesma coisa”, é a tese do colunista do Telegraph.

Daniel Bessa recua no tempo.“Dantes falava-se dos “Verdes” como sendo uma melancia, porque eram uma espécie de Partido Comunista, vermelho por dentro e pintado de verde por fora, e o programa do PS também foi descrito em Inglaterra por um analista extremamente reputado como uma melancia”, indica.

“Porque por fora diz que respeita as orientações do pacto orçamental, diz isso tudo, mas – foi escrito – por dentro é igual ao do Syriza. Isto é muito violento”, qualifica Daniel Bessa.

“Penso que o Dr. António Costa tinha, como diz, vantagem em acentuar que o PS está comprometido com estas orientações de políticas europeias, políticas de rigor e que, por dentro, as medidas que lá estão sejam consistentes com este discurso”.
“Não basta dizer. O Syriza também diz que está de acordo, mas, depois, não bate certo”, afirma o director geral da Cotec Portugal.

Álvaro Santos Almeida: “Há contradições no PS”
Já Álvaro Santos Almeida alude às aparentes incompatibilidades do projecto de programa eleitoral do PS por confronto com a apresentação do cenário macroeconómico elaborado por uma equipa de economistas liderada por Mário Centeno.
“Talvez por ser uma fase ainda de discussão há aqui uma aparente contradição entre vários aspectos do programa”, afirma o professor da Universidade do Porto.

“Por exemplo, o Prof. Manuel Caldeira Cabral esteve - aqui neste programa - a explicar-nos que o crescimento adicional viria, em grande parte, do aumento do rendimento disponível. O aumento do rendimento disponível vinha da descida da TSU”, afirma.

“Portanto, se agora já não vai haver descida da TSU nada daquilo vai acontecer. Aquele quadro macroeconómico cai completamente. Por outro lado, a taxa de desemprego baixava porque há uma reforma no mercado de trabalho – proposta pelo Prof. Mário Centeno – de unificação que iria aumentar o emprego”, prossegue.

“Se não há essa reforma nada vai acontecer no emprego. Ou seja, o quadro macroeconómico foi apresentado com um conjunto de pressupostos que agora estão a ser postos em causa”, refere.

“Portanto não é um quadro macroeconómico consistente. Ao mesmo tempo, pelo menos nas declarações públicas mais até que no documento do PS, há, aparentemente, a vontade de reforçar o peso do Estado na saúde e educação o que pressupõe o aumento de despesa nessas áreas”, acrescenta.

“Mas o quadro macroeconómico prevê a redução de despesa nessas áreas. Portanto, enquanto essas contradições não forem resolvidas é natural que haja comentários – como o referido pelo Prof. Daniel Bessa - de que as contas não batem certo e que, se calhar, como no caso do Syriza, estamos a apresentar medidas muito bonitas, mas não consistentes com as metas da União Europeia”, observa Álvaro Santos Almeida.

“Dizer que ‘queremos cumprir’, mas depois propor medidas que não o permitem é um problema. Espero que seja apenas fruto da fase de discussão em que se está e que venha a ser resolvido no futuro”, indica o economista.

Daniel Bessa: “Empresários não devem estar contentes com o PS”
O PS pretende também que as grandes obras públicas e principais infraestruturas do Estado passem a ser aprovadas por uma maioria qualificada de dois terços na Assembleia da República. Esta é uma medida que consta do projecto de programa eleitoral socialista a merecer a concordância de Daniel Bessa.

“Aí acho que o Dr. António Costa esteve muito bem. A ideia da maioria qualificada na Assembleia da República parece-me bem. A ideia de um rigor acrescido no acompanhamento das obras também me parece bem”, nota.

“Eu conheci um grande empresário português da área das obras públicas que me dizia que o que custava não era ganhar um concurso público. Ganhava-se com o preço mais baixo possível e, depois, ia-se acrescendo, à medida que a obra ia sendo executada ia-se aumentando custos”, assevera.

“E tiro o chapéu face à demarcação relativamente à anterior liderança do PS que recusou isso liminarmente. O que menos gostei no programa económico do PS foi a ruptura do compromisso no IRC. O PS esteve de acordo com o governo na baixa do IRC”.

“Depois, há umas semanas, já não baixava o IRC, porque ia diminuir a TSU. O IRC é só para os ricos, só para quem ganha dinheiro, e a TSU é para os ricos e para os pobres. Portanto toda a gente que empregava trabalhadores permanentes beneficiava da baixa da TSU”, diz.

“Agora nem descida de IRC e também a baixa da TSU ficou híper condicionada sem nenhum tipo de compromisso. Os empresários não devem estar muito contentes com o PS”, afirma o antigo ministro da Economia.

Álvaro Santos Almeida: “Nunca se fizeram reformas quando há condições”
Em Sintra, Mário Draghi voltou, este sábado, a apelar no sentido de reformas estruturais imediatas nas economias da zona euro.

No encontro anual do BCE – a resposta europeia à reunião americana ‘Jackson Hole’ – o presidente do Banco Central insistiu em que as condições económicas favoráveis devem ser aproveitadas para aplicar reformas mais profundas.

Álvaro Santos Almeida, economista ex-FMI, enquadra o apelo. “De facto, se queremos realizar reformas que têm aspectos negativos, mas que irão gerar resultados positivos no futuro, a melhor altura para o fazer é quando o resto da economia está bem ao ponto de compensar a componente negativa que possa existir no curto prazo”, afirma.

“Em teoria, a altura certa para reformas é quando a economia está a crescer. Neste momento não está ainda a crescer muito, mas já está alguma coisa, estão já reunidas um conjunto de condições favoráveis quer em termos externos quer de política monetária do BCE. São condições que dificilmente se voltarão a reunir no futuro”, antecipa.

“Do ponto de vista objectivo de condições económicas para as reformas, o momento actual é o certo, mas não serão feitas. Porquê? Porque ninguém faz reformas quando tudo está bem.  Ninguém vai estar disponível para suportar os custos iniciais – que depois geram benefícios – se não sentir a necessidade dessas reformas. Se a economia está bem a necessidade da reforma não é tão sentida e, portanto, ninguém vai estar disponível”.

A questão é de vontade política. O que o sr. Draghi está a fazer é, conhecendo ele bem estes mecanismos, está a tentar compensar a inércia e tentar criar condições para que, mesmo em condições favoráveis, não haja o abrandamento das reformas. Aliás, é assim que ele inicia o discurso de Sintra: “há o risco...”, prossegue.

“Eu diria mais: esse risco é quase certo. No caso de Portugal, por exemplo, nunca na nossa história se fizeram reformas quando tudo estava bem. As reformas sempre se fizeram quando as coisas estavam mal e eram inevitáveis”, antecipa o economista.

“Não acredito que as reformas se realizem agora, mas compreendo perfeitamente que alguém na posição do sr. Draghi faça estes alertas”, afirma Álvaro Santos Almeida.

Já Daniel Bessa recupera a sua própria metáfora da “bonança perfeita” para elogiar o presidente do Banco Central Europeu. ”Draghi adverte sobretudo para que este tempo de bonanças perfeita para o qual o BCE está a contribuir duplamente até pelo juro não dura sempre”, alerta.

“O governo português foi, há pouco, ao mercado e pagaram-lhe para ir buscar dinheiro. O engenheiro Sócrates não estaria a passar pelos maus tempos que está a passar se isso lhe tivesse sido oferecido”.

“Portanto, o BCE criou condições fantásticas: a baixa dos juros e a descida do euro. Depois ainda há o petróleo. Mas se achamos que isto dura para sempre e abrandamos nas reformas como parece que estamos a abrandar por todo lado há um sério risco”, nota.

“Em Sintra, o sr. Draghi teve uma intervenção magistral a este respeito e que, do meu ponto de vista, cai por inteiro em cima de nós”, sublinha.

“Porque, nos últimos tempos, o que mais tenho visto sobre Portugal é que todas as entidades que se pronunciam numa perspectiva mais técnica e mais independente dos votos aludem a riscos de retrocesso”.

“É a UTAO no Parlamento, foi o Conselho das Finanças Públicas, foi o FMI e ainda não vi de lado nenhum, de um ponto de vista técnico, alguém a dizer ‘estejam sossegados, o problema já passou”, indica Daniel Bessa.

“Portanto, o sr. Draghi com uma autoridade acrescida – que já não é só técnica – veio dizer ‘meus amigos, esta é altura de aprofundar as reformas, ou isto acaba muito mal”.